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CAPÍTULO 2 – Um olhar sobre a história de uma certa educação popular

2.3. Consolidação ou refundação?

Desde o fim dos anos 60 e passando pelos 70, houve na América Latina um grande aumento de experiências relacionadas à educação popular (JARA, 1984). Esses espaços construídos – muitas vezes clandestinamente e aproveitando as redes de articulação subterrâneas – foram fundamentais para elaboração e depois difusão, diálogo e o debate de distintas práticas, teorias e metodologias que estavam sendo elaboradas separadamente, em pequena escala em diferentes realidades pelo continente. No ocaso da década de 1970,

É importante relembrar os cenários de então na América Latina. Entre países sob ditaduras, países saindo de ditaduras e países às voltas com nossas frágeis e sempre imperfeitas democracias, vivemos durante esses anos um tempo de criação e diálogo ao redor da educação popular e todas as outras modalidades de pensamento insurgente e ação emancipatória (BRANDÃO, 2018b, p. 127).

Seguindo a ruptura epistemológica latino-americana produzida a partir da Revolução Cubana, esse momento de efervescência política no interior dos movimentos de educação popular irá gerar não só novas práticas, mas também produções teóricas desde nosso continente. Como recorda Brandão, em entrevista:

[...] onde ela [a educação popular] gerou movimentos e experiências foi realmente aqui na América Latina. Foi aqui. E com uma outra característica que é muito importante também para você trabalhar do ponto de visto identitário, até com relação a coisas de memória. Eu defendo muito essa tese e ela é muito esquecida. Tem em mais de um artigo meu. Em que eu lembro que, justamente nos anos 60, com os MCPs e logo depois com educação popular – logo no ano 70 com a IAP, aí vai entrar Fals Borda e tudo isso – é a primeira vez que a América Latina gera teorias, propostas e projetos de ação próprios. E inclusive, exporta pro mundo. É a primeira vez, nunca tinha acontecido. Então, eu até digo que é um momento [...] [que], tirando fora o Antonio Gramsci, a gente mal cita europeus, norte-americanos menos ainda. E nós nos alimentamos entre nós. [...] Nossa mãe, era um tempo de uma riqueza enorme com relação à educação popular. [...] É um momento muito fértil, muito interessante. Uma espécie de descoberta cultural da América Latina por uma primeira vez (BRANDÃO, Entrevista, 2019).

A educação popular – juntamente com a Investigação Ação Participante de Orlando Fals Borda, com sua crítica ao colonialismo intelectual (ESCOBAR, 2007), e a Teologia da

Libertação, com sua visão latino-americana e politizada do cristianismo – vai se consolidando enquanto uma referência importante com um duplo caráter indissociável: cultural e político. Podemos ligar o depoimento anterior, com um trecho escrito também por Brandão (2017, pp. 390 – 391) sobre essa não ser apenas uma autodescoberta interna ao continente, mas também como referência em um cenário mais abrangente:

Devo lembrar também que entre os anos sessenta e setenta, o Brasil e, depois, a América Latina, geraram e difundiram “desde el Sur y desde abajo”, como costumam dizer argentinos e colombianos, alguns repertórios de teorias e fundamentos de ação social e práticas insurgentes e populares que provavelmente por uma primeira vez nos fizeram ser lidos e ouvidos com crescente atenção e intensidade no “Norte e no Primeiro Mundo”. Não foram poucos os educadores e cientistas sociais que vieram até nós, para aprender conosco o sentido de estranhas e ameaçadoras palavras, segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA), o MEC/USAID e o Vaticano. Palavras e propostas enunciadas como: “Cultura Popular”, “Educação Popular”, “Teologia da Libertação”, “Ligas Camponesas”, “Comunidades Eclesiais de Base” e, mais adiante, “Pesquisa-Ação-Participante”.

Então, mesmo sendo aqui – e a partir daqui – onde ela gerou efetivamente movimentos e experiências, esse repertório ligado à educação popular não teve forte ressonância apenas na América Latina. Depois houve reverberação tanto no Norte político, quanto também em outras regiões do planeta marcadas por se situarem no Sul do mundo161. É notório, por exemplo, a influência mútua entre essas teorias e fundamentos de ação social, especialmente as com base freiriana, em processos de libertação nacional e em períodos pós-coloniais de países como Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e, especialmente, Guiné-Bissau (FREIRE, 1978; GADOTTI, 1991). Para essa difusão em outras regiões do planeta, mais uma vez foram importantes as redes internas de organismos como igrejas, partidos e organizações de cooperação internacionais, além da própria atuação de educadoras e educadores desde o exílio162.

A educação popular, então, também se constitui com mais força enquanto um campo de produção teórica e intelectual, atrelada às práticas. Será uma referência capaz de construir um campo de debates riquíssimos, de modo agora independente dos grandes eixos acadêmicos dos países “do primeiro mundo”. Isso em um período de aprofundamento do imperialismo e da

161 Boaventura de Souza Santos (2009) aponta o Sul como metáfora do sofrimento humano sistematicamente

causado pelo colonialismo e pelo capitalismo.

162 Por exemplo, a presença de Paulo Freire em países africanos que sofreram com a colonização portuguesa

aconteceu com articulação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e do Instituto de Ação Cultural (IDAC), fundado em 1971 por um grupo de exilados brasileiros (FREIRE, 1978; GADOTTI, 1991).

subserviência da grande maioria dos Estados ao sul do Rio Bravo às metrópoles do capital, que atingiu todo tecido social, inclusive o vasto campo da cultura.

Entretanto, essas formulações não se deram de uma maneira simples, visto que a grande quantidade de práticas não necessariamente estava acompanhada de uma teorização consolidada acerca de si mesmas. Sobre isso, Mario Garcés pontua em entrevista que

En este contexto en ECO creamos un programa, que llamamos de Formación de Educadores Populares. Y que básicamente fue un ejercicio de sistematización de lo que, en ente momento, se estaba desarrollando como prácticas de Educación Popular. El diagnostico que nosotros hacíamos en este momento era que muchas practicas se denominaban a sí mismos de Educación Popular, siendo muy diversas y muy heterogenias, y que carecían, nosotros decíamos, de un segundo piso teórico y político. Que había que producir los intercambios que permitieran ir concordando y clarificando sobre como la Educación Popular representaba una novedad en el contexto del enfoque educativo y al mismo tiempo con respecto a sus contribuciones políticas. Y ECO fue parte de esto processo (GARCÉS, Entrevista, 2019).

Foi comum certo conformismo dos grupos com suas definições implícitas do trabalho que realizavam, gerando um forte empirismo nas práticas de educação popular. Segundo Oscar Jara (1984), essa situação se relaciona com diversos motivos, que tocam a falta de tempo, a impossibilidade em dialogar com outras experiências, a dificuldade em acessar documentos sobre o tema, a falta de elementos de análise para realizá-las de forma crítica etc. Já para Rosa Maria Torres (1988), entretanto, não eram apenas motivos pragmáticos ou externos que geravam essa falta de trabalho conceitual e/ou metodológico. Era também por falta de crítica ao trabalho de educador e ao funcionamento e dinâmica das próprias organizações. Esse conformismo era um efeito também de estruturas e comportamentos antidemocráticos que contraditoriamente acabam prevalecendo dentro das organizações de educação popular, que não proporcionavam espaço para a crítica, reflexão e, consequentemente, sistematização. Tal problema se tornava um impasse muito grande para ação e a articulação desses grupos.

Nesse sentido e principalmente por conta das lutas sociais e do reaparecimento de movimentos populares entre meados dos anos 70 e dos 80 em várias regiões do continente, houve uma grande proliferação de instituições e centros163 de pesquisa, assessoria e/em

163 Alguns poucos exemplos desses grupos e centros: o Centro de Investigación y Educación Popular (CINEP), da

Colômbia; Centro de Investigación y Desarrollo de la Educación (CIDE), do Chile; Comisión Evangélica Latinoamericana de Educación Cristiana (CELADEC) que desde 1974 realizava atividades ligadas à educação popular em Lima, Peru; Centro de Educación Popular (CEDEP), do Equador; Centro de Estudios y Acción Social (CEASPA), do Panamá; Centro Dominicano de Estudios de la Educación (CEDEE), da República Dominicana; a Red Alforja, atuando na América Central após o início da experiência sandinista; o Instituto Mexicano para el Desarrollo Comunitario (IMDEC); e já no Brasil, temos a Rede Mulher de Educação (RME), o Centro de Educação

educação popular – partindo de distintas tendências políticas e fontes de financiamento164 – que surgem na necessidade de contribuir na retomada das lutas, ainda fragmentadas que atuavam, quase sempre, paralelamente ao Estado. Estes centros se converteram especialmente em espaços políticos e intelectuais de construção de relação entre organizações populares e agentes educadores, além de trabalharem na produção e divulgação de conhecimentos oriundos das práticas, tecidas no interior dos movimentos ou a partir mais especificamente de suas lideranças (LOPES, 2013; BRUNO-JOFRÉ, 2016). Também não se pode esquecer de seu papel fundamental no acolhimento e proteção de militantes perseguidos pelas ditaduras ainda em vigor165.

Esses centros começaram a ser instrumentos para a realização de reuniões e encontros nacionais e internacionais. Sobre esse ponto, Carlos Rodrigues Brandão (2018b, p. 127, grifos do autor) destaca que no período

Nunca vivemos tantos encontros, tantas trocas de experiências e de intercâmbios de ideias.

E é então quando vivemos da Argentina ao México duas décadas em que, a partir das sementes lançadas por Paulo Freire e os precursores de cultura e educação popular dos anos sessenta, todo um imaginário de pensamento e ação de vocação emancipadora e popular foi re-fertilizado, re-trabalhado e re-inventado. Se lembramos sempre a “refundação da educação popular”, com felicidade ocorrida anos mais tarde, seria essencial pensarmos uma breve era anterior de “recriação da educação popular”. Lembro agora não tanto o que produzimos, escrevemos e experimentamos, mas a vivência de um fecundo diálogo sem fronteiras.

[...]

Popular do Instituto Sedes Sapientiæ (CEPIS), o Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp), o Serviço de Educação Popular (Sedup), entre muitos outros (LOPES, 2013; BRUNO-JOFRÉ, 2016). Dentre esses, o de maior destaque em termos de amplitude territorial a partir da articulação em rede é o Conselho de Educação de Adultos da América Latina (CEAAL), que foi germinando durante o final dos anos 70 e criado oficialmente em 1982. O CEAAL é “[…] el principal espacio de debate y construcción discursiva de la EP, a través de la Revista La Piragua, sus redes temáticas y sus encuentros regionales” (CARRILLO, 2010, p. 14).

164 Sobre o financiamento do CEPIS, que foi criado no ano de 1977: “As entidades brasileiras que atuaram no

processo de redemocratização do país contaram com apoio de organizações internacionais. A presença de exilados brasileiros na Europa durante o período militar facilitou os contatos e, à medida que os projetos eram desenvolvidos, construiu-se uma rede de financiamento que permitia ao Cepis e outras entidades ampliarem seu trabalho sem depender do governo. Entre as agências com as quais o Cepis manteve acordos de cooperação estão a Organização Intereclesiástica de Cooperação para o Desenvolvimento (Icco), ligada a igrejas protestantes e redes ecumênicas holandesas; a Misereor, organização de cooperação ao desenvolvimento ligada ao episcopado da Igreja Católica alemã; e a francesa Comitê Católico contra a Fome e pelo Desenvolvimento (CCFD)” (LOPES, 2013, pp. 96 – 97).

165 Como evidencia Bárbara Lopes (2013, pp. 100 – 101) ao realizar um histórico da trajetória do CEPIS: “Com os

golpes militares se repetindo nos países vizinhos, essa rede ampliou seu alcance e foi posta a serviço de argentinos, chilenos, uruguaios etc. O Brasil se tornou uma rota de fuga, e o Instituto Sedes Sapientiae foi um dos portos para os estrangeiros que chegavam ao país [...] abrigando e escondendo refugiados, ajudando a traçar rotas de fuga, a conseguir passagens e documentos, fazendo denúncias e arrumando emprego para os que chegavam”.

E, entre Punta de Tralca no Chile, a Manágua, Havana, e Ciudad Vitória, no México, ao longo dos anos entre duas ou três décadas, compartimos uma variedade de encontros ao redor de ideias e depoimentos de praticas de que os vários livros dos anos setenta a noventa poderiam ser um eloquente testemunho. [...] Tendo em Paulo Freire a pessoa conectiva (ele próprio gostava de pensar-se como “um homem conectivo”) e fortemente inspiradora, nós nos lançamos desde nossas “realidades” locais, nacionais e continentais, em busca de uma fecunda recriação da educação popular. E vivemos “isto” com uma atitude coletiva que tornava uma prática de pensamento e ação aquilo em que acreditávamos como uma teoria e uma vocação.

Tantos os centros especializados em educação popular como os encontros que eram realizados potencializaram a formação de redes de educação popular com capacidade para ações coordenadas e de contestação mais amplas (BRUNO-JOFRÉ, 2016), tanto a nível regional, quanto nacional e internacional. E dentre todas essas discussões e reuniões, a grande experiência político-formativa desse período esteve localizada na América Central, mais especificamente na Nicarágua, onde em 1979 revolucionários da Frente Sandinista de Liberación Nacional – FSLN derrubam a ditadura da família Somoza, que governava o país desde meados da década de 1930. Em volta desse processo revolucionário se reuniram educadoras e educadores populares de toda América Latina166.

A relevância da experiência revolucionária da Nicarágua nos anos 80 está intimamente relacionada com algumas das principais características da Revolução Sandinista, que não só era ligada à Teologia da Libertação – vide a presença dos irmãos religiosos Ernesto e Fernando Cardenal, respectivamente ministros da Cultura e da Educação – como também em ter proposto como fundamento a constituição de um projeto que estivesse ligado com a educação popular com sentido emancipatório, especialmente a uma perspectiva freiriana (BRANDÃO, 1986). Sem contar a grande adesão da população (LOPES, 2013), que participava ativamente da reconstrução do país.

Essa revolução se afirmou como paradigma para pensar o próprio futuro da educação popular (BRUNO-JOFRÉ, 2016) ao representar a possibilidade de se criar pontes entre a atuação dos anos 70, em experiências marginais no interior de Estados autoritários capitalistas, e a consolidação de um projeto nacional alternativo de caráter socialista e popular. A Nicarágua era vista como o horizonte sonhado para o restante da América (BRANDÃO, 1987), ao mesmo tempo que era uma abertura para novas perspectivas de atuação, como coloca Oscar Jara (2015) em entrevista à Jorge Cardoso e Luísa Teotónio Pereira:

La revolución sandinista nos planteó posibilidades que nunca habíamos imaginado: un proyecto de educación popular a nivel nacional como una propuesta de un

gobierno; era para nosotros muy nuevo porque siempre habíamos trabajado en educación popular desde las márgenes, desde acciones de resistencia y propuesta un poco marginales y ahora teníamos la posibilidad que un gobierno, como fue lo caso del gobierno de Nicaragua en los 80, en que el ministro Fernando Cardenal decretara que toda la educación primaria, secundaria, universitaria, debería estar marcada por una lógica de una educación popular, de una educación transformadora, de una educación que nos convierta en sujetos de transformación y no en objetos de la acción de otros.

[…]

La experiencia de Nicaragua es la experiencia de los años 80. Es una experiencia en la que se abren posibilidades que hasta ese momento en América Latina no habíamos tenido: de impulsar proyectos, procesos de educación popular de amplitud nacional. Nesse sentido, o grande esforço – que foi realizado conjuntamente a partir de redes internacionalistas com ampla participação não só de educadoras e educadores do continente, mas também de agentes de saúde, cientistas de muitas áreas, profissionais técnicos ligados à produção etc. – se materializou na Cruzada Nacional de Alfabetización. Novamente, a questão dos diversos sentidos que as palavras empregam em diferentes discursos merecem atenção. Pois, mais do que uma cruzada educativa convencional aos moldes da educação de adultos do início do século, na Nicarágua esse foi um processo de mobilização nacional de grande impacto e enraizamento social, cultural e, assim, político167, de caráter transformador. Conjuntamente

com a alfabetização, era formada por uma junção de atividades buscando politização e conscientização, integração nacional168, disseminação da educação em saúde e reconhecimento

e compilação dos patrimônios naturais e culturais do país, especialmente a história oral camponesa (CARDENAL, 1987). A Cruzada era baseada na práxis e no diálogo entre educandos e agentes educadores, que de dia trabalhavam juntos nos campos e depois realizavam as atividades de leitura e escrita. Cerca de 150 mil jovens educadoras e educadores saíram do contexto urbano para o campo169, transformando as dinâmicas em ambos os espaços. A alfabetização, então, passa a ser parte de um processo nacional mais amplo (JARA, 2015), incluso no que se refere à formação política voltada à militância.

167 A Cruzada Nacional de Alfabetização da Nicarágua, segundo palavras de Paulo Freire, não foi “[...] um fato

pedagógico com implicações políticas, mas um fato político com implicações pedagógicas” (CARDENAL, 1987, p. 47).

168 Integração entre os diferentes polos presentes na sociedade nicaraguense, como campo e cidade; trabalho

manual e trabalho intelectual; Pacífico e Atlântico etc. (idem).

169 Em um ambiente onde a guerra ainda estava presente. Carlos Rodrigues Brandão (1987) recorda que muitos

educadores foram assassinados durante o período das Cruzadas por contras, grupos de milícias contrarrevolucionarias, apoiadas em muitos sentidos pelas elites somozistas e pelos EUA através da CIA.

A continuidade do projeto sandinista após os resultados muito positivos da Cruzada – que em termos de alfabetização reduziu em cinco meses o índice de analfabetismo do país170 de cerca de 50% para 12% – procurou refletir como realizar processos educativos no contexto da totalidade de um país relacionados com a educação popular, só que agora voltada para práticas de longa duração através da Educación Popular Basica e de outros programas. Isso gerou longos debates, tendo em vista que a Nicarágua, enquanto grande momento revolucionário desse período, foi um ponto de encontro de diversas militâncias e correntes. Dentre as diferentes perspectivas se encontravam óticas vindas de movimentos ligados à educação popular com sentido emancipatório freiriano, que haviam presenciado diversas e fragmentadas experiências durante a última década, frequentemente rompendo com a forma escolar. Em um outro pé haviam perspectivas influenciadas por Cuba, cuja experiência já possuía duas décadas fora do regime capitalista e era, até então, mais alinhada ao modelo e às metodologias soviéticas, que tinham muita ênfase na disciplina e no papel central(izador) do professor (MEJÍA, 1989a). Os bons resultados em termos de ensino básico e o auxílio com questões estruturais vindo do governo da ilha caribenha pesaram para que essa última tendência se tornasse mais frequente após o fim da Cruzada, realizando processos que conseguiram aos poucos consolidar uma instrução universal de viés socialista e de acesso gratuito, mas sem romper estruturalmente com características fundamentais da educação tradicional escolarizada (LOPES, 2013; JARA, 2015).

Seja como for, a educação popular, mesmo a mais crítica à forma escolar, continuou atuante no país nessa década revolucionária, aproveitando para se difundir ainda mais pelo continente através dos diálogos que foram sendo tecidos nos encontros teóricos e práticos. Com a experiência sandinista, a educação popular com sentido emancipatório produzida desde a América do Sul também começou a se aproximar mais dos processos cubano e de El Salvador, que no início da década estava em uma guerra civil que opunha as forças da ditadura militar que estava no poder no país e a dos movimentos guerrilheiros que formavam a FMLN - Frente Farabundo Martí de Liberación Nacional171.

170 Não houve censo populacional na Nicarágua nos anos 80 (INEC, 2005). Estima-se que durante o processo

revolucionário a população total do país esteve na casa de 3 milhões de pessoas.

171 “A luta travada pela Frente Farabundo Martí de Liberación Nacional não se dava apenas no campo militar.

Além da alfabetização, havia trabalhos na área da saúde, da produção agrícola, de comunicação política e cultural – com a valorização de artistas populares e com a rádio clandestina Venceremos!, que transmitia as mensagens da FMLN” (LOPES, 2013, p. 108).

Em um início de década tão agitado no continente, o sonho de realizar propostas de educação popular de amplitude nacional não irá se restringir à Nicarágua. O país será um catalisador dessa perspectiva que ganhará ainda mais força nos duros e quase sempre lentos processos de redemocratização, principalmente no sul do continente. Oscar Jara destacou este aspecto em entrevista, tendo como ponto de vista a história da educação popular no Brasil e o impacto desse processo na expansão dela nas décadas seguintes:

Posteriormente, con el retorno a la democracia, las administraciones de izquierda llevan a cabo proyectos de Educación Popular como política pública a nivel Estadual (y municipal como en Sao Paulo) y se gestan los programas de SEJA, EJA, Mova SP, Mova RS para la alfabetización de personas jóvenes y adultas. En RGS se formula una Constituiente escolar desde el gobierno del Estado, como política pública y se