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CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS PORTUGUESA E BRASILEIRA À LUZ DA

No documento 367 (páginas 84-88)

TEORIA DA AGÊNCIA.

As Administrações Públicas em Portugal e no Brasil têm divergido, mais do que seria desejável, das orientações extraídas dos postulados da Teoria da Agência.

Um primeiro aspecto a ser considerado é o grande quantidade de cargos a serem providos por indicação política. No Brasil, a Constituição Federal determina que os cargos sejam, em regra, providos mediante concurso público (art. 37, II), sendo admissível, no que toca às funções de chefia, direção e assessoramento, que o provimento ocorra tanto por servidores de carreira, quanto por indivíduos que não são funcionários públicos, mediante indicação política (art. 37, V). A Constituição Portuguesa é menos explícita no que diz respeito

à forma de provimento dos cargos públicos, dizendo que estes podem ser ocupados em condições de igualdade e liberdade por todos os portugueses (art. 50º, 1). A exigência de concurso é, igualmente, menos acentuada do que no caso brasileiro, ficando, em regra, sujeita à deliberação do dirigente do órgão (v.g., art. 50º, 1, da Lei nº 12-A/2008).

Embora as funções de direção, chefia e assessoramento – e aqui estamos focando o caso brasileiro – necessitem de razoável grau de discricionariedade, é certo que o abuso na criação de posições dessa natureza compromete a eficiência

administrativa. Veja-se o quadro correspondente à

Administração Pública Federal brasileira, com números do ano de 201091:

Número de servidores concursados 1.172.820

Número de servidores titulares de cargos e funções de livre nomeação e exoneração

86.066

Total 1.258.820

Percentual de servidores titulares de cargos de livre nomeação e exoneração

7,34

Embora as cifras e o percentual digam respeito à Administração Pública Federal, não há razão para duvidar de que o padrão é mantido no âmbito das Administrações Públicas Estaduais e Municipais. A constituição e extinção dos vínculos relativos aos cargos e funções de livre nomeação e exoneração ocorrem ao sabor dos resultados eleitorais. Assim, a cada mudança na chefia do Poder Executivo (ou, ao menos, cada vez que muda o grupo político que antes exercia essa função), mudam mais de oitenta e cinco mil servidores públicos, ocupantes de cargos supostamente de chefia, direção e assessoramento. Perfaz-se, portanto, o problema antes assinalado, referente à falta de continuidade na ação administrativa. Como não há necessidade de que os nomeados

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Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal nº 183 (junho 2011), Ministério do Planejamento.

sejam membros da Administração Pública, é natural que grande parte dos apontados seja estranha aos quadros do Poder Público. Não é infrequente a indicação e nomeação de indivíduos que não possuem nenhuma experiência prévia na área para a qual foram nomeados. Assim, não têm

conhecimento da história prévia do órgão, nem,

consequentemente, da postura dos seus subordinados. Em vista disso, a assimetria informacional na relação principal-agente mantém-se, propiciando comportamentos desviados.

Além da falta de continuidade, aponta-se outros pontos negativos decorrentes do elevado número de cargos e funções de livre nomeação e exoneração. O tema merece exame mais detalhado.

Em primeiro lugar, costuma-se ver uma relação negativa entre o número de cargos dessa natureza e o grau de eficiência na execução das políticas públicas: quanto mais cargos sujeitos a indicação política, menor a eficiência. O fundamento subjacente a essa suposição parece ser o fato de que o indicado sentir-se-ia obrigado a acatar orientações daquele que o indicou, sobrepondo a lealdade político-partidária à fidelidade ao comando normativo relativo à política pública. Observe-se que o autor da indicação nem sempre é (e mesmo raras vezes é) o superior imediato do agente indicado. As composições políticas que levaram à vitória eleitoral tendem a se manter na partilha de cargos governamentais. Assim, a relação principal- agente que deveria se travar no âmbito da estrutura hierárquica de determinado órgão público é comprometida pela vinculação do agente a comandos de origem externa, voltados ao atendimento dos interesses do agrupamento político que o indicou.

Como remédio a essa situação, é apontada (no Brasil e, cada vez com mais frequência em Portugal) a regra de ingresso mediante concurso público. Defende-se que o concurso é uma forma de evitar comportamentos desviantes, posto que aqueles

que ingressam no emprego público não devem a constituição do vínculo a nenhum padrinho.

A virtude atribuída ao ingresso mediante concurso público, embora represente um ganho sob certo aspecto, é exagerada, e essa conclusão deriva diretamente dos postulados da Teoria da Agência. Para que se possa verificar os incentivos à fidelidade do agente aos comandos do principal, não basta examinar apenas a forma de constituição do vínculo. É, talvez, mais importante observar como este pode ser encerrado, bem como quais os procedimentos de monitoramento empregados.

Ainda que o vínculo seja constituído por indicação política, o agente não terá forte estímulo para atender as preferências do autor da indicação se este não puder desfazer o vínculo ao seu alvedrio. Uma vez consolidado na posição, o agente se encontra numa situação de segurança, sabendo que seu desligamento apenas pode ser efetuado em hipóteses restritas. É o que ocorre tanto no caso brasileiro (art. 41 da Constituição Federal), quanto no português (arts. 32º e 33º da Lei 12-A/2008). Todavia, ao mesmo tempo em que essa garantia de estabilidade funcional permite ao agente indicado maior independência relativamente ao autor da indicação, também induz um menor alinhamento com o seu superior hierárquico. As diversas garantias contra o desligamento arbitrário acabam por tornar o servidor praticamente imune à demissão.

A solução reside na instituição de um sistema de monitoramento voltado não apenas à apuração de faltas funcionais, mas à aferição do comprometimento do agente com os comandos que orientam sua ação (controles quantitativo e qualitativo de produtividade).

Como dito, a efetividade da relação principal-agente reside: a) na redução da assimetria informacional entre ambos, e b) na criação de estímulos para que o agente alinhe sua conduta aos comandos do principal. O primeiro ponto é

solucionado através do monitoramento. O segundo (ao menos parcialmente), através da possibilidade de demissão. Nenhum deles é resolvido por força do critério de seleção adotado.

Perceba-se que estamos a examinar o viés concernente ao estímulo ao engajamento por parte do servidor, e não à sua competência. É certo que, no que diz respeito a essa, o concurso público é um método de seleção mais eficaz do que a indicação política. Apenas, não se pode sobrevalorizar esse aspecto em detrimento dos demais, pois um exército de servidores capacitados, mas não alinhados com os comandos superiores, jamais conduzirá ao nível desejável de eficiência administrativa.

No documento 367 (páginas 84-88)

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