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A escola e todas as suas ações, inclusive o Projeto Pedagógico, inserem- se no processo de promoção da vida humana. A sobrevivência do homem é assegurada e mantida pela capacidade coletiva de aprender, criar e adaptar-se a novos contextos, e, ao mesmo tempo, acumular conquistas, aprendizagens e “conhecimentos”. A educação é produto e produtora da Cultura, portanto “práxis”, que media e articula conhecimentos e práticas históricas. Severino (2002) aponta que a educação intencionaliza as ações humanas, no sentido de favorecer e garantir a existência dos homens.

Para manutenção e promoção de sua vida, o homem interage com a natureza e, nessa interação, insere-se no mundo da Cultura, como receptor e produtor. “O Homem nasce na Natureza e na Cultura, desta forma é fruto e ao mesmo tempo garantia da continuidade da Cultura e da História humana”. A existência humana é intrinsecamente histórico-social. (SEVERINO, 1998, p. 52).

A continuidade da existência humana justifica a relevância e a essencialidade da Educação. Neste sentido, o Projeto Pedagógico é a expressão humana reveladora das formas coletivas encontradas por estes homens para sustentação da vida.

O Projeto Pedagógico supõe o reconhecimento de que a atividade humana de educar em espaços escolares requer planejamento de ações e procedimentos articulados, objetivando metas comuns, e induz a compreensão da escola como uma instituição promotora de educação, que se organiza para concretizar um Projeto Cultural de construção e transmissão de saberes que garantam a sobrevivência humana com dignidade e autonomia. Dussel (2006) diz: “tudo o que se faz na história é vontade de vida”. A vontade da vida, por Dussel, ou o projeto cultural que garanta a sobrevivência humana indicam a compreensão da escola como instituição mediadora da sociedade, que contribui para o maior projeto social: a promoção e a manutenção da vida. Severino (2008) define a escola como uma instituição mediadora, como um espaço de “entrecruzamento”, pois atende às exigências e demandas sociais e aos anseios e sonhos individuais dos sujeitos que compõem a comunidade escolar. Segundo o autor, “a instituição escolar concretiza-se como lugar do entrecruzamento do projeto coletivo da sociedade com os projetos pessoais e existenciais de educandos e educadores”. (SEVERINO, 1998, p. 81).

O projeto pedagógico é constituído de ações e objetivos ligados à promoção da vida, intencionado pelo coletivo social; neste sentido, é um conjunto de ações humanizadoras, entendendo humanização como um processo de tornar o indivíduo dotado de características favorecedoras da sua vida, que é um bem coletivo.

Ao investir na constituição da cidadania dos indivíduos, a educação escolar está articulando o projeto pedagógico da sociedade – que precisa ter cidadão – aos projetos sociais desses indivíduos, que, por sua vez, precisam do espaço social para existir humanamente. (SEVERINO, 1998, p. 88).

O homem constitui-se nos processos educativos em que estão envolvidas, ao mesmo tempo, especificidades do contexto social e especificidades dos sujeitos sociais. A compreensão do inacabado, porque sujeitos sociais e históricos, não é a garantia de uma educação plena, e sim parte de um processo. Os sujeitos se fazem no contexto; assim, a liberdade, a consciência e a dignidade são valores básicos e critérios para sua autoprodução.

De acordo com Freire (2002), a promoção de sujeitos dignos, conscientes e livres requer, além da consciência do inacabado, dignidade, intencionalidade e autonomia. Este processo de humanização constitui-se na educação dos sujeitos na e para a comunidade (DUSSEL, 2007); portanto, o reconhecimento de que a continuidade da existência humana é a essencialidade das ações coletivas e particulares no campo da educação.

A intencionalidade do processo educativo escolar como favorecedor da vida com dignidade e autonomia também o justifica como ação coletiva, bem como o projeto pedagógico, se entendido como construção coletiva. A Constituição Federal no inciso VI, art. 206 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96, ao apresentar como princípio da educação a democracia, traz implícita também a crença da educação escolar como ação coletiva, dado que o processo democrático, em seu sentido real, é coletivo e participativo. O Projeto Pedagógico é uma prática coletiva a favor da vida da sociedade e dos sujeitos nas suas intenções e desejos, a favor do respeito à sua dignidade e autonomia.

O entendimento de projeto como ação coletiva e democrática requer o reconhecimento de que as ações que o constituem devam ser planejadas e executadas, reservando aos envolvidos a liberdade e o direito de decidir sobre suas vidas.

Todos devem ter o direito e a liberdade de tomar decisões sobre suas próprias vidas, mesmo, que ao exercer a liberdade, possam correr o risco de errar; pois, conforme afirma Freire, é decidindo que construímos, com autonomia, nosso projeto de vida. (PADILHA, 2008, p. 16).

O projeto pedagógico, à revelia ou não dos educandos e educadores, colabora nas determinações de suas trajetórias de vida e suas histórias. O projeto é constituído nas tensões entre regulação e emancipação. A LDB 9394/96 apresenta as formas de regulação desta atividade coletiva no art. 14: “I – participação dos profissionais da educação na elaboração do Projeto Pedagógico da Escola; II - participação da comunidade escolar em conselhos escolares ou equivalentes”. Estes princípios legais estão presentes no posicionamento da Deliberação 014/99 do CEE-PR, ao sugerir a adoção de políticas que se aproximem do entendimento de projeto pedagógico como construção coletiva, explícito no art. 2: “A elaboração da proposta pedagógica envolverá todos os segmentos da comunidade escolar”.

Além deste artigo, a deliberação 14/99, através da indicação 09/99, acentua uma defesa incondicional à construção de um projeto que envolva toda

comunidade escolar e encontre consonância teórica nas produções de Veiga (2007), Portela e Atta (1999) e Azanha (2000).

O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. (VEIGA, 2001, p. 11).

A defesa do projeto como construção coletiva, defendido por Veiga (2001), justifica-se pela compreensão do projeto nas dimensões política e pedagógica. Política, por expressar o compromisso sociopolítico da comunidade escolar, e pedagógica, pelo entendimento de que a ação educativa é constituída pelas ações de ensino que também são coletivas e objetivam ações particularizadas, o aprendizado. A autora apresenta o entendimento de projeto como um processo permanente de reflexão coletiva que envolve uma postura diagnóstica da realidade e a possibilidade de aproximar a comunidade escolar da concretização de seus objetivos coletivos.

Em consonância com o entendimento de projeto como processo de reflexão sobre a realidade, Azanha (2000, p. 20), em sua produção, aponta o projeto pedagógico como oportunidade para a “tomada de consciência dos principais problemas da escola, e das possibilidades de solução e definição das responsabilidades coletivas e pessoais para atenuar as falhas detectadas”. Estão presentes no conceito de projeto, além do entendimento de diagnóstico da realidade, a concepção de ação coletiva. Estes mesmos conceitos também estão apontados na produção de Portela e Atta (1999), entretanto com ênfase na concepção de projeto como “escola em movimento”, o que nas produções de Veiga (2008 e 2007) é pouco explorado, se considerada a ênfase dada às formas e métodos de construção do projeto pedagógico.

O Projeto Pedagógico como construção coletiva é constituído pelos acordos, princípios e objetivos estabelecidos pelos sujeitos que compõem a comunidade escolar, como também pelos limites estabelecidos pelas legislações vigentes. Neste sentido, as condições para a construção de uma educação de qualidade possuem consonância com as possibilidades e os limites que uma comunidade escolar possui para idealizar e vivenciar o seu Projeto Pedagógico.

Admitir um projeto significa ter consciência do que se quer, ou seja, se falo em projeto pedagógico tenho de ter, previamente, clareza que me estou pautando em determinadas concepções de educação e de ensino. Acredito que o ponto de partida para o projeto real é a explicitação de que queremos uma Escola Pública democrática – daí a importância de firmarmos o que entendemos por democracia. (PIMENTA, 2000, p. 21).

As condições econômicas e as ideologias neoliberais compõem os determinantes da vida contemporânea. Neste contexto, a democracia é entendida como um regime político, sendo desconsidera como forma de vida social, ou seja, a democracia consolidada é formal, baseada em ideias de participação e representatividade, o que Chauí (1996, p. 434) denomina de “apatia política”. A democracia concreta entendida como forma de vida social, de direito, enfrenta obstáculos econômicos e ideológicos no atual contexto social e educacional. Nas legislações educacionais analisadas (LDB 9394/96 e Deliberação 14/99), cabem os dois entendimentos de democracia, sendo o sentido reducionista – um regime político – o mais adequado. Segundo a autora, “há, na prática democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e um verdade muito maiores e superiores ao que a ideologia democrática percebe e deixa perceber”. (CHAUÍ, 1996, p. 430).

No contexto educacional, portanto, é possível idealizar um projeto pedagógico cujo entendimento de democracia defenda os ideais que envolvem direito a vida a alguns (concepção reducionista) com menores dificuldades, bem como, com grandes dificuldades, a construção de um projeto pedagógico, em que a consolidação de um projeto social que garanta a vida social em sua plenitude a todos seja o entendimento adotado.

Se é fato que a escola está à disposição de todos, isto não significa que efetivamente é de direito de todos. A escola que se oferece para todos não está desenraizada das condições sociais. Muito ao contrário, é uma escola que está imbricada na própria forma como a sociedade está organizada. (PIMENTA, 2000, p. 18).

De acordo com a autora, a consolidação de um projeto pedagógico possui dependência com o entendimento que temos de democracia e, para consolidar um projeto social a favor da vida, é necessário enfrentar obstáculos da concepção à concretização de seus objetivos, diante de uma organização social constituída por um regime econômico alimentado por legislações que reduzem a democracia a uma expressão política e colaboram na produção de ideologias favoráveis a um comodismo social (CHAUÍ, 1996), porque favorecem o entendimento da representação como única forma de garantia de seus direitos do povo.

O projeto pedagógico como construção coletiva tem a democracia como ponto de partida e de chegada, considerando que a democracia molda as formas de decisão e construção do projeto e, ao mesmo tempo, o projeto pedagógico colabora na consolidação da democracia como forma de vida. Padilha (2008), ao definir projeto

pedagógico, o considera exercício coletivo de tomada de participação e tomada de decisões que favorecem a plenitude da democracia e, ao mesmo tempo, o justifica; diz ainda que “pensar o planejamento educacional e, em particular, o planejamento visando ao projeto pedagógico da escola é, essencialmente, exercitar nossa capacidade de tomar decisões coletivamente”. (PADILHA, 2008, p. 73).

Tomar decisões coletivas significa reconhecer que uma comunidade escolar, através de seu Projeto Pedagógico, revela consensos e divergências na organização de um projeto pedagógico que atenda às necessidades e demandas de um projeto social e, ao mesmo tempo, os anseios particulares dos sujeitos que compõem a comunidade educativa.

As relações estabelecidas entre Projeto Pedagógico, projeto social e projeto pessoal são dinâmicas e complexas, não se restringem às influências de via única, ao contrário se retroalimentam e formatam o sentido da educação escolar, superando inclusive as ideologias das competências técnicas que sugerem distinções entre o pensar e decidir, e o executar nos processos escolares.

Neste sentido, o Projeto Pedagógico e seu ideário educativo na sociedade contemporânea são mais bem compreendidos a partir dos seus referenciais. Segundo Dussel (2006), “Idéias, motivos e práticas, a sua razão de existir é a obediência a um projeto cultural”. Este projeto cultural é construído a partir de referências sociais dos sujeitos, da educação, da sociedade, tendo sentido e, ao mesmo tempo, sendo significado na e pela democracia.

Estas relações envolvem saberes e poderes estabelecidos no dia a dia da escola, justificam e são a referência para a afirmação ou a negação das ideologias, utopias e ações da comunidade escolar. O projeto, como construção coletiva, está presente na vida da comunidade escolar, no mundo ideológico e operante da instituição em âmbito social e pedagógico. “O projeto não é algo que é feito e em seguida ‘mostrado’. Ele é vivenciado desde o primeiro momento como parte da dinâmica da prática dos educadores”. (RIOS, 1992, p. 75).

O Projeto Pedagógico como ação coletiva possui radicalizações nas verdades que compõem e sustentam o contexto histórico e social, e nas formas e verdades vivenciadas pelos sujeitos, no microcontexto da comunidade escolar e no macrocontexto social; é um campo de tensões entre os desejos e poderes do coletivo e do indivíduo. Os sujeitos envolvidos nas ações de ensino e aprendizagem personificam as ações previstas no Projeto Pedagógico, tornando, assim, cada aprendizagem uma

história única, um momento único no tempo, uma ação singular, pois, mesmo que os conteúdos se repitam, os sujeitos, o tempo e a história não são mais os mesmos.

Os projetos que se organizam nas unidades escolares atenderão às exigências específicas de cada uma delas, levando em conta sua situação peculiar, mas também estarão conectados com outros projetos, com diretrizes que se definem em âmbito amplo do conjunto da sociedade. (RIOS, 1992, p. 77).

O Projeto Pedagógico revela escolhas, revela o descarte de possibilidades não adotadas e os anseios, valores e objetivos humanos, conscientes e inconscientes, pretendidos deste mesmo contexto social. Assim, Sacristán (1998, p. 26) aponta: “O currículo que num momento se configura e objetiva como um projeto coerente, já é por si o resultado das decisões que obedecem a fatores determinantes diversos: culturais, econômicos, políticos e pedagógicos.” Ou seja, não se trata de um artefato cultural neutro; ao contrário, a rede da vida está em construção, as relações humanas são permeadas por uma rede social produtiva de poder, um campo de tensões.

Definir projeto como construção coletiva significa atentar-se ao contexto social. A rede social molda os sujeitos, fabrica corpos disciplinados (FOUCAULT, 2007) e também possibilita conscientizar-se das verdades estabelecidas e/ou impostas, estabelecer conflitos e contradições, e alterá-las, ou melhor, (re)construí-las. Cabe à educação através de seu projeto pedagógico mediar a realização destas ações, o que implica possibilitar ao educando a descoberta de si como humano, sendo seu valor básico a dignidade de ser pessoa, consciente e livre. (SEVERINO, 1998, p. 80).

O Projeto Pedagógico é permeado de uma gama de intenções, ações e interesses da comunidade escolar. Ao mesmo tempo, é projeto a ser realizado, portanto constitui-se como ações previstas e objetivadas que devem determinar as formas e os modos, as possíveis verdades que sustentam a construção do ensino e a aprendizagem escolar. Os atos de construir e efetivar o Projeto Pedagógico são plissados de imprevistos não explícitos, que surgem na emergência do choque de interesses entre alunos e professores, individualidades envolvidas e constituídas pelo social, em ações coletivas de ensino, objetivando uma ação particularizada, a aprendizagem.

Se a escolarização e os conteúdos que a enriquecem acolhem finalidades diversas, porque correspondem a funções variadas sedimentadas sobre essa escolarização, significa que os impulsos que orientam a educação são complexos e que é urgente analisá-los como processos causados por múltiplas e diferentes lógicas. (SACRISTÁN, 1999, p. 148).

Entre essas diferentes lógicas está a apropriação de conhecimentos como ação favorecedora do desvelamento das verdades que sustentam a dinâmica social; isso é realizado quando garantida a prática democrática e entendimento de que os sujeitos possuem o poder e estabelecem campos de tensões necessários à promoção da vida. (DUSSEL, 2007; FOUCAULT, 2007). O entendimento de projeto pedagógico como construção coletiva, expressão democrática, sugere reconhecê-lo como instrumento e poder da comunidade.

O Projeto Pedagógico, neste sentido, não é um produto pronto a ser aplicado no contexto escolar, nem tão pouco o resultado de um processo educativo; por ser um consenso, é a síntese da cultura escolar e do currículo como “[...] um processo, uma práxis, em que acontecem múltiplas transformações que lhe dão um sentido particular, valor e significado” (SACRISTÁN, 1999, p. 26). O sentido particular, o valor e o significado são constituídos através do poder de participar democraticamente das ações de ensino e aprendizado. Estas ações não possuem fundamentos sólidos, referenciais democráticos próprios. No contexto educacional brasileiro, o poder de participação, a possibilidade de construção coletiva de processos educativos são experiências recentes, constituídas a partir do século XX.

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