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CAPITULO 3 UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO: CONSTITUIÇÕES E POVOS

3.1 Constituições, Estados e Povos Indígenas na tríplice fronteira: Brasil,

Com o intuito de compreender a evolução dos direitos e garantias assegurados aos povos indígenas da America Latina, faremos uma breve análise das Constituições dos três países transfronteiriços do território amazônico: Brasil, Colômbia e Peru.

Essa compreensão é necessária uma vez que o foco de investigação da presente pesquisa é analisar os direitos indígenas entre as fronteiras nacionais brasileira, colombiana e peruana, considerando a mobilidade dos índios Ticunas na

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região do Alto Solimões, especificamente, na cidade de Tabatinga-AM, que se limita geograficamente com o Peru e a Colômbia.

A presença dos povos indígenas nesta região é bem anterior à delimitação dos Estados nacionais, a exemplo dos Ticunas, Embora não se saiba de quando data essa presença, na historiografia o primeiro registro escrito sobre os Ticuna data do século XVII, no livro de Cristoban de Acuña.( ACUÑA, 2012)13.

Segundo Nogueira (2007) os Ticunas estão presentes nos três países: Brasil, Colômbia e Peru, transitando livremente entre as suas fronteiras nacionais.

As regiões de fronteiras entre países possuem grande fluxos de pessoas, formando um grande intercâmbio cultural e de serviços entre as suas populações, como é o caso do Alto Solimões. Mas essas regiões também são espaços de conflitos gerados, principalmente, pelas limitações estabelecidas pelo conceito jurídico de fronteiras, onde se estabelece o limite territorial e político dos Estados nacionais, com a demarcação de sua jurisdição, a validade de suas leis e sua soberania.

Nesses espaços existem dinâmicas políticas e sociais de caráter local, regional, nacional e transnacional, transformando-se em cenário privilegiado para estudarmos a relação entre povos indígenas e os Estados nacionais, principalmente no que tange à efetivação dos direitos indígenas.

A mobilidade humana nas regiões de fronteiras, muitas vezes relaciona-se à estratégia de sobrevivência e bem estar das populações flutuantes nelas inseridas. Por outro lado, essa mobilidade pode acarretar sobrecargas para alguns países fronteiriços que detém uma melhor infra-estrutura e onde, muitas vezes, suas políticas sociais são mais assistencialistas.

Podemos constatar esse problema na região do Alto Solimões, onde a procura pelos serviços públicos envolve cidadãos de diferentes etnias e nacionalidades diversas, como os Ticunas (brasileiros, colombianos e peruanos), que buscam a assistência do Estado na cidade de Tabatinga-AM. No mesmo espaço as simples relações e atos corriqueiros a nível local, logo se transformam em transnacional.

Sobre a dinâmica política e sociocultural das regiões de fronteiras entende

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ACUÑA, Cristobal de. Novo Descobrimento do Rio Amazonas. (Edição, tradução e notas de Antonio Esteves). Montevidéu: Oltaver, 1994. Ver também a respeito do histórico do contato: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/ticuna/print, acesso em 15;/12/2012

López Garcés (2011, p. 156) que:

Las regiones fronterizas entre países, como espacios multiéticos y pluriculturales donde confluyem dinâmicas políticas e sociales de carácter local, regional, nacional y transnacional, constituyen escenarios privileciados para estudiar las relaciones entre pueblos indígenas y estados nacionales, permitiendo comparar de manera constrativa el carácter de estas relaciones a uno y outro lado del limite internacional que define territorialmente a los estados. Acercarse a estos espacios posibilita también aproximarse a los procesos socioculturales de los pueblos indígenas cuyas dinâmicas territoriales y estilos de vida se vieron afectados por la delimitación fronteriza entre los estados nacionales y los conseqüentes procesos de nacionalización de la población indígena a finales del siglos XIX e inícios del XX

Portanto se percebe que a divisão das terras indígenas ocupadas por tempos imemoriais entre mais de um país, como é o caso dos Ticunas, afetou seu modo de vida em suas mais variadas formas de relacionarem-se com seu território e ambiente biofísico, bem como os submeteram ao complexo processo de nacionalização, problema tão evidente nas regiões de fronteiras como a do Alto Solimões, tendo em vista que os direitos e obrigações estabelecidos na relação povo e Estado, só se perfazem entre os cidadãos nacionais.

Dessa maneira, os povos indígenas que habitam as fronteiras entre mais de um Estado nacionais, encontram-se tolhidos dos seus direitos e garantias assegurados constitucionalmente, porque os Estados, muitas vezes, não os reconhecem como sujeito de direito, embora pertença à determinada etnia (Ticuna), são de nacionalidade diversa (brasileira, colombiana e peruana) do país os quais solicitam à prestação de serviço público e a efetivação dos seus direitos.

Na visão de Damas da Silveira (2010) os debates sobre os direitos dos povos indígenas na America Latina remonta aos primórdios da colonização, ainda no século XVI, com a teoria indigenista introduzida pelo pensamento do Frei Bartolomé de Las Casas, que difundia uma teoria pacifista de reconhecimento da diversidade cultura das novas terras conquistadas, além de denunciar as atrocidades cometidas pelos espanhóis contra os índios, defendia os usos e costumes indígenas, desde que não violassem a lei divina e natural (SILVEIRA, 2010, p. 53-54)

Em relação aos direitos indígenas previstos nas Constituições americanas descreve Souza Filho (2006, p. 186):

como sinal dos tempos, as novas Constituições americanas vão reconhecendo a sociodiversidade: a Colômbia reconhece e protege a sua diversidade étnica e cultural (1991); o México (1992) assume que tem uma “composição pluricultural”; Paraguai (1992) além de reconhecer a existência

dos povos indígenas, se declara como um país pluricultural e bilíngüe, considerando as demais línguas patrimônio cultural da Nação; o Peru, em sua Constituição outorgada de 1993, não vai tão longe e apenas admite como línguas oficiais ao lado do castelhano, o quéchua, o Aimara e outras línguas “aborígenes”; finalmente em 1994, a Bolívia com sua fulgurante maioria indígena admite rompe a tradição de silêncio integracionista e se define como multi-ética e pluricultural e a Argentina determina a seu congresso reconhecer a preexistência de povos indígenas.

Diante das mudanças introduzidas nas Cartas Políticas dos países latinos americanos, foi promulgada a Constituição brasileira de 1988, que é considerada um marco histórico, em virtude da ampla proteção estabelecida aos povos indígenas, corolário dos direitos e garantias destinados ao meio ambiente e a cultura, esculpidos na lógica dos direitos coletivos e difusos.

A partir da Constituição de 1988 os povos indígenas conquistaram o status de sujeitos coletivos de direitos, portadores de identidades específicas, como estabelece o art. 231, da CF, que reconheceu a organização social, os costumes, a língua, crenças, tradições dos povos indígenas além do direito aos territórios por eles ocupados, “embora não tenha se declarado um país multi-étnico e pluricultural”, como afirma Souza Filho (2006).

Com o advento das novas Constituições e suas posteriores emendas, promulgadas com a participação popular das minorias étnicas e dos movimentos sociais, os Estados nacionais começaram a abrir espaço para o debate político aos povos indígenas da América.

Segundo Silveira (2010, p.51):

Particularizados e ligados ao sentido de povo – ainda que não exatamente identificados com essa palavra – é que vem progredindo os direitos indígenas, principalmente, no bojo das recentes constituições dos Estados Latinos-americanos, onde sequer eram mencionados até meados do século XX, negando dessa feita não apenas a existência dos nativos como ainda a sua autonomia cultural, política e jurídica.

Assim saíram da invisibilidade política e, logo, conquistaram o direito de manterem suas identidades, como uma opção à perpetuidade, bem como foram assegurados alguns direitos especiais, como o acesso à educação em sua língua materna, a posse e o usufruto das terras por eles habitadas, à saúde diferenciada, autonomia territorial e mecanismo próprio de justiça, entre outros.

Podemos afirmar que as Constituições americanas estabelecem avanços significativos no que tange aos direitos indígenas, embora alguns ainda sejam

incipientes nesta questão. Para Silveira (2010, p.53):

chegando o século XXI, temos Estados Nacionais que formam o amplo mosaico amazônico14 com inestimável avanço na tipificação desses direitos, assim como observamos outros ainda tímidos na sua capitulação, mas não se pode negar que nos últimos vinte anos houve um significativo avanço no reconhecimento constitucional dos povos indígenas em toda a América.

Diante desse contexto e como o problema desta pesquisa versa analisar a postura do Estado brasileiro diante da presença e mobilidade dos Ticunas na tríplice fronteira do Brasil, da Colômbia e do Peru. Para isso é necessário fazermos uma sucinta abordagem dos direitos e garantias assegurados aos povos indígenas nas Constituições desses três países.