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CONSOLIDAÇÃO DAS EVIDÊNCIAS

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Ao longo da análise dos dados este trabalho, percebeu-se a presença de algumas características que merecem ser destacadas, pois, consolidadas, elas permitem melhor compreensão da prática da “maratona” entre os(as) estudantes universitários(as) brasileiros. Elas serão explicadas a seguir.

Conforme definido anteriormente na etapa de procedimentos e critérios de amostragem, todas as publicações estudadas apresentaram, no mínimo, dois pontos em comum: o estímulo à “maratona” e a naturalização dos seus possíveis riscos por meio de linguagem descontraída. De acordo com Recuero e Soares (2013), o humor pode ser visto como instrumento de legitimação da violência simbólica. Percebeu-se também que o incentivo ao binge-watching foi feito de maneiras distintas, das mais simples (frases curtas) às mais sofisticadas (uso de imagens e vídeo).

Além disso, é válido ressaltar que a Netflix se utilizou de recursos capazes de explorar vieses cognitivos nos seus discursos. Mais especificamente, os de efeitos de enquadramento (Kahneman, 2012) e preferências enviesadas no presente (O’Donoghue; Rabin, 1999). Assim, a marca mostrou-se capaz de influenciar nas tomadas de decisões de seus consumidores, favorecendo a imersão deles no universo da “maratona”.

Em sua interface, as postagens receberam recepções majoritariamente positivas por parte do público, materializadas na forma de curtidas, reações, compartilhamentos e comentários. Contudo, é importante ressaltar que, mesmo em quantidade muito menor, todos os discursos também despertaram manifestações de resistência e discordância. Prova disso é a presença das reações “uau”, “grr” e “triste” nas cinco publicações. Tal fato converge com as abordagens dos Estudos Culturais e dos de recepção, que, como visto no primeiro capítulo, defendem a capacidade do público em desenvolver interpretações múltiplas e contrárias ao discurso do emissor.

Quanto ao conteúdo dos comentários, a maioria deles confirmou o que foi constatado na interface dos posts: aceitação perante o discurso emitido. Porém, dentro desta concordância do público, foi possível identificar características diferentes entre os depoimentos. Logo abaixo encontra-se uma seleção dos principais relatos que evidenciam tais particularidades encontradas, chamadas aqui de “codificação”.

Tabela 7 - Seleção de comentários relevantes e suas codificações

Publicação Nível da ADMC aplicado ao comentário

Discurso do(a) estudante (trechos)

Codificação Observações

01 Sentido Nathalia: “Tinha que ter Estudar tbm. Se os estudos estão em dia as séries estão atrasadas, e vice-versa!” Conflito de interesse A estudante incluiu os estudos na relação escolha/renúncia estabelecida pela Netflix

01 Sentido Renan: “Tenho que

escolher entre dormir e ter vida [...] não dá para deixar as séries de lado.”

Envolvimento com a marca

O universitário deixou claro que não abdica da Netflix, limitando a relação escolha/renúncia às horas de sono e às atividades sociais

01 Sentido Aline: “Que bom a Netflix sabe que ta(sic) roubando nossa vida.”

Crítica ao discurso da publicação A estudante demonstrou certa resistência ao discurso do emissor 02 Sentido Guilherme: “Já desmarquei um encontro e um churrasco pra terminar uma temporada de House of Cards.” Identificação com o discurso da marca O estudante concordou com a mensagem e aproveitou para relatar sua experiência com a Netflix

02 Sentido Patrícia: “Já deixei de ir às aulas, quase fui reprovada por falta. Só a Netflix mesmo [...]” Conflito de interesses A estudante deixou de cumprir seus deveres acadêmicos por causa da Netflix 02 Sentido Tássia: [...] Descobri que

a melhor coisa do mundo é um final de semana cheio de guloseimas e Netflix! [...] Planejamento e/ou hábitos de consumo atrelados à “maratona” Em seu comentário, a estudante demonstrou que a “maratona” pode envolver certo planejamento e/ou consumo de alimentos 03 Sentido Ana: “O bom de fazer

faculdade de Rádio e Televisão é que vou poder usar a Netflix como tema de TCC! [...]” Identificação com o discurso da marca A estudante concordou com a mensagem e aproveitou para relatar sua experiência com a Netflix

03 Sentido Bruna: “[...] eu e meu noivo fizemos nosso TCC sobre Bates Motel. Só pipoca e cada dia mais episódios [...]” Planejamento e/ou hábitos de consumo atrelados à “maratona” Em seu comentário, a estudante demonstrou que a “maratona” pode envolver certo planejamento e/ou consumo de alimentos 03 Sentido Amilton: “Pode parecer

piada, mas assisti um documentário do Netflix [...] que me pressionou muito e me deu base (uma luz) pra montar um trabalho científico [...]” Benefício proporcionado pela marca A partir de uma produção disponível no serviço, o estudante foi capaz de melhorar seu currículo acadêmico 04 Sentido Marllon: “Aí acabo vendo

uns quatro...deixando aquele tcc pra depois.”

Conflito de interesses O estudante deixou de cumprir seus deveres acadêmicos por causa da Netflix 04 Sentido Pamela: “[...] as vezes eu

rezo pra alguém me tirar a senha da netflix, gente nao(sic) durmo não estudo não saio[...]”

Conflito de interesses

Por meio do humor, a estudante revelou estar com as atividades sociais e acadêmicas

04 Sentido Damon: “[...] No meio das séries bate uma fome, pipoca e refri vai (sic)

bem, estando acompanhado ou sozinho... ♪” Planejamento e/ou hábitos de consumo atrelados à “maratona” Em seu comentário, o estudante demonstrou que a “maratona” pode envolver certo planejamento e/ou consumo de alimentos 05 Sentido Kássio: “Vida social não

completa catálogo de filmes e séries”

Identificação com o discurso da marca

Por meio do humor, o estudante concordou com a mensagem e aproveitou para relatar sua experiência com a Netflix

05 Sentido Fernando: “Não sabe

como se escreve? Eu nem sei o que é esse lance!”

Identificação com o discurso da marca

Por meio do humor, o estudante concordou com a mensagem

veiculada

05 Sentido Fernanda: “Só quem

assiste 17 episódios em um dia sabe bem o que é isto!”

Identificação com o discurso da marca

Por meio do humor, a estudante concordou com a mensagem e aproveitou para relatar sua experiência com a Netflix

Assim, a tabela acima sintetizou as principais características encontradas nos relatos dos(as) estudantes ao longo das cinco publicações analisadas. Nela, decidiu- se usar apenas o nível “sentido” da ADMC sobre os comentários, visto que o foco foi identificar as particularidades subtendidas e então codifica-las.

Partindo da perspectiva dos trabalhos de apropriação de Hall (1990, 2003) e Costa (2012), pode-se afirmar que as interpretações desenvolvidas pelos consumidores foram de classificação “dominante” (concordância completa com o discurso) e “negociada” (adaptação da mensagem em relação aos valores, crenças e cultura do indivíduo).

Embora se tenha constatado a presença de opiniões críticas sobre os discursos da Netflix, não foi detectada a existência de comentários totalmente contrários aos discursos emitidos pela empresa no Facebook.

Sobre a caracterização do que compõe a “maratona”, notou-se que ela não é necessariamente uma atividade solitária, visto que muitos estudantes relataram

praticá-la na companhia de alguém. Por outro lado, foi constatado evidências de que vários consumidores a realizam sozinhos.

Além disso, uma quantidade razoável dos universitários(as) deu a entender que suas seções de “maratona” envolvem o consumo de alimentos de baixo valor nutritivo. Elas também parecem ser planejadas previamente e há indícios sobre um aumento de frequência durante o período de férias.

Embora não tenha sido relatado explicitamente, percebeu-se que muitos(as) estudantes demonstraram estar bastante envolvidos(as) com os produtos da Netflix. Vários deles(as) utilizaram emojis de conotação positiva (rosto feliz, coração, etc.). para demonstrar seu afeto com a empresa e as “maratonas”. Em menor quantidade, outros se referiram à empresa como se fosse uma pessoa, inclusive utilizando termos como “nosso relacionamento”. Assim, é possível afirmar que parte dos assinantes considera a Netflix como item essencial do cotidiano deles, onde o envolvimento é consolidado na “maratona”

Em relação ao desempenho acadêmico dos(as) estudantes, encontrou-se evidências claras de que a “maratona” tende a comprometê-lo. Vários discentes afirmaram estarem atrasados(as) com as atividades da faculdade e terem faltado aulas para assistir episódios. Em casos extremos, também houve os que correram risco de reprovar disciplinas. Outros preferiram usar a Netflix como objeto de estudo em seus trabalhos e, por consequência, praticaram a “maratona” sob o argumento de estarem desenvolvendo a pesquisa.

No quesito das atividades sociais, os resultados apontam indícios expressivos de que o binge-watching interfere na socialização dos(as) universitários(as). Muitos deles reconheceram estar saindo menos de casa, enquanto outros não se importaram com a própria situação, alegando que não precisam de “vida social” porque são assinantes da Netflix. Embora tenha sido constatado que a “maratona” pode ser praticada em grupo ou duplas, enxergá-la como uma legítima atividade social não parece apropriado, dadas suas características mais evidentes..

Essa seção dedicou-se em reunir os principais resultados e evidências das

possíveis consequências da relação universitários(as) – binge-watching. As

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