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3.3 – Consolidação do regime de Vargas

No documento Rosa cidadão (páginas 30-33)

A Revolução de 1930, comandada por Getúlio com o apoio do Exército, visou acabar com a República Velha, mas uniu nesse objetivo forças muito díspares e representantes

políticos de muitas tendências, desde integralistas a comunistas, passando por anarquistas, socialistas moderados, católicos, liberais e conservadores, sem esquecer os militares tenentistas, também muito heterogéneos do ponto de vista ideológico. O que unia todas estas tendências era a vontade de acabar com o domínio das oligarquias paulista e mineira, através da construção de um estado federal mais forte. Depois da derrota paulista em 1932, assegurada pelo exército comandado pelo general Góis Monteiro, com o apoio da aviação comandada pelo então major-piloto Eduardo Gomes, Getúlio passou os cinco anos seguintes a manobrar habilmente entre as várias tendências políticas que o ajudaram na tomada do poder. Em 3 de maio de 1933 realizaram-se as eleições para a Assembleia Constituinte, nos termos do código eleitoral promulgado no ano anterior. Pela primeira vez votava-se por voto secreto segundo as mesmas regras em todo o Brasil. Além disso, as mulheres passaram a ter direito a voto e o limite de idade para os eleitores passou de 21 para 18 anos. Os analfabetos continuaram a estar excluídos do direito a votar e, por pressão dos tenentes, foi introduzida a representação classista, inspirada no corporativismo fascista italiano. Assim, as associações patronais e sindicais elegeram 40 constituintes, que eram maioritariamente apoiantes de Getúlio e serviam de contrapeso às bancadas dos estados mais poderosos, São Paulo e Minas Gerais. A Constituição de 1934 foi redigida por uma câmara muito heterogénea, o que resultou numa reaproximação à Constituição de 1891. Mantinha-se assim o regime federativo, mas havia um reforço do poder central, nomeadamente em matéria económica, para combater a excessiva autonomia financeira dos estados. Por pressão dos tenentes, foram introduzidas importantes medidas centralizadoras, como a nacionalização das águas e das riquezas do subsolo e a já citada representação corporativa.

Foi nesta altura, quando trabalhava no Serviço de Proteção do Índio e era capitão-médico do Serviço de Saúde da Força Pública de Minas Gerais, que João Guimarães Rosa, por sugestão dum amigo e devido ao seu notável conhecimento de línguas estrangeiras, resolveu candidatar-se ao concurso de acesso à carreira diplomática. Foi então para o Rio de Janeiro para participar no concurso, no qual obteve o segundo lugar. Uns tempos depois, em carta datada de 20 de março de 1934, confidenciou a um colega seu, o Dr. Pedro Moreira Barbosa, a sua falta de vocação para o exercício da Medicina: Não nasci

para isso, penso. Não é esta, digo como dizia Don Juan, sempre 'après avoir couché avec...’ Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material - só posso agir satisfeito

no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez - nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol.”

(in http://www.fgr.org.br/admin/artigos/200896157707838991348961473Joao_um_encantado.pdf)

Em 1936, a sua coletânea de poemas Magma recebeu o prémio de poesia da Academia Brasileira de Letras. Um ano depois, sob o pseudônimo de "Viator", concorreu ao prémio Humberto de Campos, com o volume intitulado Contos, que será revisto pelo autor dez anos mais tarde, transformando-se em Sagarana, primeira livro publicado de que falaremos mais à frente. Em 1938 foi nomeado cônsul adjunto em Hamburgo, o seu primeiro posto como representante do Brasil no estrangeiro.

A Constituição não chegou a vigorar um ano e meio, tendo sido suspensa em 1935, na sequência dum golpe armado liderado pelos comunistas: em fevereiro de 1935, por iniciativa do Partido Comunista, tinha sido fundada a Aliança Nacional Libertadora (ANL), uma organização frentista característica da recente viragem que tinha havido nesse ano na Internacional Comunista, quando Georgi Dimitrov se tornou secretário- geral, opondo-se à política sectária que tinha vigorado de 1926 a 1934. Os chamados

levantes, insurreições militares em nome da ANL, ocorreram primeiramente nos dias 23

e 24 de novembro nos estados de Natal e Recife, seguidamente na noite de 26 para 27 no Rio de Janeiro. Tanto no Nordeste como na capital federal, o exército leal ao governo conseguiu dominar estas insurreições e nos anos seguintes Getúlio passou a governar praticamente sempre em Estado de Sítio ou Estado de Guerra, implementando uma série de medidas de exceção, nomeadamente a criação do Tribunal de Segurança Nacional para “crimes políticos”. Na perseguição e repressão aos comunistas destacaram-se os militantes da Ação Integralista Brasileira, organização de inspiração fascista fundada em 1932 e dirigida por Plínio Salgado. Foi também essa organização que desempenhou um papel essencial na orquestração do golpe de 1937 que pôs fim ao regime constitucional vigente desde 1934 e iniciou o período ditatorial de Getúlio Vargas, denominado Estado Novo. O pretexto para o golpe foi um documento (documento Cohen) escrito pelo capitão integralista Olympio Mourão Filho, que pertencia aos Serviços Secretos. Esse documento descrevia um plano comunista que comportava assassinatos em massa e a destituição do governo. Os integralistas sempre afirmaram que se tratava dum documento de trabalho

destinado a “simular” um golpe comunista e que teria sido o ministro da Guerra, general Góis Monteiro, a aproveitar-se dele como se se tratasse dum documento autêntico. Contudo, há muitas fontes que optam por considerar que o golpe foi mesmo orquestrado pelos integralistas, tanto mais que o capitão Mourão Filho era um integralista radical e defendia publicamente a necessidade dum golpe para combater “o comunismo”. Note-se que foi o mesmo Mourão Filho quem deu uns anos mais tarde o tiro de partida em Minas Gerais para o golpe de 1964 que instaurou a Ditadura Militar.

No documento Rosa cidadão (páginas 30-33)