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Considerações sobre a performance, a intervenção e o registro em machinima

Capítulo 2. Machinima: além da narrativa cinematográfica

2.1. Três características

2.1.4. Considerações sobre a performance, a intervenção e o registro em machinima

Na primeira parte deste capítulo foram abordadas algumas características que permeiam os filmes de machinima. Essas características – a performance, a intervenção e o registro – não são exclusivas de obras narrativas nem das obras experimentais. O que significa que elas perpassam a criação de todos os filmes feitos em ambientes virtuais interativos.

A proposta de se abordar outras características que estão além dos domínios da narrativa é resultado das evidências do primeiro capítulo. Essas se referem à constatação de que a narrativa clássica destacada nos primeiros filmes de machinima não representa necessariamente as várias possibilidades de criação audiovisual nos ambientes virtuais. Por causa disso, é necessário abranger as obras realizadas em outros formatos, bem como os estudos que se voltam a outras questões.

Em relação à performance é Nitsche (2011) quem desenvolve uma concepção de machinima que busca ampliar as considerações iniciais, abrangendo-o como uma mídia. A sua ênfase está em considerar que a interação em tempo real propiciada pelas engines é o seu diferencial. Para o autor, a sua constituição plena remete às demos em Quake. Isso porque o seu formato baseado em códigos e a sua execução ao vivo propiciava que os filmes permanecessem parcialmente abertos à manipulação do usuário. Desse modo, a realização de

filmes em machinima estaria vinculada ao tempo real em todos os aspectos da sua criação: na ação do realizador, na execução do filme e na interação do espectador.

Essa proposta de Nitsche contribui com a ampliação da noção de machinima, pois evidencia uma característica que geralmente tem menos impacto no formato predominante de machinima, composto pelas narrativas lineares em vídeo. Contudo, ao abranger apenas obras cuja realização, a execução e a interação do espectador ocorrem ao vivo, novamente os filmes são restritos a um formato específico. O autor também propõe uma concepção que se distancia dos jogos. Contudo, esse não parece ser um caminho tão favorável para a compreensão desses filmes, uma vez que a sua criação e o seu desenvolvimento ao longo dos anos reverberam usos e experiências específicas nesses ambientes virtuais.

Esses usos e essas experiências dizem respeito também à segunda característica aqui enfatizada para um alargamento da noção de machinima, a intervenção. Embora não seja abordada diretamente, a relação entre machinima e intervenção permeia alguns estudos sobre a gênese do machinima. Como foi visto, as modificações artísticas (Cannon, 2007) e as noções de transformative play (Salen, 2002) e de tecnologia encontrada (Lowood, 2008) abrangem os filmes como possibilitados pelo desempenho (ou performance) original do usuário nos ambientes interativos dos jogos. Ação essa que se relaciona a várias práticas realizadas por jogadores, hackers e usuários de computadores ao longo dos anos.

Apesar desses estudos que fazem menção direta aos machinimas, é Machado (2002) que contribui com as reflexões aqui instauradas. A analogia com o seu texto, o qual aproxima e distingue a mídia da arte e vice-versa, possibilita a constatação da relação entre o machinima e a intervenção. Essa se revela tanto na constituição da sua noção quanto na composição de muitas obras cuja crítica aos ambientes virtuais é parte da sua proposta. Assim, a performance do criador no ambiente virtual, em suas diversas funções, tem caráter intervencionista, uma vez que toma parte em espaços previamente existentes, muitas vezes alterando suas características e sua estrutura, além de influir em seu desenvolvimento.

Entretanto, os machinimas não são caracterizados apenas pelas performances e intervenções dos seus realizadores nos mundos virtuais. Eles são resultado do registro dessas ações, de modo a constituir vídeos predominantemente lineares e não interativos. Esse aspecto de registro em machinimas é evidenciado por Lowood (2011) em um estudo que enfatiza esses filmes como uma forma de documentação da história dos mundos virtuais. Esse autor estabelece que os métodos mais comuns de produção de machinima – código, captura e

composição – podem ser abordados analogamente às formas de documentação dessa história. Assim relacionando-se às experiências sociais e pessoais dos usuários desses ambientes.

Com isso, Lowood colabora com a ampliação da noção de machinima. Semelhante a Nitsche, o autor evidencia uma característica que perpassa esses filmes, mas que se torna secundária quando a ênfase está na constituição de narrativas em que a representação dos personagens e a história são os elementos fundamentais. Contudo, ele está interessado em um tema específico que não se relaciona diretamente a essa noção. Nesse sentido, Auslander indica algumas questões entre as obras de performance art e a sua documentação que se relacionam às ações nos ambientes virtuais e o seu registro na constituição dos machinimas. A sua proposta é de que as ações (as apresentações ao vivo da performance) e a sua documentação têm relação intrínseca na constituição da mensagem do artista. De forma similar, a mensagem do artista é composta nos machinimas apenas através de uma atuação conjunta entre as ações e os eventos que ocorrem ao vivo no ambiente virtual e o registro deles, o qual materializará os filmes.

Em suma, o que é demonstrado ao longo das exposições feitas com o auxílio desses estudos é que a performance, a intervenção e o registro compõem três características que permeiam todos os machinimas. Contudo é necessário demonstrar que os machinimas experimentais corroboram com essa abordagem teórica, uma vez que a ausência da narrativa abre o espaço para a identificação desses elementos. Assim, para ilustrar essas questões, a seguir, serão desenvolvidas análises interpretativas dos machinimas Formation (Difference and Repetition), de Baden Pailthorpe, 30 Seconds or More – One Animation a Day, de Victor Morales, e Abstract Livecoded Machinima (Missile Command), de David Griffiths. Através desses filmes, essas três características reunidas na formação da ideia de machinima serão evidenciadas.