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Promulgada a partir da mobilização por direitos de diversos atores sociais, a Constituição Federal de 1988, expressa um marco legal no campo dos direitos civis, políticos e principalmente sociais. A Carta firmou o tripé securitário que garantiu à assistência social status de política pública destinada ao trato da questão social e firmada enquanto direito do cidadão e dever do Estado.

A década de 1980 foi marcada pela transição dos governos militares para a constituição da democracia. O Brasil de 1985, orientado sob a égide da democracia, também ampliou a desigualdade social. Os períodos anteriores, principalmente o militar, produziram uma péssima distribuição de renda e aumentaram a parcela da população demandante de políticas sociais. Os governos da época propunham, somente em seu discurso, a busca do rompimento com o clientelismo e o patrimonialismo estatal, bem como, mudanças no sistema político, econômico e social (COUTO, 2004).

Seguindo este discurso o governo do então presidente José Sarney, marcado pelo Plano Cruzado e pelo processo constituinte, ficou conhecido tanto pela transição democrática, resultante da Constituição de 1988; quanto pela articulação das forças conservadoras que pressionaram para que as reformas previstas não ocorressem. Iniciou-se então um percurso com foco na agenda econômica, política e social sob orientação neoliberal. No campo econômico destacavam-se as orientações neoliberais do Consenso de Washington que se opunham aos princípios constitucionais (COUTO, 2004).

A tarefa de retomar um Estado democrático de direito tornou-se uma grande arena de disputas e de esperança de mudanças para os trabalhadores brasileiros. Isso apesar dessa tarefa ser designada a um Congresso Nacional, e não a uma Assembleia Nacional livre e soberana, como era a reivindicação do movimento dos trabalhadores e dos movimentos sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

O processo constitucional construído em um ambiente contraditório e com espaço para essa contraditoriedade resultou em pelo menos duas forças centrais no Congresso Nacional. Uma representada pelos partidos de esquerda, comprometidos com as reformas sociais e outra pelos partidos conservadores, proporcionando um “embate congressual de propostas de diversas matizes” (COUTO, 2004, p. 155).

A democratização e a efetivação da cidadania foram inseridas no centro da agenda política e, assim, conforme Santos (2002, p. 459) “as preocupações surgidas nos debates que conduziram à Constituição de 1988 puseram a tônica nos direitos de cidadania, na descentralização política e no reforço do poder local”. A grande participação gerada pelos movimentos operários e populares também influenciaram no debate constitucional. Propostas de fortalecimento do poder, de influência dos atores sociais, foram apresentadas através de “iniciativas populares”, que após aprovadas levaram a um aumento dessa influência em diversas áreas.

Para Santos (2002, p. 573) “a Constituição foi capaz de incorporar novos elementos culturais surgidos na sociedade à institucionalidade emergente”. A presença e ação dos movimentos interferiu na agenda política e pautou alguns eixos na Constituição, a exemplo de: reafirmação das liberdades democráticas, afirmação dos direitos sociais, e direitos trabalhistas (BEHRING; BOSCHETTI, 2011; SANTOS, 2002).

Desta forma, a Constituição de 1988 não foi produto de um texto desenhado por especialistas, sequer se espelhou nas anteriores. A Carta Magna foi confeccionada como parte de um processo democrático, peculiaridade expressiva em relação às antecessoras. Ainda, possibilitou aos constituintes decidir sobre a manutenção do sistema federativo; refletindo “uma reação ao descaso do regime anterior em relação aos dispositivos e constrangimentos constitucionais” (SOUZA, 2005, p. 109); sendo fruto de ampla mobilização da sociedade contra a ditadura militar (SPOSATI, CORTES; COELHO, 2013).

Para Behring e Boschetti (2011) a grande novidade da Constituição de 1988 está no fato de desenhar políticas orientadas pelos princípios da universalização, da responsabilidade pública e da gestão democrática. Disso decorre a introdução da seguridade social, articulando as políticas de previdência, saúde e assistência social, e dos direitos a elas vinculados. Desse

processo também advém diversas inovações democratizantes como: o novo estatuto dos municípios como entes federativos autônomos, os conselhos paritários de políticas e de direitos e a instituição de orçamentos para a seguridade social.

A constituição manteve traços conservadores, como a ausência de enfrentamento da militarização do poder no país e a manutenção de prerrogativas do executivo. Entretanto, o texto constitucional contemplou avanços em outros aspectos, a exemplo dos direitos sociais com destaque para a seguridade social, os direitos humanos e políticos; recebendo a alcunha de “constituição cidadã” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011; CARVALHO, 2002).

Diversos autores corroboram com a ideia de que a Constituição de 1988 foi expressiva no campo dos direitos sociais. De acordo com Machado (2012) os direitos sociais são firmados de forma conjunta e articulada, constitutivos de um mesmo aparato legal. Para Couto (2004, p. 158) “é no campo dos direitos sociais que estão contidos os maiores avanços da Constituição de 1988”. E segundo Castro e Cardoso Júnior (2005, p. 263), a carta constitucional, por intermédio da garantia dos direitos sociais, busca viabilizar a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos sem preconceitos ou quaisquer forma de discriminação”.

A ênfase aos direitos sociais pode ser observada nos primeiros artigos da Carta Constitucional, que definem os objetivos da República Federativa. Para Couto (2004, p. 158) “os objetivos deixam claro que os constituintes, além de reconhecerem as desigualdades sociais e regionais brasileiras, impuseram a solução dessas desigualdades à ação do país”. Desenham-se assim os direitos sociais de forma inovadora e um Estado com forte aumento nos gastos sociais visando o atendimento das demandas (SIMÕES, 2014).

A partir da Constituição de 1988 o trato da questão social, enquanto benesse ou questão de polícia que marcaram a construção da política de assistência social, foi sendo pautado na noção de direitos e deveres. Isso demonstra a constitucionalização de questões importantes no caso brasileiro (SOUZA, 2005). Para Machado (2012, p. 41) “a questão social passa a ser abordada com políticas públicas, garantidoras de direitos afirmados em lei”. Políticas estas que passam a assentar-se na afirmação de direitos sociais de cidadania, organizando de fato Sistema de Proteção Social Brasileiro28 (CARDOSO JÚNIOR; JACCOUD, 2005).

28 Para Cardoso Júnior e Jaccoud (2005) foram três as vertentes históricas a partir das quais se originou o

Sistema de Proteção Social Brasileiro. A primeira visando enfrentar a questão social tal como se conformava durante a República Velha, por meio da política social de cunho corporativo, organizada durante a década de

O avanço mais expressivo e que visava atender aos objetivos propostos constituiu-se no sistema de seguridade social, criado pelo artigo 194, que consagra as políticas de saúde, previdência social e assistência social. Isso representou um importante passo na consolidação dos direitos sociais. Nos artigos seguintes, até o artigo 204, é determinado o tripé da seguridade onde a saúde aparece como direito de todos e dever do Estado; a previdência social será devida mediante contribuição e a assistência social será prestada a quem dela necessitar (COUTO, 2004).

O Estatuto legal, então, rompe com a lógica fragmentada e busca, por meio da seguridade social, dar um sentido amplo à área social, trabalhando na lógica da ampliação dos direitos sociais e da inserção da noção de responsabilidade do estado brasileiro frente a essas políticas (COUTO, 2004, p. 159).

A assistência social começou a ganhar visibilidade como política social, sendo que, para Couto (2004, p. 167), “essa definição de política de assistência social engloba diversos aspectos inovadores”, dentre os quais seu estabelecimento como política pública, a existência de provisão social sem contribuição financeira do demandante e o caráter universalizante. Sua inserção no tripé da seguridade, a introduz no campo das políticas sociais sob a ótica dos direitos e “impõe compreender o campo assistencial como o da provisão necessária para enfrentar as dificuldades que podem ser interpostas a qualquer cidadão e que devem ser cobertas pelo Estado” (COUTO, 2004, p. 170).

Com base nos artigos 203 e 204 da Constituição torna-se possível à assistência social sua transformação em lei ordinária que regulamente a relação entre Estado e sociedade na ótica do atendimento das demandas da população. Para Couto (2004) a regulação dessa política foi tardia, pois ocorreu somente em 1993, sendo a última área da seguridade social à ser regulamentada.

Mesmo tardia, a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), demonstrou um grande avanço para essa Política Pública, definindo o rumo à ser seguido pela assistência social no país. O capítulo seguinte aborda o processo de constituição desta Lei e da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), bem como, trata das normatizações existentes, revelando a importância deste aparato para a efetivação da Política de Assistência Social.

1930 e assentada nos IAPs e na CLT. A segunda estabelecida na antiga tradição caritativa e filantrópica, voltada ao atendimento de certas situações de pobreza, objeto de atuação do Estado após 1930. E a terceira por meio de políticas assentadas na afirmação de direitos sociais, os quais apesar dos esforços anteriores, foram consolidados apenas a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.

2 A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Realiza-se neste capítulo o debate acerca do processo de constituição da Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004). Para tanto, optou-se por dividir o capítulo em três momentos. No primeiro momento se expõe o trajeto percorrido pela Política de Assistência Social após os anos 1980, com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e a aprovação da PNAS/2004, diante de um contexto nacional permeado pelo ideário neoliberal. No segundo momento enfatiza-se a PNAS/2004, como fruto da mobilização da categoria dos profissionais que atuam na área, considerando que essa incorporou demandas presentes na sociedade. Na terceira e última parte realiza-se um estudo sobre os princípios e diretrizes fundantes da PNAS/2004, com foco na descentralização e territorialização. Pretende-se produzir uma discussão acerca da Política de Assistência Social necessária ao estudo sobre sua implantação nos municípios da Região Fronteira Noroeste, que constituirá temática do próximo capítulo.