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CAPÍTULO III – PROCESSOS EDUCATIVOS DESENCADEADOS NAS

3.2 A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DAS CRIANÇAS

Ao se perceber e perceber o outro como diferente, a criança começa a acionar seus próprios recursos o que contribuí para o desenvolvimento de sua autonomia. A autonomia é entendida pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) como capacidade de tomar suas próprias decisões, sem desconsiderar regras, valores e perspectivas sociais. Levar em conta a autonomia das crianças em seu

processo educativo dentro da instituição de Educação Infantil significa considerar sua capacidade de construírem conhecimentos, interferirem no meio em que vivem e levar em conta sua vontade. Um dos meios apontado pelo Referencial (BRASIL, 1998) para a construção das identidades e autonomia são as relações estabelecidas pelas crianças com seus pares e das crianças com adultos.

Etimologicamente, autós significa por si mesmo e nomos, lei, portanto autonomia significa poder de dar a si mesmo a própria lei. Porém, não equivale ao sinônimo de autossuficiência, pois esse poder não é absoluto, depende também do outro (ZATTI, 2007).

Opõe-se à heteronomia, ou seja, lei procedente de outro. Assim, a autonomia indica uma esfera particular cuja existência é garantida dentro dos próprios limites (ZATTI, 2007).

Segundo Zatti (2007, p. 12),

Como a autonomia é "condição", como ela se dá no mundo e não apenas na consciência dos sujeitos, sua construção envolve dois aspectos: o poder de determinar a própria lei e também o poder ou capacidade de realizar. O primeiro aspecto está ligado à liberdade e ao poder de conceber, fantasiar, imaginar, decidir, e o segundo ao poder ou capacidade de fazer. Para que haja autonomia os dois aspectos devem estar presentes, e o pensar autônomo precisa ser também fazer autônomo. O fazer não acontece fora do mundo, portanto está cerceado pelas leis naturais, pelas leis civis, pelas convenções sociais, pelos outros, etc, ou seja, a autonomia é limitada por condicionamentos, não é absoluta. Dessa forma, autonomia jamais pode ser confundida com auto-suficiência.

Segundo Bassedas et al. (1999), os adultos e as crianças mais velhas ou experientes contribuem para o processo de desenvolvimento da autonomia das crianças. Ao atuar com docentes, familiares e seus pares, as crianças são capazes de realizar o que não fariam, caso desacompanhadas. Posteriormente, as crianças conseguirão realizar tais atividades sem o auxílio de um humano mais capaz.

Sommerhader (2010), ao discorrer sobre a teoria winnicottiana, afirma que o desenvolvimento emocional da criança possui três momentos não fragmentados: i) Dependência Absoluta; ii) Dependência Relativa; iii) Rumo à Independência.

O bebê é completamente dependente no momento inicial, não possui consciência de sua separação do meio ambiente e precisa dele para viver e se desenvolver. Nesse momento, a mãe necessita dedicar-se intensamente ao seu filho. O ego materno protege

o do bebê. O bebê, nessa fase, confunde realidade interna e externa, ao desejar algo que é fornecido pela mãe, a criança acredita que criou o objeto desejado (SOMMERHALDER, 2010). Bassedas et al. (1999) acrescentam que o bebê exige grande dedicação de adultos para sobreviver e chegar a ser uma pessoa autônoma. Assim, consideram que toda a infância consiste-se em uma etapa de desenvolvimento das capacidades rumo à independência.

Por volta de um ano de idade, a criança consegue manter viva a ideia de mãe, ao demonstrar certa independência. Entretanto, essa independência varia de criança para criança, afirma Sommerhalder (2010) com base nos estudos de Winnicott.

Na fusão mãe e bebê, a mãe alimentava a ilusão ao prever as necessidades do filho. Na separação da fusão, a mãe espera o bebê pedir os objetos desejados, por meio de gestos. A separação é fundamental para o desenvolvimento emocional da criança (SOMMERHALDER, 2010).

No entendimento de Winnicott, o desenvolvimento emocional da criança ocorre por meio de intercâmbios entre a realidade interna e externa. Desse modo, uma realidade enriquece a outra, a criança controla acontecimentos internos e externos e segue Rumo à Independência (SOMMERHALDER, 2010).

Nessa etapa, a criança amplia a vida social e identifica-se com a sociedade em que vive, pois essa faz parte de seu mundo pessoal. Possui independência por ser capaz de se recordar do cuidado recebido e, devido a isso, ter desenvolvido confiança no meio (SOMMERHALDER, 2010).

Bassedas et al. (1999) entendem que durante o segundo ano de vida das crianças, já possuem certa autonomia devido ao caminhar e comunicar-se por gestos e palavras, explorando, assim, seus limites. Começa um processo a caminho da independência e autonomia. As trilhas desse caminho, ao contrário de serem lineares e gradativas, perpassam por diferentes momentos, ao incluir dificuldades que podem ser superadas com relações de confiança e afeto.

Entre os dois e seis anos de idade, as crianças tendem a manifestar momentos de oposição (ao tomarem suas próprias iniciativas), representativos de uma forma de fortalecimento das identidades e autonomia. Equivale a um indício de interesse das crianças em “separarem-se” de suas mães. Nessa idade, também adquirem autonomia em relação ao controle dos esfíncteres e alimentação devido à ajuda de alguns adultos e vontade das crianças em serem grandes e realizarem conquistas (BASSEDAS et al., 1999).

Com os avanços no processo de construção da autonomia, as crianças realizam atividades cotidianas com maior confiança e habilidade. Aos adultos (docentes, familiares, etc.), cabe interferir com um diferente grau de ajuda. Dessa forma, gradualmente permitem maior autonomia (BASSEDAS et al., 1999).

Winnicott (1983) afirma que a maturidade do ser humano abrange o crescimento pessoal e a socialização. Sendo assim, um adulto com saúde mental é capaz de identificar-se com a sociedade sem demasiado esforço, ao satisfazer necessidades pessoais sem ser antissocial. Dessa forma, concordamos com o autor que a independência nunca é absoluta, pois o indivíduo normal, ao invés de isolado, relaciona- se com o ambiente, de forma interdependente. O autor destaca que a maturidade completa do humano só se torna possível em um ambiente saudável e também maturo.

Conforme Freire (2003), quanto mais sujeitos e não objetos do conhecimento os educandos se façam, maior sua criticidade, sua construção perante o aprendido e o mundo, maior sua autonomia perante o conhecimento e os seus atos. O educador deve ter respeito perante a autonomia do educando, sendo o respeito pela autonomia um direito ético e não um favor que deve ser concedido pelo professor. O respeito à autonomia se dá na posição ética do professor ao respeitar a curiosidade do educando, suas preferências estéticas, seu modo de falar, sua cultura, seus interesses, suas reivindicações. Através das diferenças manifestadas a partir da autonomia, as pessoas, tanto educadores como educandos, aprendem e ensinam.

Freire (2003) afirma que a autonomia constitui-se na medida em que o sujeito toma decisões de acordo com suas próprias concepções, ideias e valores. A autonomia é conquistada gradativamente, é um processo, é vir a ser. Freire aponta a decisão, a responsabilidade e a liberdade como caminhos percorridos para se alcançar a autonomia.

Conforme Oliveira (2010), busca-se ampliar na Educação Infantil alguns requisitos para inserção das crianças no mundo, sendo eles: sensibilidade, solidariedade e senso crítico. O desenvolvimento do senso crítico envolve a construção da autonomia e do pensamento divergente. A partir da mediação de conhecimentos historicamente elaborados, ao repensá-los e reconstruí-los, as crianças trabalham novas visões de mundo e de si mesmas.

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