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4 O DISCURSO SOBRE A REFORMA DO ENSINO MÉDIO

4.1 A constituição do corpus

No processo de organização das sequências discursivas do corpus fomos guiados pelo nosso objetivo de pesquisa, buscando analisar qual o real interesse da atual reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017). Como salienta Courtine (2009, p. 114),

[...] definimos um corpus discursivo como um conjunto de sequências discursivas estruturadas segundo um plano definido em referências a certo estado das condições de produção do discurso. A constituição de um corpus discursivo é, como efeito, uma operação que consiste em realizar, por um dispositivo material de uma certa forma (isto é, estruturado segundo um certo plano), as hipóteses emitidas da definição dos objetivos de uma pesquisa.

Na definição do corpus, como continua a explicar Courtine (2009, p. 57), o analista pode optar, no caminho da análise, “por organizar as sequências discursivas de várias maneiras, a saber: por uma sequência discursiva ou por várias; produzidas por um locutor ou por vários; produzidas a partir de posições ideológicas homogêneas ou heterogêneas, dentre outras

possibilidades”. Sendo assim, a partir do referencial da AD, elegemos como material empírico algumas sequências discursivas dos seguintes documentos oficiais:

1. Exposição de Motivos apresentada pelo Ministro da Educação José Mendonça, que expõe a justificativa e o conteúdo para a reforma do ensino médio.

2. Lei 13.415 editada em 17 de fevereiro de 2017 (projeto de reformulação do Ensino Médio).

Como critério de orientação para a seleção das sequências, optamos por recortar aquelas que expressam os/as argumentos/justificativas/necessidades da implementação da reforma do ensino médio, bem como do conteúdo da reforma que trata sobre a mudança curricular. Para efeito de análise, foram agrupadas da seguinte maneira.

Bloco 1 – Extraídas da Exposição de Motivos apresentada juntamente com MP 746 de 22 de setembro de 2016, pelo Ministro da Educação José Mendonça, endereçada ao Presidente da República Michel Temer, em 15 de setembro de 2016.

SD 1 – Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Cumprimentando-o cordialmente, submetemos à apreciação de Vossa Excelência proposta de alteração da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, para dispor sobre a organização dos currículos do ensino médio, ampliar progressivamente a jornada escolar deste nível de ensino e criar a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.

SD 2 – Atualmente, o ensino médio possui um currículo extenso, superficial e fragmentado, que não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do século XXI.

SD 3 – Apesar de tantas mudanças ocorridas ao longo dos anos, o ensino médio apresenta resultados que demandam medidas para reverter esta realidade, pois um elevado número de jovens encontra-se fora da escola e aqueles que fazem parte dos sistemas de ensino não possuem bom desempenho educacional.

SD 4 – Os dados educacionais publicados recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP – evidenciaram resultados aquém do mínimo

previsto, isto é, 41% dos jovens de 15 a 19 anos matriculados no ensino médio apresentaram péssimos resultados educacionais.

SD 5 – Nos resultados do SAEB, o ensino médio apresentou resultados ínfimos. Em 1995, os alunos apresentavam uma proficiência média de 282 pontos em matemática e, hoje, revela-se o índice de 267 pontos, ou seja, houve uma queda de 5,3% no desempenho em matemática neste período. Os resultados tornam-se mais preocupantes, observado o desempenho em língua portuguesa: em 1995, era 290 pontos e, em 2015, regrediu para 267 – uma redução de 8%.

SD 6 – Essa realidade piora, sobretudo, ao se observar o percentual de alunos por nível de proficiência. No geral, mais de 75% dos alunos estão abaixo do esperado, e por volta de 25% encontram-se no nível zero, ou seja, mais de dois milhões de jovens não conseguem aplicar os conhecimentos adquiridos nas disciplinas de português e matemática.

SD 7 – Neste período, o Brasil passou pela democratização da educação, com a universalização da oferta de matrícula na educação básica e, embora não tenha conseguido atender a todos os alunos do ensino médio, 58% dos jovens de 15 a 17 anos estão na escola. Contudo, a qualidade do ensino ofertado, além de não acompanhar o direito ao acesso, decresceu, uma vez verificados os resultados de aprendizagem apresentados.

SD 8 – O IDEB do ensino médio no Brasil está estagnado, pois apresenta o mesmo valor (3,7) desde 2011. No período de 2005 a 2011, apresentou um pequeno aumento de 8% e, de 2011 a 2015, nenhum crescimento. O IDEB 2015 está distante 14% da meta prevista (4,3) e 28,8% do mínimo esperado para 2021 (5,2). A situação piora quando se analisa o desempenho por unidade federativa, em que somente dois estados, Amazonas e Pernambuco, conseguiram atingir a meta prevista para 2015.

SD 9 – Isso é reflexo de um modelo prejudicial que não favorece a aprendizagem e induz os estudantes a não desenvolverem suas habilidades e competências, pois são forçados a cursar, no mínimo, treze disciplinas obrigatórias que não são alinhadas ao mundo do trabalho, situação esta que, aliada a diversas outras medidas, esta proposta visa corrigir, sendo notória, portanto, a relevância da alteração legislativa.

SD 10 – Um novo modelo de ensino médio oferecerá, além das opções de aprofundamento nas áreas do conhecimento, cursos de qualificação, estágio e ensino técnico profissional de acordo com as disponibilidades de cada sistema de ensino, o que alinha as premissas da presente proposta às recomendações do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para Infância – UNICEF.

SD 11 – Resta claro, portanto, que o ensino médio brasileiro está em retrocesso, o que justifica uma reforma e uma reorganização ainda este ano, de tal forma que, em 2017, os sistemas estaduais de ensino consigam oferecer um currículo atrativo e convergente com as demandas para um desenvolvimento sustentável.

SD 12 – Neste sentido, a presente medida provisória propõe como principal determinação a flexibilização do ensino médio, por meio da oferta de diferentes itinerários formativos, inclusive a oportunidade de o jovem optar por uma formação técnica profissional dentro da carga horária do ensino regular.

Bloco 2 – Extraidas da Lei nº 13.415 de 17 de fevereiro de 2017, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB.

SD 13 – MEDIDA PROVISÓRIA Nº 746, DE 22 DE SETEMBRO DE 2016. [...]. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei.

SD 14 – Art. 24 § 1º A carga horária mínima anual a partir de 02 de março de 2017, passa a ser de 1.000 horas, devendo ser ampliada para 1.400 horas, no prazo máximo de 5 anos.

SD 15 – Art. 35 § 3o O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas.

SD 16 – Art. 35 § 5º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.

SD 17 – Art. 36 O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:

I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias;

III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional.

Sequências complementares: Extraídas das propagandas veiculadas na rede televisiva, do Ministério da Educação, que trataram da reformulação do ensino médio.

SDa – Eu quero o ensino técnico para já poder trabalhar.

SDb – E para quem prefere terminar o ensino médio já preparado para começar a trabalhar, poderá optar por uma formação técnica profissional.

SDc – Ou, ainda, optar por uma formação técnica, caso queira concluir o ensino e já começar a trabalhar.

Essas sequências discursivas, como explicitamos anteriormente, foram retiradas de dois documentos oficiais elaborados pelo Ministério da Educação do Governo Temer, e as sequências suplementares das propagandas televisivas veiculadas pelo governo Temer na época de tramitação da MP no Congresso Federal. O primeiro é a Exposição de Motivos nº 00084/2016/MEC4, no qual o ministro, à época, José Mendonça, expõe os argumentos, tanto da defesa da proposta contida na MP 746/2016 quanto da urgência de sua implementação. Esse documento oficial veio em anexo à MP 746/2016 – atual Lei 13.415/2017, segundo documento do qual retiramos as sequências para a análise –, endereçada ao presidente Michel Temer, que endossa o discurso contido no documento com a aprovação da MP.

Nesse sentido, a Exposição de Motivos nº 00084/2016/MEC4 – principal materialidade a ser analisada –, embora seja um documento público e de acesso a todos que queiram ler, tem como interlocutor (o endereçado) o presidente da república, a quem seu ministro – elaborador da Exposição de Motivos – expressa as convicções do próprio presidente. Sendo assim, trata- se de um documento que, por um lado, buscará convencer a todos da necessidade da implementação da reforma do ensino médio, nos termos em que foi elaborada; por outro, por

endereçar-se ao presidente, terá menor preocupação em ocultar com quem está verdadeiramente comprometido. É, pois, com o intuito de revelar os reais interesses da reforma do ensino médio nos termos como se apresenta, que nos debruçaremos na análise a seguir.

4.2 As Condições de Produção do Discurso da Reforma do Ensino Médio (MP 746 de 2016