• Nenhum resultado encontrado

novas pinturas e outras reflexões

CONSIDERAÇÕES SOBRE SAÍDA

“O sujeito da experiência não julga. Tampouco é aquele que se pergunta constantemente sobre o que poderia fazer para que o real seja outra coisa diferente do que é, para que seja definitivamente como ele gostaria que fosse. Não é um sujeito intencional, nem um sujeito jurídico, nem um sujeito crítico, e sim um sujeito atento.” (LARROSA, 2014, p. 111)

Esta caminhada está longe de terminar, ao menos, assim espero. Em uma viagem que possui o planejamento aberto, seu fim não é almejado. Sua possibilidade, por um outro lado, faz-se presente a todo o momento, como um suspiro de desistência. Mesmo desistir exige pontos de partida. Chego ao final dessa dissertação com a per- cepção de que olhei atentamente, em pé e em movi- mento, a produção. Também houve lugares de pausa e de respiro. Reflexões que me ajudaram a levantar e seguir em frente acreditando que existem ainda caminhos em que posso caminhar. Lugares em que a pintura ainda pode tocar o mundo.

Uma viagem pode ser realizada sem previsão de chegada, mas nunca acontecerá sem um começo. Essa viagem é dedicada aos começos. Esta pesquisa procurou visitar os lugares em que a pintura é o início de algo. Cada pintura pronta é sempre mais uma fonte de inspiração para a próxima do que uma finalização de algo. Observando cada ponto de partida gerado em cada pintura, consigo visualizar os processos ali vividos e perceber a possibilidade de continuar seguindo por esse caminho.

Penso a paisagem em sua infinitude. Ela não está presa em uma vista, não tem fim. Seu fim é sempre o começo de algo mais, e mais, e mais. A paisagem também não tem começo, talvez o que a inicia seja a visão. Portanto, dedico um olhar atento à paisagem, que possa propor paradas. Que consiga, dentro do todo universali- zante e radicalmente externalizado da paisagem, criar momentos breves de conscientização pessoal, de autoidentificação e comunhão. Não pretendo propor um fim à paisagem quando faço uma pintura. Não quero me apropriar dela para eternizá-la. Por isso, estou sempre encontrando novas aberturas. Há sempre mais lacunas do que lugares fechados nas paisagens que minha pintura apresenta.

Pensando o fim como finalidade, entendo que esta pesquisa pode ter poucas finalidades que não sejam a abertura para a troca. Tal como a arte, de uma forma geral, que não tem fim e não tem finalidade. Já que não acredito no fim, gostaria de pensar na saída. Acredito que, se encontrei alguma saída nesta pesquisa, seria a necessidade de manter viva em nossas mentes a problemática de que nossas formas de ocupar e pensar o espaço têm causado sobre o mundo e, efetivamente, sobre nossas vidas.

Será que ainda existem saídas para uma humanidade que quer dar um fim em tudo? Seria possível encon- trar outras formas de pensar a subsistência humana na Terra? Será que se faz necessário frear o que chamamos de desenvolvimento em prol de uma forma mais iguali- tária de ocupação da Terra? Poderemos algum dia deixar de pensar a Terra, as pessoas, as coisas como recursos e, então, nos colocarmos perante o mundo? Entender que somos nós que precisamos dele para nossa subsistência? Que precisamos uns dos outros? Será que conseguiremos entender que a massificação “coisifi- cante” do mundo só está nos tornando dependentes das coisas e dos conceitos que nós mesmos criamos?

Detalhe. Exposição Geografias Solenes, Galeria Jb Goldenberg, São Paulo, SP, 2018. Foto do artista.

126 127

Será que abrir caminhos para a sensibilidade ainda é uma saída possível, nesta era do controle midiático exacerbado? Pelo menos a isto, gostaria de responder que sim. Quando procuro sair da cidade, saindo da racionalidade automática, parece ser possível acessar um outro estado de sensibilidade.

Penso a caminhada no meu processo criativo como um instrumento que oferece a possibilidade de sentir o espaço e se relacionar efetivamente com ele. Ela é mais que um modo de se locomover, ou de chegar aos lugares, é uma maneira sensível de ser, um posiciona- mento perante as necessidades de urgências que são impostas no dia a dia das cidades contemporâneas. Uma abertura, um aprendizado, mas não para categorizar, mapear, dominar, e sim, ao ser acessado, atingido, ao estar em encontro com algo, permitir que esse algo faça parte do processo de autoconhecimento e parte efetiva do meu processo criativo. Dessa forma, quando estou a pintar paisagens, tento constantemente elaborar sobre minhas experiências vividas de maneira que a palavra e outras formas de expressão não parecem alcançar. Acredito que esse acesso sensível ao mundo me des- pertou para uma forma de pintura que tenta não repre- sentar a paisagem, mas uma pintura que apresenta a experiência da paisagem. É dessa sensibilidade que me esforço em fazer contaminar minha rotina e minha pin- tura. Essa aposta vem como uma chance de poder dar mais um respiro, um suspiro ao menos. Minutos antes do fim.

As últimas experimentações abriram várias portas de acesso à produção. Penso que revitalizar o processo de experienciar a natureza a partir do plein air me ativa para a infinitude de estímulos que esse encontro ainda pode proporcionar. A obra Ao limite da vista (2019) é um múltiplo em aberto, que irá me acompanhar enquanto ainda tiver vontade de realizar pinturas de observação direta (imagem 58). A cada nova pintura, aumenta-se

Imagem 58:

Henrique Detomi. Detehe. Ao Limite da Vista, 2019. Óleo sobre madeira, políptico (7 peças), dimensão variável. Foto do artista.

um painel, ou seja, uma paisagem entre a composição total. Ao mesmo tempo que é possível que ela seja desmembrada, exposta em vários pequenos grupos. Meu interesse é que a obra continue assumindo uma característica infinita, aberta. Uma paisagem continua na outra, e na outra, indeterminadamente, mesmo que não sejam paisagens do mesmo local, e principal- mente por isso. Ou seja, mesmo que não se encaixem exatamente, se completam visualmente. Interesso-me pela diversidade de agrupamentos que essas visitas podem trazer quando compostas entre si. Interesso-me pelo caráter de continuidade que as séries vão se configurando e me apoio nessa possibilidade para dar continuidade ao meu percurso como artista.

A pesquisa sobre a superfície da pintura é outro ponto em aberto. Acredito que estou tateando ainda as possi- bilidades até agora. Penso que a cada nova superfície que entra na série Minutos Antes do Fim (2019), por exemplo, posso trazer novas relações para o trabalho e, aos poucos, descobrir novas possibilidades dentro da paisagem e da experimentação técnica da pintura. A busca pela tridimensionalidade abre para a possibi- lidade de explorar outros materiais, ativar a produção em outras linguagens. Desde que experimentei fazer objetos na residência artística Redbull Station (2017), a vontade de dar continuidade a esta pesquisa paralela seguiu em meus projetos pessoais. Venho projetando possibilidades escultóricas com a terra. Minha dificul- dade a respeito dessa nova pesquisa está na instru- mentalização dos projetos, pois meu ateliê de pintura ainda não possui estrutura física para essas experimen- tações. Outra dificuldade é que penso nesses objetos de forma mais instalativa, o que demanda outros espaços, galerias, espaços alternativos, museus, para serem realizados. Sigo desenvolvendo as ideias a respeito das esculturas de maneira virtual, com projetos em modelagem 3D (imagens 59). Essas modelagens digitais

Imagem 59:

Henrique Detomi. Modelagem 3D, 2019, imagem digital. Foto do artista.

128 129

me ajudam a colocar em prática a possibilidade escul- tórica, sem precisar lidar com quilos de terra dentro do ateliê. Porém, acredito que apenas trabalhando diretamente com a materialidade, com as possibilidades atingidas na prática direta com a terra, que conseguirei dar sequência à produção tridimensional.

É interessante perceber como o trabalho está sempre gerando mais aberturas do que pontos-finais. Cada pintura me oferece mais uma forma de dar saída ao pensamento do que fechar algo resolutivo. Ela abre para novos caminhos sempre. É tanto uma vazão para as ideias quanto para os sentimentos. Quando encerro uma pintura, percebo mais os pontos que ficaram em aberto do que as soluções definitivas. Assim, a busca para a próxima está sempre ativada. É com esse mesmo espírito que chego ao fim desta dissertação. Que as portas que foram abertas durante esse processo possam nutrir novas saídas para a continuidade da pesquisa.

Documentos relacionados