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Após o lanche da manhã, a professora Amanda trouxe uma caixa de som e colocou várias músicas com comandos relativos aos movimentos que deveriam ser feitos ao dançá-las. Assim, ela ia convidando os bebês a observá-la para que eles imitassem seus movimentos de acordo com o que a música propunha. Até enquanto os bebês se interessavam e se sentiam desafiados, eles iam tentando imitá-la. Quando a música dizia ―bate, bate, bate

os pés, batendo sem parar...‖ a professora incentivava ―Vai Pedro, bate os pés!‖ e batia seus pés para que o bebê fizesse também. Pedro observava atento e depois tentava bater os pés. Nas tentativas ele se desequilibrava, caia no chão, sorria e se levantava para realizar novas tentativas.

Outros bebês, também, observavam e tentavam fazer como a professora. Mas, em pouco tempo, o cenário mudou, pois outros gestos e movimentos foram surgindo, como nos revela Daiana ao ficar na posição de cambalhota, despertando a curiosidade e o desejo de David de imitá-la.

O bebê se aproximou da amiga, a observou, tentou imitá-la e conseguiu. Daiana ao perceber que David a imitou, se aproximou dele, apontou para o amigo e olhou na direção da professora. Provavelmente, estava tentando comunicar que David conseguira imitá-la, assim como outros bebês estavam fazendo ao imitar os gestos da professora. No entanto, ela não percebeu a chamada de Daiana que continuou a observar o amigo e depois se distraiu com a alerta da professora para o fato de a música ter terminado.

Fotografia 15 – Composição de cenas do Episódio 1: Pedro tenta imitar a professora

cambalhota

Fonte: banco de dados da pesquisa (Novembro, 2016).

A professora não percebeu o que Daiana queria comunicar, talvez porque estava chamando a atenção dos outros bebês para o término da música: ―Ahhh! Acabou a música! E agora? Vou colocar de novo!‖. Os bebês direcionaram sua atenção para a professora, esperando que ela reiniciasse a canção. Ao mesmo tempo em que ela colocou a música para tocar novamente, percebeu que Daiana estava tentando tirar sua fralda e recomendou à bebê: ―Daiana, não tire a sua fralda!‖. Sua fala despertou a atenção dos outros bebês. Assim, imediatamente, Miguel imitou a amiga e tirou seu short. Já Pedro olhou para a professora e apontou para Daiana, mostrando o que a amiga estava fazendo. Laura que estava segurando um livro soltou-o e se posicionou de frente a Daiana para imitá-la.

A professora recomendou à Laura que não tirasse a fralda, mas como viu que Miguel, que estava ao seu lado, já tinha se despido, ela se abaixou e foi vestir o short dele, fazendo a mesma recomendação que havia feito para as outras duas bebês. Laura e Daiana continuaram a tentativa de retirar o short e a fralda. Enquanto a professora vestia Miguel, Daiana foi mais rápida que Laura e conseguiu tirar tudo. Laura só havia conseguido tirar o short. A professora rapidamente, ao perceber a menina despida, sentou com ela no colo e

começou a vesti-la, enquanto Laura continuava na tentativa de retirar sua fralda, objetivo esse que alcançou com sucesso.

Esta situação podemos visualizar na composição de cenas52 a seguir:

52 Ressaltamos que nomeamos nas cenas apenas os bebês que protagonizaram o episódio a fim de que o(a)

leitor(a) possa ter uma melhor compreensão das ações de cada bebê no decorrer do enredo.

Fotografia 17 – Composição de cenas do Episódio 1: Daiana, Laura e Miguel tiram a fralda

Fotografia 18 – Composição de cenas do Episódio 1: Daniel tira o short e vai mostrar a professora

Para os bebês, estava bastante interessante imitar os amigos retirando o short e a fralda. Eles pareciam se sentir desafiados com os gestos que precisavam fazer para conseguir. Os bebês que não estavam tirando a roupa, brincavam com os shorts e as fraldas espalhadas pelo chão da sala. Entretanto, para a professora Amanda, as ações dos bebês pareciam causar-lhe desconforto. Quanto mais ela tentava vestir um dos bebês, outro retirava o short e a fralda. A todo momento ela dizia, em tom preocupado: ―Gente, não é para tirar a fralda! Tem que ficar vestido!‖.

Quando a professora Júlia retornou à sala, após ter saído para ir ao banheiro, percebeu o que estava acontecendo e perguntou para Miguel que já havia tirado a roupa novamente: ―Tu tirou a roupa? Por que você tirou a roupa? Por quê?‖. A professora Amanda se levantou com Daiana nos braços e levou a menina para o trocador, dizendo para Júlia: ―Vou vestir ela lá dentro.‖.

Júlia ficou sozinha com os bebês, pegou na mão de Miguel e foi em busca de uma fralda. Após pegar a fralda, foi se sentar no chão para vestir o menino. Laura se aproximou dos dois e ficou observando. Enquanto isso, do outro lado da sala, Daniel tirava seu short. Assim que conseguiu tirar, o bebê foi em direção à professora Júlia e a Miguel e balbuciou ―Iaiaaaaaia!‖, mostrando-lhes que também havia tirado o short.

A professora Júlia, ao ouvir Daniel falou, dando risadas: ―Foi, ele tirou a fralda! E tu também tirou, né?!‖. A professora ria e passava a mão na barriga de Laura, que também estava despida, de Daniel e de Miguel, dando risadas e dizendo: ―Tu tirou! Tu tirou também!‖. Miguel observava e sorria. De repente, Laura fez um gesto demonstrando que iria vestir o short e a professora disse: ―Vai vestir? Veste!‖. Laura até tentou, mas não conseguiu e acabou entregando o short para a professora vesti-la. Júlia, ao receber o short falou: ―Vem! Deixa a titia te ajudar.‖. Miguel ao ver a professora vestindo Laura, saiu em busca de

Fotografia 19 – Composição de cenas do Episódio 1: Laura tenta vestir o short

um short para que ela o vestisse também. Ao achar o short, entregou para Júlia que disse: ―Tu também? Vamos!‖.

Enquanto ela vestia Miguel, Laura havia tirado seu short novamente. A professora Júlia pegou a bebê nos braços, vestiu seu short e a levou para o trocador. Em seguida, a professora Amanda, que acabava de sair do trocador com Daiana, convidou o restante dos bebês a irem ao pátio, mudando o foco da atenção deles.

O episódio supracitado nos revela indícios da participação social dos bebês por meio da imitação, de diversos jeitos, bem criativos, nas práticas cotidianas que vivenciavam na creche. Isso pode ser percebido, desde o início do episódio, quando a professora Amanda propõe que os bebês imitem seus gestos, que eram realizados de acordo com o solicitado pela letra da música, e Pedro atende às suas expectativas.

Por conseguinte, na sucessão do episódio, os bebês demonstraram que compreenderam a proposta da professora e, muito perspicazmente, vão acrescentando outros gestos que atraíram os amigos e foram imitados por eles, como é o caso das cenas onde Daiana fica na posição de cambalhota e David a imita. Essas ações dos bebês nos autoriza a reafirmar que a imitação não é apenas uma cópia de um modelo, sem significado algum, como bem defende Vygotsky (1998; 2014), e que a característica combinatória e criadora do cérebro humano permitiu aos bebês reelaborarem e ressignificarem a proposta da professora criando e inserindo novos gestos.

Essas ideias corroboram os achados dos estudos de Ramos (2010), dado que a pesquisadora constatou nas análises de 41 cenas de interações estabelecidas por crianças pertencentes a turmas de berçário de creches que:

[...] a repetição das ações do outro não é réplica passiva, na medida em que envolve observação atenta e escolha ativa por parte do imitador. Pressupõe a construção de significados, porque exige posicionar-se diante do outro, avaliando a pertinência daquelas ações, possivelmente balizadas a partir de experiências prévias, mas elaboradas na própria ação de imitar, distanciando-se, portanto, da reprodução mecânica. (RAMOS, 2010, p. 71).

Portanto, a imitação pode ser considerada uma reconstrução individual do que é observado nos outros e pode trazer novos elementos. Por isso os bebês podem utilizá-la como forma de experimentarem e explorarem ações e posturas dos parceiros, de mesma idade, mais experientes e/ou dos adultos, com os quais se relaciona em seu cotidiano.

No caso deste episódio, além da imitação ser um recurso de compartilhamento e exploração de experiências, também pode ser considerada como um recurso que possibilitou a participação social dos bebês, de jeito criativo e diferenciado, na proposta encetada pela professora. É necessário pontuar que Amanda não percebeu a comunicação de Daiana, mostrando que David conseguira imitá-la.

Talvez, quando Daiana tentou tirar sua fralda, estivesse buscando a atenção da professora; não há como interpretarmos ao certo, porém o fato é que a menina conseguiu sua atenção. Amanda, ao repreender o gesto da bebê, despertou a atenção dos outros bebês e alguns logo se interessaram em imitá-la, portanto continuando a proposta de atividade da professora, porém acrescentado a ela elementos a partir de seus interesses.

É nesse sentido que Mauss (1974b apud GUIMARÃES, 2008, p. 197) declara que “[...] na imitação o ato impõe-se de fora, no sentido de que as crianças escolhem imitar aquilo que tem prestígio, valor social e interesse para elas.”. Logo, a imitação por parte de Laura, Miguel e Daniel aconteceu porque a ação de tirar o short e a fralda, realizada por Daiana, mobilizou a atenção, interessou, desafiando-os.

A atitude das professoras Amanda e Júlia, ao saírem respectivamente com Daiana e Laura, demonstra que não compreenderam as formas de participação social dos bebês naquele momento, pois agiram a partir de uma expectativa diferente da dos bebês. Uma lógica adultocêntrica, em que os adultos direcionam e determinam as ações das crianças para atingirem os objetivos que consideram fundamentais para as aprendizagens delas.

A preocupação de ambas, mesmo que de modos distintos, era que os bebês permanecessem vestidos. Enquanto os bebês estavam envolvidos com o desafio de descolar os adesivos da fralda para conseguir abri-la e retirá-la, tirar o short, vestir o short, na tentativa de comunicar o que haviam ou não conseguido fazer para alcançarem seus objetivos.

Nesse ensejo, as duas professoras perderam a possibilidade tanto de visibilizar e considerar a forma como os bebês encontraram para participar da atividade que propuseram; como ampliar suas aprendizagens naquele momento, na medida em que a imitação possibilita aprendizagens que geram desenvolvimento. Isso porque, ao imitar uma diversidade de ações, as crianças podem ser capazes de ir além dos limites de suas possibilidades (VYGOTSKY, 1998).

Ao invés de realizarem a ação de vestir o short dos bebês, poderiam ter solicitado que eles próprios tentassem vestir, já que alguns demonstraram interesse para isso. Assim, os bebês se sentiriam mais desafiados e poderiam aprender a: observar e compartilhar as estratégias que os outros amigos estariam utilizando para se vestir; utilizar outras estratégias de comunicação entre si; valorizar as ações dos outros bebês, na medida em que sentissem as próprias ações valorizadas. O episódio ilustra como novas aprendizagens são passíveis de acontecer no mundo das iniciativas infantis onde reinam o inesperado, a surpresa e a inovação.

Além das imitações caracterizadas pela apropriação das ações que aconteciam nas relações entre os bebês, notamos que eles procuravam participar das práticas cotidianas imitando as ações dos adultos. O Episódio 2 nos ilustra esse dado.

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