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5 CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS PARA O FOMENTO A OUTRAS PRÁTICAS DE LEITURA

Mas eu quero falar mesmo é da poesia que se espalhou feito um vírus no cérebro dos homens e mulheres da periferia. Pois é, essa mesma poesia que há tempos era tratada como uma dama pelos intelectuais hoje vive se esfregando pelos cantos do subúrbio a procura de novas emoções. (Sérgio Vaz)

Em seu discurso para a abertura da Feira de Frankfurt, o maior encontro do mercado editorial no mundo, o escritor mineiro Luiz Rufatto inicia suas ponderações, questionando o público de mais de duas mil pessoas: "O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo “capitalismo selvagem” definitivamente não é uma metáfora?”. Em sua corajosa exposição, ele indica a escrita como um compromisso do autor com seu tempo e lugar. Mais do que isso, afirma a proclamação da alteridade como forma de atribuir sentido a existência.

Apresenta um panorama histórico do Brasil difícil de digerir até mesmo pelos próprios brasileiros. E não se intimida em proferir frases duras, como “no Brasil, o que é de todos não é de ninguém”, para afirmar o descaso dos políticos e da população com o que é público. Sinaliza as importantes mudanças sociais e econômicas pelas quais passamos nas últimas décadas, mas deflagra o muito que ainda há por se fazer, devido ao “peso do nosso legado de 500 anos de desmandos”. Entretanto, sua fala nos presenteia com esperanças, calcadas na leitura de Literatura, ao colocar sua história pessoal de origem pobre, transformada pelo contato casual com os livros. Por fim, respondendo a própria pergunta, declara o cenário nefasto de narcisismo, pobreza, individualismo, egoísmo, em que as sociedades contemporâneas se inserem e declara que a motivação de sua escrita é se “contrapor a isso”, pretendendo, portanto, “afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo".

Impactados com o posicionamento de Rufatto, apropriamo-nos da mesma questão, deslocando-a para a formação de leitores, pois nos inquieta na mesmo proporção os sentidos de se promover a leitura do texto literário num país situado na periferia do mundo. Assim, permeia esse processo de pesquisa, a busca de resposta para o

significado de se fomentar tais práticas num país pobre, entre jovens de comunidades periféricas, cujo acesso à escola e a muitos bens culturais é deficiente.

Compartilhamos da mesma utopia de Rufatto, pois confiamos no potencial da Literatura em transformar as pessoas e, sobretudo, de comprometê-los a se envolver com os problemas sociais para, através de sua intervenção, mudar o mundo. Concluímos esta tese propondo, sim, ações, mas, desde já, indicamos que nenhuma delas se constitui em estratégia surpreendente. Pelo contrário, o que aqui recomendamos, baseados na experiência dos Círculos de Leitura com jovens, são ações simples, comuns, possíveis de ser desenvolvidas sem uso de vultosos recursos financeiros, mas que demandam tempo e uma sólida formação leitora dos promotores da prática.

De início, asseguramos que o diálogo do leitor com o texto literário serve de norte para a concepção, projeção e execução desta pesquisa. Para nós, o fomento de práticas de leitura onde se lê o texto para depois discuti-lo, assegurando a fala e a escuta de todos os leitores envolvidos é o índice mais importante para a realização de ações de leitura de Literatura com jovens. Além disso, configura-se como aspecto imprescindível a participação de mediadores que sejam leitores e cuja concepção de leitura seja aberta, abarque a pluralidade de interpretações e de possibilidades leitoras e defenda que é cada leitor quem constrói sua compreensão do lido, dado ao fato do texto ser polissêmico e da linguagem ser plurívoca.

Pautamos os Círculos de Leitura na concepção de que se aprende a ler, lendo. Apropriamo-nos e ratificamos o que se tem pontuado em estudos sobre a formação de leitores. Dessa forma, defendemos a necessidade de formar leitores autônomos, a relevância do uso da diversidade de gêneros textuais, o ecletismo em relação aos textos lidos (obras, tempos, autores, tipos, gêneros etc.), o diálogo entre o clássico, o contemporâneo, o marginal, o uso de diversas linguagens para fazer relação com o texto literário, a importância de desescolarizar a prática de ler Literatura, a colocação sob outros espaços sociais da responsabilidade em formar leitores, a compreensão de que a experiência literária amplia o repertório leitor do indivíduo e o fortalece para ler mais e melhor.

Sabemos que, nas últimas décadas, houve muitas mudanças nas políticas públicas brasileiras de acesso ao livro. Os PCN de Língua Portuguesa, por exemplo, afirmam que “as bibliotecas — escolar e de classe — são fundamentais [...], devem possibilitar ao aluno o gosto por frequentar aquele espaço e, dessa forma, o gosto pela leitura” (BRASIL, 1998, p. 56). Existe também o Programa Nacional da Biblioteca na Escola, que distribui acervo de Literatura, pesquisa e referência para as escolas brasileiras, a fim de fornecer a tais locais, materiais de qualidade como importante recurso didático. Soma-se a isso o Plano Nacional do Livro e da Leitura que abrange projetos, programas e eventos, desenvolvidos pelo Estado e pela sociedade para assegurar uma ampla e sólida formação de leitores no Brasil.

Todavia, o acesso apenas ao objeto livro e somente no ambiente escolar não se traduz na existência de leitores, pois é necessário um contexto favorável e a presença de mediadores de leitura competentes. E nisso, o Estado e as instituições de ensino superior para formação de professores aparentemente têm falhado, considerando o alto índice de professores que não são leitores e o discurso, repetido por muitos alunos da Educação Básica e até mesmo do Ensino Superior, de que não gostam de ler.

No Brasil, a leitura tornou-se uma prática altamente associada à escola. E na própria escola, ainda ocorre outra segmentação nesse aspecto, pois ela é relacionada somente às aulas de Língua Portuguesa e tomada dessa forma como responsabilidade única do professor desse componente curricular. Entretanto, todos os campos do conhecimento se utilizam da leitura de texto literários ou não literários como recursos pedagógicos. Além disso, a maior parte das sociedades contemporâneas necessita de textos para estruturar suas práticas, sendo a palavra escrita e, consequentemente, a leitura, aspectos fundamentais de suas dinâmicas e relações. Assim, afligimo-nos com a escolarização da leitura literária, porque sabemos que a escola sozinha não tem condições de arcar com os trabalhos necessários para uma vasta e adequada formação de leitores.

Tal contexto afasta os leitores de uma perspectiva que compreende a leitura a partir de suas várias ligações com diversas searas da própria vida, fazendo-os crer que a leitura só tem motivações pedagógicas ou só tem utilidades didáticas. Essa situação se reflete na dificuldade dos jovens terem acesso aos livros fora do espaço escolar. Não há livrarias

nos bairros pesquisados nem bibliotecas fora da escola. Os livros, encontrados fora do espaço escolar e longe da realidade de onde esses jovens são oriundos, possuem preços caros e estão em espaços muitas vezes considerados inacessíveis por eles.

Dessa maneira, desescolarizar a leitura literária configura-se como outro aspecto basilar da realização desta pesquisa. Afirmamos, na execução dos Círculos, que ler é uma prática escolar importante, todavia deve também ser incentivada, implementada, experienciada em outros espaços sociais, utilizando outros mecanismos, além dos pedagógicos. Toda sociedade precisa se envolver com tal formação, desenvolver práticas, assumir ser essa uma ação importante para os leitores, enquanto indivíduos e enquanto parte de uma coletividade.

Acreditamos, dessa maneira, que, além do acesso ao livro, é preciso melhorar as formas de aproximação do leitor ao texto literário, como também dinamizar o ingresso desse leitor ao universo da leitura. Sugerimos que esse processo diminua a tensão entre leitor e Literatura e sustente-se no uso paulatino das estratégias de leitura. Além disso, como toda a sociedade se beneficia com a presença de leitores, nós não podemos delegar apenas à escola a responsabilidade pela formação desses. Por isso, escolhemos atuar fora do ambiente educacional sistematizado e optamos por um espaço de educação não formal, ou, mais precisamente, por um aparelho governamental, regido pelo Sistema Único de Assistência Social e, portanto, relativamente dissociado das instâncias burocráticas da Educação Brasileira.

Sabemos que, durante o período escolar, os estudantes – provavelmente pela questão da obrigatoriedade – leem mais livros, entretanto, ao sair da escola, ou diminuem a frequência de leituras ou as abandonam de suas práticas sociais. Assim, defendemos também que a assunção da sociedade pela responsabilidade em criar espaços de leitura fora da escola constitua-se como fator de retroalimentação para os leitores egressos da escola. Ou seja, a existência de espaços não escolares implicados com a formação de leitores pode levar os indivíduos que ainda frequentam a escola e aqueles que já não mais participam de suas ações a incluir o ato de ler Literatura em suas vidas.