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3 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

3.2 Constitucionalismo e democracia

Para Robert Dahl (DAHL, 2010, 49-50) um governo pode ser democrático se verificada a existência de alguns requisitos: participação efetiva, igualdade de voto, entendimento esclarecido, controle do programa de planejamento e inclusão de adultos. Para ele, ao ser adotada uma política

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pela associação, os membros de determinado Estado devem ter oportunidades iguais e efetivas para fazer serem conhecidas suas opiniões sobre o rumo dessa política. Ao tomarem a decisão sobre esta política, todos os votos devem ser contados igualmente, com o mesmo peso conferido a todos os membros adultos, garantindo-se a concessão de um tempo razoável para que estes membros possam se inteirar sobre as consequências da decisão em jogo. No mais, o processo democrático deve ser contínuo, de modo que as políticas de associação estarão sempre abertas a mudança por parte dos próprios membros.

Muito embora possam haver inúmeras conceituações acerca do termo democracia, o regime democrático distingue-se como um dos principais valores compartilhados pela sociedade contemporânea do Ocidente.

Certo é que, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, com o fortalecimento da globalização mediante a assinatura de tratados que privilegiaram a preservação dos regimes democráticos dos países que buscavam interação internacional, em manifesta oposição à experiência totalitária da primeira metade do século XX.

Seguramente acompanhou esta tendência a crescente onda de constitucionalização da ordem jurídica dos Estados nacionais no período pós- guerra, caracterizada pela inserção dos direitos fundamentais na redação constitucional como forma de conferir-lhes maior grau de distinção, de natureza política e jurídica, na tentativa de assegurar-lhes a existência e a efetividade, em contraponto à inobservância dos direitos humanos neste período e a falência do Estado liberal. Neste sentido, descreve Gilmar Ferreira Mendes:

A ideia de uma Constituição sem proteção efetiva e, portanto, com valor jurídico de menor tomo, perdurou por bom tempo na Europa continental. Ali, o problema da proteção da Constituição, isto é, do seu valor jurídico, ficou em estado de latência até as crises do Estado liberal do final do século XIX e no primeiro quartel do século XX.

[...]

Terminado o conflito, a revelação dos horrores do totalitarismo reacendeu o ímpeto pela busca de soluções de preservação da dignidade humana, contra os abusos dos poderes estatais.

[...]

A Justiça Constitucional, em que se viam escassos motivos de perigo para a democracia, passou a ser o instrumento de proteção da Constituição – que, agora logra desfrutar de efetiva força de

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norma superior do ordenamento jurídico (MENDES; GONET BRANCO, 2012, p. 53).

Em meio a este contexto exsurge o constitucionalismo moderno, em que é “possível falar em um momento de constitucionalismo que se caracteriza pela superação da supremacia do Parlamento” (MENDES; GONET BRANCO, 2012, p. 59), em que é concedida força normativa aos direitos fundamentais, transformando em pretensão jurídica os anseios políticos inscritos no texto constitucional. Assevera Barroso que:

Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada como ação judicial (BARROSO, 2008, p. 2).

Dessa sorte, há certos pontos em que constitucionalismo e democracia colidem entre si, eis que a constitucionalização de direitos fundamentais contribuem para o deslocamento de questões de grande relevância política para o Poder Judiciário8, que, em regra, detém a prerrogativa de dar a última palavra a respeito da Constituição e das leis, o que, por corolário lógico, apequena o papel reservado às instâncias políticas parlamentares. Perfilhando deste entendimento, Gilmar Ferreira Mendes disserta que:

O atual estádio do constitucionalismo se peculiariza também pela mais aguda tensão entre constitucionalismo e democracia. É intuitivo que o giro de materialização da Constituição limita o âmbito de deliberação política aberto às maiorias democráticas (MENDES; GONET BRANCO, 2012, p. 61).

Do mesmo giro, Souza Neto e Daniel Sarmento acreditam que a relação entre jurisdição constitucional e democracia estabelece uma tensão sinérgica, em que o exercício devido do controle de constitucionalidade tem o condão de proteger elementos essenciais ao bom funcionamento da própria democracia, embora haja certa tensão quando da imposição de limites para as decisões de maiorias, principalmente quando a palavra final desses conflitos seja delegada à jurisdição constitucional (SOUZA NETO; SARMENTO, 2014, p. 39).

8 Registre-se que, como se demonstrará, o constitucionalismo ou o que Ran Hirchsl

denominou como prevalência do discurso dos direitos fundamentais, não afigura-se como única razão do desenvolvimento da judicialização da política.

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Essa relação entre constitucionalismo e democracia, embora revele certas contradições, é fator comum a todos os sistemas constitucionais modernos, e mesmo pressupostos deles. Isto porque uma constituição promulgada9 exsurge enquanto manifestação da soberania popular, enquanto desejo democrático de consolidação de um plexo de direitos, e, simultaneamente, representa uma forma de limitação da própria vontade popular, na medida que impõe a razão pública acima das maiorias. Em que pese apresentem eventuais contradições, que, diga-se, devem ser sopesadas para que não viva-se sob a égide de um sistema desequilibrado, todos estes elementos fazem parte de um processo dialético que designa uma ordem constitucional consubstanciada na garantia dos direitos fundamentais, da legalidade e da soberania popular.

Lênio Streck arremata a questão ao certificar que “trata-se, no fundo, de um paradoxo: a Constituição é um remédio contra maiorias, mas, ao mesmo tempo, serve como garantia destas” (STRECK, 2013, p. 78).