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Com esta dissertação, a partir dos tweets reunidos pela pesquisa “facada Bolsonaro” no Twitter, busquei me colocar em frente à cascata de informações para tentar entender o ambiente de confusão informativa que faz com que seja possível acreditar em fakes – afinal, por mais que saibamos da existência, sim, do ódio, da motivação mesquinha, temos amigos, conhecidos, que sabemos que não são máquinas programadas para apoiar conteúdo falso, que não queremos simplesmente ver como inimigos, mas entender como o absurdo se torna possível.

Pude ver que no vácuo de informações oficiais ou com certa credibilidade é possível “colar sentidos”, tentativos, forçados, talvez pertinentes, mesmo que notadamente falsos; mas não apenas na falta de informação oficial: uma hashtag pode ser usada como uma espécie de “contrainformação”, ou de “overinformation”, para confundir, minar o debate ou desviar atenção: dá trabalho e leva tempo verificar o que é duvidoso, isso muitas vezes não é feito.

Alguns aspectos relativos à materialidade do Twitter foram levantados, mas, também outras reflexões desta pesquisa podem transbordar a lógica desta mídia e serem usados para se trabalhar com as noções de notícia falsa, confusão informativa, polarização, pós-verdade. Apesar de meu interesse em não incentivar a abordagem da polarização, de dois lados em concorrência, com certa pertinência, é preciso reconhecer, como tantas pesquisas o fazem, a força da noção de guerra discursiva, de disputa de sentido: o próprio Adélio, o único culpado, é empurrado de “um lado para o outro” para invalidar seu inimigo – que, sim, existe.

A hipótese do silenciamento das menções a Adélio Bispo de Oliveira é uma potência a ser verificada por outras pesquisas, provavelmente com uma coleta mais precisa, seja no Twitter ou em outra mídia; ele penetra uma multidão de pessoas para esfaquear um candidato a presidente que era carregado por seus fãs e apoiadores; este ato, tão absurdo quanto improvável – um kamikaze que sai (praticamente) ileso após se atirar ao seu objetivo –, deveria lhe consagrar como anti-herói solitário, entretanto, não parece ser o suficiente para que Adélio seja lembrado; ele passa a ser chamado apenas de “alguém” ou de “militante” e a disputa é direcionada para outro plano em que o responsável sem méritos, a única pessoa a portar a faca e desferir o golpe, pouco importa. A guerra semiótica faz sentido e pode coexistir com as problematizações que fiz em torno da ideia de polarização.

Operei no vácuo e no hiato de outros trabalhos e de outras ideias, que me proporcionaram trabalhar a partir do que foi dito e do que não foi dito: nesta deambulação

errante, dialogar produtivamente com os materiais – com e contra, como diz Bachelard (1996) – foi o que tentei com as pesquisas anteriores e é o que espero que com essa seja feito, pois deve haver muitos hiatos para isso. Como diz Adorno (2003), o ensaio nunca diz tudo; e o mapa de entendimento aqui proposto a partir dessa experimentação é só um desenho possível, com potencial de virar rascunho para outro; e a observação de um mapa nunca é a experiência de percorrer seu território.

A cartografia foi interessante para poder falar de um ponto de vista que não busca se impor pela autoridade de um “nós acreditamos”, como se estivesse falando em nome de toda a ciência que despencaria sobre quem estivesse lendo – e escrevendo –, nem numa terceira pessoa indefinida, distante, que poderia ser qualquer uma, afinal. Denunciei a primeira pessoa, não de onde partiu tudo isso, mas onde esses fluxos se atravessam e se transformam; é uma forma de denunciar também toda a forma de escrita – de produção do conhecimento – como afetada, suja: absolutamente não cristalina – e essa é uma forma de se poder experimentar.

De início, achei que pesquisar sobre a facada em Bolsonaro fosse repetitivo, que estaria apenas a recuperar, requentar ou manter uma discussão que poderia estar encerrada – ora, mas por que deveria ser assim? Se há uma persistência desse assunto é porque passado e presente não param de se encontrar em imagens, relampejantes e criadoras de sentido – que tanto contribuem nos confrontos discursivos, na confusão informativa e nas notícias falsas na política brasileira quanto são sintomas deste momento.

Foi justamente no confronto, por vezes provocativo e irônico, entre elementos aparentemente díspares – como citação a uma música, um filme, uma forma geométrica – que pude criar conhecimento e formas de entendimento sobre estes tempos de pós-verdade: dessa forma os próprios elementos de nossa cultura passam a exalar outros sentidos, no relampejar e no olhar circular, mágico.

Tudo o que vi no empírico não pude ver sozinho, zerado, sem ajuda de teorias e hipóteses teoréticas que ajudaram a também moldar a realidade conforme a lógica proposta:

formataram o empírico. Da mesma forma não posso dizer que a teoria tenha sido puramente apriorística, sem contato com a realidade: o que é colocado aqui como teorético é – tentativamente – atualizado pela observação empírica. “Assim como é difícil pensar o meramente factual sem o conceito, porque pensá-lo significa sempre já concebê-lo, tampouco é possível pensar o mais puro dos conceitos sem alguma referência à facticidade” (ADORNO, 2003, p. 26).

O trabalho, se não pôde ser exaustivo no que se propôs refletir, foi continuamente tensionado por esta limitação – é o que como pesquisador posso fazer: perceber o que pode ser dito e até que ponto não posso dizer tudo. Foi na forma do ensaio justamente proposto por Adorno (2003, p. 30) – subvertendo a estrutura monográfica, “comparável ao comportamento de alguém que, em terra estrangeira, é obrigado a falar a língua do país” – que estruturei essa dissertação: os conceitos não eram, em geral, explicados de antemão, mas apresentados no momento em que eu os colocava para trabalhar, já mostrando a forma de se apropriar deles – afinal, não são estanques, é na forma como são usados que se materializam. Nem os conceitos estarão a salvo se o objeto falar; e esse objeto não tem cessado de falar.

Naquele velho esquema, comunicação é passar uma mensagem de um lado para o outro visando a obter eficiência, que poderia ser verificada e medida a partir dos efeitos gerados pelas lógicas da intenção: quanto menos ruído, menos perdas – uma busca por correspondência cristalina, transparência, entre emissor e receptor. Mas até que ponto a noção de canal, por onde as mensagens passam, não poderia ser pensada como barreira, onde a comunicação encontraria um obstáculo114? Até que ponto a comunicação não é, também, interferência?

O termo information disorder, de Wardle e Derakhshan (2017), atrai um manuseio semântico: poderia ser traduzido para distúrbio de informações: mensagens falsas e imprecisas, com ou sem intenção, em variados graus. Já vi ser traduzido para desordem de informações e ainda confusão ou desordem informativa: não poderia ser isso a amálgama de fakes com o noticiário e também o que resulta desta mistura e confusão? (1) desordem informativa como as informações desordenadas: desierarquizadas – não se distinguindo o que são fakes; (2)

114 É preciso dizer que esta ideia talvez não seria colocada nesses termos se não fosse o encontro, o relampejo, da subversão do termo desordem informativa com o conto Sísifo Telecom, de Fabrício Silveira (2018), e sua (não menos importante) discussão na disciplina de Estéticas da Comunicação, em 2018, no PPGCOM da Unisinos.

desordem informativa como desordem que informa – como uma barreira, uma interferência, uma sensação de pós-verdade. Não seria isso, talvez, uma forma de comunicação – suja?

Esta provocação tanto pode ser usada para se pensar no intencional, como foi visto ao se colocar mais informações na rede para causar mais confusão, quanto uma confusão que “acaba por se estabelecer”, mesmo que não intencionalmente. O caos sempre esteve aí, à espreita. Estes tempos de pós-verdade parecem propícios para trabalhar desta forma a comunicação, pois, se não pude encontrar tantas notícias falsas nesta pesquisa, ao menos foi possível passar por este ambiente em que uma fake, em meio à cascata de informações, não parece, assim, tão estranha, e pode até ganhar sentido e força a partir do olhar mítico, circular e de uma narrativa apaziguadora.

Parece meio inverossímil uma pessoa ir contra a multidão e sua resistência. O que poderia fazer alguém, sozinho, com uma fake, sem a colaboração do todo, sem uma ambiência que permita, sustente e invoque um ato aparentemente isolado? O absurdo: até que ponto o aceitamos?

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