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CAPÍTULO III – HÍBRIDO DANÇA-TECNOLOGIA COMO CRIAÇÃO E COMO

3.1 A PLICAÇÃO DO HÍBRIDO NA C RIAÇÃO : SOFTWARE DANCEFORMS 1.0

3.1.1 Considerações

O ato de tentar reproduzir no software movimentos quaisquer pode ser um tanto quanto frustrante e tomar um bom tempo. Isto se dá, pois é necessário que estes sejam cuidadosamente transformados em sucessivas posições. Para isto, deve-se pensar na postura correta, bem como a posição exata de cada membro durante todo o trajeto, e transferir para o boneco, em cada quadro, todo o passo-a-passo.

Tomemos como exemplo ilustrativo o plié, que é princípio básico da técnica da dança clássica. Plié significa dobrado, flexionado; nada mais é que uma dobra de joelhos. Todo o exercício de ballet começa com pliés. Este será executado em Primeira Posição, também básica do ballet, que consiste nos pés unidos e virados para fora, com os calcanhares juntos, formando uma linha reta.

Colocando-o em prática no protótipo, cuja posição inicial compreende pernas e pés paralelos, foi primeiramente feita sua transformação para primeira posição: união dos pés, juntamente com rotação destes para fora e ajuste dos calcanhares. Para o início da flexão, foi necessário executar afastamento lateral da coxa (fig. 6), para em seguida trazer o segmento da perna para o meio (fig. 7), e ajeitar novamente os pés para continuarem apoiados no chão da maneira anterior. Da mesma forma foi feito na outra perna. Para chegar a flexão final, os processos foram repetidos, desta vez com maior amplitude.

Figura 6 - Afastamento lateral Figura 7 - Aproximação Medial

A seqüência completa (fig. 8) deste movimento, fundamento tão básico, demandou algum tempo de análise e trabalho, adquirindo grande complexidade. O software nos obriga a repensar a suposta simplicidade de alguns movimentos considerados tão triviais. A “explicação” de processos que já nos são automáticos, juntamente com sua notação, são exercícios que nos levam a olhar os movimentos sob a ótica dos inúmeros pequenos processos que o compõem. Padrões básicos de movimento, por nós aprendidos através da repetição, devem ser inseridos quadro a quadro na animação.

Figura 8 - Plié

Outra questão a ser considerada é a possibilidade que o programa nos proporciona de fazer com o bailarino virtual proezas e monstruosidades as quais os bailarinos reais seriam incapazes de executar, como vê-se nas figuras 9 e 10. Qual seria a influência dessas representações na experiência corporal?

Figura 9 - Inusitadas

ações

Segundo Merce Cunningham apud Santana (2002, p. 60) o que mais o interessou nesses programas não era que seus bailarinos reproduzissem os movimentos não orgânicos da figura virtual. Seu objetivo era “sair do movimento comum a cada indivíduo mediante uma articulação jamais tentada ou experimentada, possibilitando, assim, a descoberta do inusitado. Propõe ao bailarino superar-se, encontrar o impensável.”

Ainda em relação às formas antianatômicas obtidas, Cunningham afirma:

“Olhei algumas coisas e disse, ‘Bem, isto é impossível a um bailarino fazer’. Mas se eu olhasse o suficiente, poderia pensar em uma nova forma daquilo ser feito. Não exatamente como era feito na tela, mas isso poderia incentivar meus olhos a ver algo que jamais havia concebido antes.” (Ibidem, p.

60)

Figura 10 - Impossível como norte

Sendo assim, se os movimentos irreais concebidos forem mostrados ao bailarino, este também poderá ser construtor ativo do movimento real que executará. Sua interpretação corporal na tentativa da execução provavelmente fará surgir novas possibilidades não antes enxergadas.

Mais uma vantagem na utilização do software é a facilitação da comunicação coreógrafo-bailarino. Durante a aprendizagem de um novo movimento, o referencial visual é de extrema importância (apesar de não ser imprescindível) na facilitação da assimilação. Sendo assim, se o coreógrafo possui um modelo que executa exatamente a ação pensada, a informação é mais claramente passada e melhor entendida pelo receptor, do que seria em uma explicação verbal. Por vezes, o idealizador do movimento pode não ser dançarino e não conseguir executa-lo, ou ainda pode estar impossibilitado de faze-lo por inúmeras razões. Além disso, com os recursos de zoom, controle da velocidade, visões através de ângulos diferentes, entre outros, ajudam os alunos a compreender todas as nuances da movimentação.

Há também outras opções oferecidas pelo programa que dificilmente seriam oferecidas pelos bailarinos ao vivo. Por exemplo, há a possibilidade de a seqüência composta ser executada de trás pra frente, com os lados ao contrário (espelho), e em qualquer velocidade escolhida por várias e várias vezes seguidas. Essas funções também, ao gerar variações dos passos, podem fazer surgir novas combinações interessantes, e mais uma vez estimular o processo criativo.

Uma aplicação básica, secundária, porém útil, é automaticamente gerada a partir dessas tantas outras mencionadas acima; ao colocar as seqüências de movimentos no computador e salvá-las, faz-se um acervo.

Notação do movimento; assim como partituras de música. Importante tanto para consulta posterior para busca de maiores detalhes, quanto em caso de

esquecimento, e ainda como preservação da criação. Viabiliza que se torne repertório e que seja passada adiante da exata forma como foi projetada, sem mesmo a presença de seus idealizadores ou executores. Assim, muito tempo depois, mesmo com a coreografia possivelmente em desuso, estará tudo registrado. Um registro também pode ser interessante para acompanhar o processo de amadurecimento da criação de determinado indivíduo ou grupo de pessoas com o passar dos anos.

Através de pequena e superficial exploração do software foram abertas algumas efetivas formas de se repensar e inovar a dança. O programa, apesar de ter sua interface totalmente na língua inglesa, de certa forma apresenta uma linha intuitiva de funcionamento. O que o faz funcionar é a aplicação de princípios básicos que qualquer criador/bailarino conhecem e utilizam, mesmo que às vezes não de forma consciente. A junção de certas posições, em um determinado espaço de tempo, forma um movimento. A inserção deste no espaço cênico e em conjunto (ou não) com outros bailarinos vão formando algo mais complexo. Como já comentado anteriormente, apresenta-se novamente o jogo de simplicidade x complexidade; a simplicidade aparente da utilização dos recursos x complexidade dos passos para qualquer tipo de montagem.

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