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A C IDADE U NIVERSITÁRIA DE L ISBOA : UMA HERANÇA PARA O E STADO N OVO

1. A escassez de condições lectivas nos edifícios do ensino superior universitário: urgências e propostas de instalação malogradas (1926-1934)

1.1. A construção ao Campo Grande defendida pelo Arquitecto Carlos Ramos

O assunto da construção de novos edifícios universitários em Lisboa, cuja mediatização se implementara, estava assim na ordem do dia. Foi com a publicação de uma série de artigos no Diário de Notícias, a partir de Fevereiro de 1930, que a questão da sua localização foi novamente posta em causa: o Campo de Santana, preenchido por habitações, revelava-se uma conglomeração exígua que poderia contribuir para uma imiscuição demasiada dos estudantes na vida citadina.

No dia 6 de Fevereiro, com intuito de promover a discussão pública, o jornal inseriu na primeira página uma entrevista ao avisado arquitecto Carlos Ramos (1897- 1969), que estivera envolvido na edificação do moderno Instituto Português de

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futuro vice-reitor, argumentando ser indispensável a reunião das Faculdades, propondo como localização o antigo Campo de Santana; aí, o Ministério da Educação adquirira um edifício que Carneiro Pacheco considera ser mais acertado para funcionamento da Reitoria – o que, no entanto, não foi efectivado. O antigo palácio em Belém veio a ser ocupado pelo Liceu D. João de Castro, solução igualmente apontada por Carneiro Pacheco. Cf. Patrícia Santos Pedrosa, op. cit., pp. 82-85.

275 Defendia-se, por exemplo, que o edifício comprado pelo Ministério da Instrução em 1928, na esquina com a Travessa do Torel, fosse cedido para instalação da Faculdade de Letras e da Reitoria.

Oncologia277, e se apresenta como defensor da construção de uma Cidade Universitária na zona do Campo Grande278. Aparentemente, uma ideia sua, embora certamente apoiada na posse de talhões na área por parte das Faculdades de Medicina e de Farmácia, o que justificaria a escolha do local. O arquitecto, cultor de uma abordagem crítica do seu mister e atento ao panorama internacional, advoga no artigo a impossibilidade de inserção dos edifícios universitários no Campo de Santana, sem capacidade para receber construções de tal estatura, com as suas necessidades pedagógicas e científicas específicas. As soluções que vinham sendo apontadas para recepção de um edifício hospitalar, Santa Marta- Rilhafoles279 e Campolide, são igualmente descartadas, inexequíveis por falta de espaço para ampliações e, no caso de Campolide, devido à sua localização numa colina. A experiência que o arquitecto colhera em viagem de estudo pelos principais estabelecimentos hospitalares europeus280 permitiu-lhe fundamentar a defesa de união das instalações, mesmo atentando apenas no caso da Faculdade de Medicina e do Hospital Escolar. Referindo ser impróprio estarem rodeados por habitações, que obrigariam a demolições, por vezes sem as condições de higiene fundamentais, propõe a implantação do conjunto das edificações universitárias na enorme área perto do Campo Grande, aproveitando terrenos já pertencentes à instituição. Interpelado quanto a localização exacta desse projecto, Carlos Ramos envia uma planta [FIG.1], que o Diário de Notícias publica como complemento do artigo. Na malha urbana, no eixo da Avenida Estados Unidos da América, surgem inseridos talhões para habitações – presumivelmente para estudantes e professores –, para as Faculdades de Letras e de Farmácia a sul, e as de Direito e de Ciências a norte, rodeando um edifício central, a Reitoria, que encabeça o edifício da Faculdade de Medicina. A nascente, ligado ao anterior, o complexo do Hospital Escolar, constituído por onze blocos ligados entre si, situado perto do nó da Avenida da República com o Campo Grande. De resto, nenhuma nota explicativa ou justificativa acompanha o projecto, deixando-se o assunto em aberto para discussão.

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277 Tendo projectado o inovador Pavilhão do Rádio (1927), obra arquitectónica depurada, de linhas racionalistas, atendendo sobretudo à sua funcionalidade científica e de internamento de doentes; é considerado um dos marcos da nova estética modernista em Portugal.

278 “A Cidade Universitária de Lisboa deve erguer-se, conforme a autorizada opinião do arquitecto Carlos Ramos, em terrenos vizinhos do Campo Grande”, Diário de Notícias, nº 22996, ano 66º, 6 de Fevereiro de 1930, p. 1.

279 Já existiam instalações com serviços hospitalares tanto em Santa Marta, onde funcionava o Hospital Escolar, como em Rilhafoles.

280 Viagem que realizou em 1929, na companhia do médico Marck Athias. Sobre este assunto, vide M. Athias, C. Ramos, “Os meios de luta contra o cancro em alguns países europeus. Relatório de Viagem – Fevereiro-Abril de 1929”, Separata do Arquivo de Patologia, vol. II, nº 1, Março, 1930, pp. 84-132.

Seguiram-se três entrevistas a membros da Universidade de Lisboa, o vice-reitor Queirós Veloso281, e os professores Egas Moniz (1874-1955) e Santos Lucas (1866-1939), directores das Faculdades de Medicina282 e de Ciências283, respectivamente284. Os três

encorajam e concordam com a construção de edifícios na área do Campo Grande, dado ser imprescindível a sua concretização para o correcto funcionamento de todas as componentes universitárias, incluindo residências para estudantes, campos desportivos e áreas de lazer, forçosamente comunicantes com a cidade através de uma rede viária de transportes a desenvolver pela Câmara Municipal. Focam-se como exemplos os campi edificados “nas grandes cidades progressivas da Europa e da América”285, não havendo razão para que Portugal não promovesse construções universitárias de similar calibre num “arrabalde citadino”286, à imagem desses casos estrangeiros287. O Campo Grande é encarado, portanto, como lugar que reúne condições para a edificação da Cidade Universitária de Lisboa, compreendida na sua acepção global enquanto local de estudo mas também de fomento do espírito académico, sendo posta de parte a anterior ideia, publicamente defendida e praticamente decidida, de ocupação do Campo de Santana.

Na sequência do debate público em torno desta concretização, pronunciou-se no mesmo jornal diário o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Vicente de Freitas (1869-1952)288: apoiando a concentração das Faculdades e instalações universitárias por

forma a cessar a sua dispersão por vários bairros da capital, reforça o auxílio total que a municipalidade prestará no tocante à resolução do problema de transportes e comunicações na área do Campo Grande, contribuição para o progresso e modernização !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

281 “A Cidade Universitária de Lisboa e o que a seu respeito nos disse o Prof. Queirós Veloso, vice-reitor da Universidade”, Diário de Notícias, nº 23002, ano 66º, 12 de Fevereiro de 1930, p. 1.

282 “A Cidade Universitária de Lisboa e as considerações que a seu respeito faz o ilustre director da Faculdade de Medicina, prof. Egas Moniz”, Diário de Notícias, nº 23004, ano 66º, 14 de Fevereiro de 1930, p. 1.

283 “A Cidade Universitária de Lisboa. O que a seu respeito nos disse o director da Faculdade de Sciencias, prof. Santos Lucas”, Diário de Notícias, nº 23008, ano 66º, 18 de Fevereiro de 1930, p. 1.

284 Desejou o jornal entrevistar igualmente os directores das Faculdades de Direito e da Faculdade de Farmácia, facto que a interrupção lectiva do Carnaval impossibilitou. Posteriormente, intentou-se a conversa, mas dada a inserção destes professores na comissão de estudos, adiante referida, compreendeu-se a impossibilidade de pronunciação dos mesmos sobre o assunto em causa. Cf. “Cidade Universitária de Lisboa. Duas Entrevistas que se não fazem e uma conversa, ao longo da rua do Ouro, com o presidente da Câmara Municipal”, Diário de Notícias, nº 23038, ano 66º, 18 de Março de 1930, p. 1.

285 “A Cidade Universitária de Lisboa e o que a seu respeito nos disse o Prof. Queirós Veloso, vice-reitor da Universidade”, op. cit., p. 1.

286 Idem, Ibidem, loc. cit.

287 Ao longo das entrevistas, são referidas as cidades de Milão, Madrid e Paris, e particularmente no caso das construções hospitalares, Lyon e S. Paulo.

288 “Cidade Universitária de Lisboa. Duas Entrevistas que se não fazem e uma conversa, ao longo da rua do Ouro, com o presidente da Câmara Municipal”, op. cit., loc. cit.

da cidade. O mesmo general Vicente de Freitas que, dois anos antes, afirmara que se canalizariam os esforços do Governo para o desenvolvimento da instrução primária gratuita e do ensino técnico agrícola, ao que “a secundária e a superior não será preciso desenvolvê-las com tanta intensidade e serão pagas por aqueles que as quiserem receber”289 – a frequência do ensino superior permanecia confinada a uma minoria desafogada financeiramente, o que demonstra a ineficácia da atribuição de bolsas de estudo.

1.2. A primeira comissão de estudo e o “projecto integral” sob reitorado de Caeiro da