• Nenhum resultado encontrado

5. A ANÁLISE VARIÁVEL

5.1 Constituição do corpus e das variáveis

Foi a partir da leitura das entrevistas16 que nasceu a vontade de pesquisar a comunidade cuiabana e também analisar o fenômeno de gênero, mas agora no interior do sintagma nominal e do sintagma predicativo, principalmente porque esse fenômeno emerge na comunidade cuiabana e é bastante específico de lá.

As entrevistas são tipicamente labovianas e têm duração de 40 a 60 minutos. É um modelo de entrevista de fala espontânea com pergunta e resposta, mas sem um esquema prévio de questionário, de forma a deixar os informantes mais tranquilos e menos monitorados, já que se buscou ter um vernáculo típico de Cuiabá. Todos os informantes são usuários do dialeto cuiabano.

Há mais de 30 entrevistas, mas utilizei apenas 21 de onde coletei 3501 dados, mas foram utilizados em média 2.928 dados. As entrevistas foram distribuídas com base nos fatores sociais faixa etária e anos de escolarização, como podem ser vistos abaixo:

Quadro 1: Informantes por idade e anos de escolarização

Sem escolarização Até 4 anos Até 8 anos Mais de 9 anos 15 a 25 anos 2 informantes 2 informantes 2 informantes 1 informante 30 a 45 anos 2 informantes 2 informantes 2 informantes 2 informantes Acima de 60 anos 2 informantes 2 informantes 2 informantes ____________

Os informantes desse corpus pertencem às seguintes localizações geográficas: Cuiabá, Várzea Grande, Chapada dos Guimarães, Livramento, Capão do Pequi, São Gonçalo e Nossa Senhora da Guia.

Apenas os informantes com mais de 9 anos de escolarização não estão distribuídos igualmente entre as células, porque só tínhamos três entrevistas, uma do ensino

16 As entrevistas foram cedidas gentilmente pela professora Rachel do Valle Dettoni, realizadas entre julho de

médio e duas do ensino superior. No entanto, o programa Goldvarb-X está preparado para dar conta de possíveis desequilíbrios na amostra.

A análise linguística feita é a não-atomística ou abordagem sintagmática que analisa todo o sintagma como um único dado (união de todos os constituintes do sintagma). Logo, se temos o dado “Esta vida meu”, consideramos um dado sem uso pleno da

concordância, tendo em vista que apenas o pronome demonstrativo “esta” apresenta a marca de concordância.

Para a análise dos dados, investigamos apenas a concordância de gênero nos sintagmas nominais femininos, já que é o masculino genérico a forma utilizada para se referir a qualquer SN. Assim, a variável dependente ou fenômeno analisado é dividida em uso pleno da concordância de gênero e uso não pleno da concordância de gênero.

Exemplificando o fenômeno analisado, temos, respectivamente, um dado de sintagma nominal e outro de sintagma predicativo:

Uso pleno da concordância de gênero  Uma criação severa, de verdade.

 A senhora olha na Bíblia, tem a Bíblia pra ler, a bíblia está escrita. Uso não pleno da concordância de gênero

 Daí, moçadinha mái novo.  Ela é da chapada, nascido lá né.

A fim de ilustrar mais o fenômeno em questão, reproduzo a seguir um fragmento de um informante sobre o preconceito sofrido em relação a sua vestimenta. Todos os sintagmas grifados são dados para esta análise.

Aquelas pessoa porque tá mais bem vestida, começa a passar por frente duma pessoa que tá menos vestida. Aqueles pessoas são as pessoas que eles que tá bem vestido vê aqueles pessoa menos favorecido, aquelas pessoas são tratados como menos favorecido. Tá entendendo? É doido né? Então.

Este é um exemplo típico de variação laboviana, porque o mesmo falante varia entre uma forma e outra, com o mesmo valor de verdade e em um mesmo período do discurso. Seria um super token de acordo com Sali Tagliamonte (2006, p. 98) “If you can find a „super-token‟, that is ideal”. Neste trecho, há variação tanto no sintagma nominal (aquelas pessoa/aqueles pessoa) como no sintagma predicativo (aquelas pessoa porque ta mais bem vestida/aqueles pessoa menos favorecido).

Para as variáveis independentes linguísticas e sociais, foram codificados:

(i) Configuração sintagmática e posição dos elementos: codificação dos 66 tipos de sintagmas nominais e predicativos coletados. Estipulamos alguns critérios para os agrupamentos posteriores dos sintagmas, tais como: tipo de SN (se de dois, três ou mais elementos); posição dos elementos dentro do sintagma (se à direita ou à esquerda) e classe morfológica pertencente ao sintagma (se artigo, adjetivo, pronome...). Ex: a noite inteiro. (sintagma de três elementos, com elemento à esquerda – artigo defenido – e à direita do nome núcleo – adjetivo). (ii) Grau de animacidade: divisão dos nomes segundo os traços de [+-

animado] e [+-humano].

Ex: aqueles pessoa [+animado +humano]; um sucuri [+animado - humano]; esse barradge [-animado -humano].

(iii) Tipo de referência: controle das estruturas que são mais específicas ou mais genéricas.

Ex1: Eles tinham um sítio, vendeu, acabou com tudo pra tratar minha saúde. (Referência específica, porque não é a saúde de qualquer pessoa, e sim a dela, em particular).

Ex2: Num deixa de chegá uma hora um filho com um amigo, com uma amiga, então tá tudo limpo. (Ambos os exemplos são de referência genérica, porque não se sabe que hora o filho trará o amigo e nem se conhece quem é essa amiga).

(v) Natureza morfológica: classificação dos nomes com base na flexão de gênero, ou seja, se são variáveis (esse menina) ou invariáveis (um sucuri).

(vi) Sexo: controle do sexo dos informantes.

(vii) Faixa etária: gradação etária, de 15 a 25 anos; de 30 a 45 anos; e acima de 60 anos.

(viii) Identificação do informante: controle de cada informante para posterior análise do desempenho linguístico individual.

(ix) Grau de escolaridade: variável dividida entre falante iletrado; de 1 a 4 anos de estudo; de 5 a 8 anos de estudo; e acima de 9 anos de estudo.

(x) Continuum rurbano: lugar onde nasceu o informante, se foi na zona urbana, mais ou menos urbana ou na zona rural.

(xi) Grau de letramento: reanálise do grau de escolaridade com base também em outros fatores sociais reunidos de forma qualitativa, como: nível socioeconômico, sociocultural, práticas de leitura, participação ativa em eventos sociais, inserção no mercado de trabalho, viagens, etc. Enfim, toda mobilidade social que o informante possa ter está inserida nessa variável.

As variáveis independentes linguísticas e sociais estatisticamente significativas, em ordem de significância, foram: configuração sintagmática; natureza morfológica; faixa etária e grau de letramento. Já as variáveis não selecionadas pelo programa foram: função sintática; grau de animacidade; tipo de referência; sexo; continuum

rurbano e grau de escolaridade. As hipóteses de todas essas variáveis serão explicitadas nas próximas seções.

Algo muito interessante acontece com essas variáveis não selecionadas. De fato, apenas o tipo de referência e o sexo não exercem nenhuma influência sobre esse fenômeno linguístico. O continuum rurbano e o grau de escolaridade foram contemplados melhor na variável grau de letramento e a natureza morfológica também reflete o grau de animacidade, como veremos mais adiante.