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Construção da parceria: pedra de toque do PRONERA

5 O PRONERA, uma política pública de EJA para o campo? A

5.2 Construção da parceria: pedra de toque do PRONERA

Ao longo da leitura dos relatórios da UFC, aspectos expostos de forma

sutil nos primeiros documentos, sobre a relação entre parceiros, vão aos poucos

sendo melhor explicitados. As falas nas entrevistas e conversas informais, desde as

primeiras idas ao assentamento com a equipe, denotaram as dificuldades de

construção da parceria que transparece nos registros escritos. Consoante pude

constatar, a própria mudança na apresentação das informações, segundo o

Relatório Técnico (UFC, 1999b), é uma resposta às indagações colocadas pelo

INCRA quanto ao desenvolvimento das atividades pedagógicas. Durante a reunião

104 São constatações também presentes em artigos (ANDRADE; DI PIERRO, 2004) e análises de experiências que constam da terceira parte do livro a Educação na reforma agrária em perspectiva – uma avaliação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (ANDRADE, DI PIERRO, MOLINA E DE JESUS, 2004)

da pesquisa em 10 de outubro de 2000, a Profa. Eliane Dayse P. Furtado explicara a

não aceitação do relatório:

A gestora do PRONERA no INCRA vai aos assentamentos, se as coordenadoras ou a turma não estiver reunida, ela não aceita o relatório porque diz que não estava havendo aula e assim, não houve alfabetização. Não importa os motivos [...] a falta de recursos para o pagamento dos monitores ou para o transporte dos coordenadores [...] não aceita. Mas é papel do INCRA questionar o trabalho pedagógico da Universidade? De jeito nenhum [...]

Ou seja, o relatório mencionado expôs, minuciosamente, questões

teóricas como explicação sobre a EJA, processo de letramento ou alfabetismo, os

objetivos do processo de alfabetização no PRONERA. Assim, pretendia firmar a

autonomia da universidade por meio dos conhecimentos que justificavam, em parte,

seu ingresso no projeto.

No Relatório Técnico-Pedagógico referente às atividades de 2000/2001

(UFC, 2002, p. 20-21) a questão é colocada com clareza:

A construção de parceria, entre os movimentos sociais do campo e entidades governamentais, mostrou-se dificultosa, evidenciando-se a

necessidade de um redimensionamento no tocante à postura das entidades ligadas ao governo, pois é indispensável que a comunicação,

entre as organizações envolvidas, seja pautada no respeito às

diversidades e aos interesses dos(as) trabalhadores (as) envolvidos (as)

nesta ação (Destaques meus).

A menção às dificuldades no trabalho conjunto que implicam um

redimensionamento das posturas, principalmente dos órgãos governamentais, leva à

indagações sobre quais posturas são estas, embora o documento reclame respeito à

diversidade e aos interesses dos trabalhadores. Mas, como se concretizava esse

Na entrevista coletiva com os coordenadores do PRONERA na UFC, em

11 de janeiro de 2005, todos se referiram à questão:

A posição do INCRA era de fiscalizar, de investigar, era de mandar regularizar até uma nota de caminhão que vinha de um assentamento lá do fim do mundo, que o dono mal tem o caminhão quanto mais a nota fiscal. Então isso não é uma postura de parceria, se fosse, eles confiariam no crédito que nós tínhamos dado àquele povo (Profa. Eliane Dayse P. Furtado, professora da UFC, Coordenadora Geral do Pronera).

Aí vem a natureza da parceria ou como ela se construiu e vem realmente resultar nessa falta de autonomia. [...] Agora a natureza da parceria e o tipo de política que foi implementada estão cada dia mais visíveis a falta de autonomia, a focalização do problema, falta de universalismo da política, falta de orçamento, mas a natureza da política permanece, que é compensando uma dificuldade que já é histórica (Célia Maria Machado de Brito, Coordenadora de Campo do PRONERA - UFC).

Realmente é uma questão de autoritarismo, fala-se em autonomia e eu sempre falo: que autonomia? Porque autonomia está muito próxima, para algumas pessoas, de autoritarismo, as palavras se parecem, e na prática também, quando não há confiabilidade entre os parceiros (Maria Yolanda Maia Holanda, Coordenadora Pedagógica do PRONERA - UFC).

O confronto entre o relatório e as falas mostra que a questão central é a

autonomia de cada parceiro e respeitá-la significa confiança. Silva (2004) também

registra problemas dessa ordem ao analisar a experiência do PRONERA na região

de Itapeva, sudoeste paulista, onde o INCRA é apontado como fiscalizador e não

colaborador.

A respeito do uso de relatórios e outros documentos institucionais para

análise investigativa, comenta Neves (1997, p. 70):

Os dados, em si, não são os mais fundamentais [...] não interessam tanto os fatos, mas os princípios e os confrontos; o que fala de si mesma (instituição) e para as outras; o que revelam os modos de exercício do poder. O texto deve ser entendido como um instrumento de luta política, porque exprime interesses em concorrência ou em busca de reconhecimento [...].

Destarte, acato sua recomendação e procuro auscultar os “princípios e

confrontos” que mostram “os modos de exercício do poder”. Ou seja, apesar de ser o

INCRA responsável por “acompanhar e avaliar em conjunto com os demais parceiros”, a aplicação de recursos e a execução do plano de trabalho e do projeto

(MDA, 2004), não assumiu a postura de trabalho compartilhado e sim de gerência

das atividades. O que estava em jogo, sob protesto da autonomia, era resguardar-se

os papéis que justificavam a permanência de cada parceiro. Isto implica também

demarcação de poderes.

As considerações de Paulo Roberto de Sousa Silva, graduado em

Pedagogia, ex-bolsista da pesquisa já referida sobre educação nos assentamentos

rurais ocorrida em Santa Bárbara, expõem percepção similar sobre a questão:

Na prática é assim, o INCRA financia e fiscaliza, ou então financia e acompanha, é isso mesmo, ele pode fiscalizar no sentido simplesmente de ver o que não está funcionando e a partir daquilo contribuir pra que avance, ou pode fazer como era anterior fiscalizar pra punir e perseguir, mas ele acaba não participando da discussão, ele tem papel muito mais ligado há [...] é quem paga a conta, muito mais quem paga a conta e fiscaliza. A universidade é muito mais quem pensa, quem é responsável pela execução, hoje está assim. O movimento é quem mobiliza, faz a demanda. Aí os parceiros são consultados na construção do PRONERA, mas efetivamente são papéis diferentes, dentro do que está programado a universidade tem um papel mais na execução do projeto, na prática, aí depende um pouco da correlação de forças.

A construção da parceria mostra-se processual, para aquém ou além da

assinatura de convênios. Quando os movimentos buscam as universidades, já

procuram mediadores como professores ou alunos com quem têm vínculos de

confiança para elaboração dos projetos; após a aprovação e ao se firmarem os

contratos de trabalho, a relação com novas instituições ainda estarão por ser

Ao se identificar protagonistas aliados e antagonistas, verificam-se

interrelações contraditórias que também são flutuantes, ou seja, em determinados

momentos podem os aliados tornarem-se antagônicos. Isso depende, em muito, do

confronto das lógicas institucionais com os movimentos sociais. De forma clara,

expõe Mônica Molina, Coordenadora Nacional do Pronera, quando concedeu esta

entrevista:

No geral, a primeira coisa que é, ao mesmo tempo contado como grande vantagem no PRONERA, é o grande problema, que é essa relação de parceria. O que é ser parceiro? E como são duas instituições com lógicas tão distintas, com ritmos, ritos, com culturas diferentes, como que a gente trabalha junto? Em todas essas oportunidades de parceria o movimento social tem cobrado muito mais espaço da universidade do que a universidade tem sido capaz de dar, ao mesmo tempo a universidade tem achado que já está cedendo muito, até pela rigidez, do tradicionalismo e ai está um ponto de embate que precisa ser superado, isso vai desde coisas externas, relação com os departamentos, com os outros professores, com a coordenação das universidades que participam do programa, até coisas internas da relação de cada um, dos professores de aceitar a mística, de aceitar as palavras de ordem, de aceitar toda a lógica dos movimentos sociais que muitas vezes não cabe dentro da universidade. E ao mesmo tempo, a gente tem percebido que esse jeito de ser do movimento social dentro da universidade tem oxigenado a própria universidade, tem colocado novas questões para os cursos e tem feito com que os professores repensem muito das suas práticas de sala de aula. Então, acho que essa questão da relação de parceria, ao mesmo tempo que ela é a grande diferença no PRONERA, também é a grande dificuldade de achar um equilíbrio e envolve não só a universidade e o movimento social, mas também, a gente espera, a relação movimento social – INCRA. A idéia atual é que o INCRA, dentro dos INCRAs, quer dizer, o INCRA é um pedaço do Estado que está, agora, de fato comprometido em viabilizar o sucesso dos assentamentos (Entrevista em 9 de setembro de 2003, no MDA em Brasília).

Nesta mesma direção, reflete Maria de Jesus dos Santos Gomes,

membro do Setor Nacional de Educação do MST106, em entrevista concedida em 15

de novembro de 2004, em acampamento em frente ao INCRA, na Avenida José

Bastos, comentado no terceiro capítulo:

106

Além de Maria de Jesus, participaram Francisca Maria Ferreira da Silva (Leide) e Maria das Graças Paulino (Gracinha) do Setor Estadual de Educação do MST.

O PRONERA é uma construção entre o MST, entre outros movimentos sociais, entre o governo e entre a universidade. A natureza desses três atores é completamente diferente e as tensões que existem na implementação do PRONERA, é a natureza dos três atores [...] um movimento social ele não vai se engessar como uma instituição é engessada. Você veja que a universidade é engessada, ela faz o planejamento pro ano que vem, e sabe tudo que vai acontecer, nós não temos isso, nós temos o planejamento, mas durante o ano o enfretamento da luta de classes é o que vai determinar alguma ação que nós tenhamos que fazer imediatamente para enfrentar um determinado problema que a gente tá sofrendo no dia-a-dia. E aí, nesse sentido, é importante compreender o governo, que é uma instituição que às vezes cede para o movimento e às vezes não cede. Então, a gente tem que entender isso [...] e uma coisa que eu vejo é que a gente tem que ter uma atitude de aprender a aprender. Todos temos algo a ensinar. Se a gente parte desse pressuposto, e todos vão construindo porque faz parte do processo, a gente vai conseguir, a gente vai avançar, mas se cada um ficar do seu lado, não querer ter uma leitura, não querer ceder, é muito complicado.

Do exposto, conforme se depreende, as relações entre os parceiros

importa em conflitos de várias naturezas. Podem estar associados aos papéis que

cada um se auto-atribui e aos outros, os quais, não raro, extrapolam o previsto no

Manual de Operações, pois são negociações surgidas no desenvolvimento das

ações. Relaciona-se à forma de cumprimento destes papéis possível de acontecer

com base em decisões consensuadas ou impostas, evidenciando confiança mútua

ou não, e ainda às lógicas próprias de cada envolvido como se referem Mônica

Molina (2004) e De Jesus (2003).

Nenhum destes aspectos podem dissociar-se dos projetos políticos

encarnados por cada um e da ideologia propagada, sejam os representantes

institucionais, os funcionários públicos, os movimentos sociais ou o governo à frente

das instâncias deliberativas federal, estadual ou municipal, não havendo

necessariamente alinhamento, entre governo e funcionários dos órgãos

governamentais. Assim explica Souza (2002, p. 217) em texto sobre a relação entre

sempre são portadores das concepções governamentais, pois as pessoas que se

envolvem nas parcerias possuem visão mais flexível, poderíamos dizer, em relação

aos movimentos sociais”.

A capacidade de discernimento destas questões é um aprendizado

elaborado pelos participantes, como referem De Jesus e Mônica Molina. Muitas

vezes há um espaço restrito para o diálogo “diante da ausência de porosidade”

(SOUZA, ibidem) que podem apresentar os envolvidos, como ocorreu nos confrontos

com o INCRA relatados. Desta forma, “o diálogo existe entre alguns dos sujeitos envolvidos num e noutro espaço, mas não entre a instituição e o movimento como

um todo”. (SOUZA, ibidem)

Tal situação é configurada na fala de Paulo Roberto, bolsista universitário

do PRONERA, em 2001, ao comentar o desenvolvimento dos projetos:

Isso muda um pouco em função de quem são os sujeitos que estão na execução, os gestores na universidade. Mas nessa experiência, penso que na outra também, tanto para a primeira quanto na segunda107, eu vejo um problema no projeto, na hora de desenhar o projeto, então o movimento pode ser mais ou menos ouvido dependendo de quem está construindo o projeto.

Como afirma Dagnino (2002)108, o reconhecimento do outro, como

portador de direito, de especificidades, lógicas e projetos políticos diferenciados é

fundamental para o alargamento democrático da estrutura estatal, fortalecendo a

noção de cidadania como a consciência do direito (JELIN, 1994).

107 A “primeira experiência” diz respeito ao Projeto de Alfabetização da UFC (1999-2001), no qual se concluiu as salas de EJA do Assentamento Santa Bárbara, aqui enfocada. A “segunda” reporta-se ao Curso de Magistério Superior Pedagogia da Terra, convênio da UFC com o MST e o INCRA/MDA, no âmbito do Pronera, iniciado em 2005 com uma turma de 110 alunos.

108 A autora adverte que se refere ao Estado não apenas como conjunto de forças que ocupam o poder nos vários níveis (municipal, estadual e federal), mas “especialmente à estrutura estatal, cujo desenho autoritário permanece largamente intocado e resistente aos impulsos participativos” (DAGNINO, 2002, p. 279).

Consoante pondera Caccia Bava (1999, p. 15 apud SOUZA, 2002, p.

217), o aprendizado democrático “requer o reconhecimento por parte de todos que justamente por que são diferentes é que se potencializam mutuamente, ele requer o

respeito à multiculturalidade, à autonomia e independência de cada um de seus integrantes” (Grifos meus). Construir esse reconhecimento é caminho

tortuoso eivado de tensões e conflitos de maior ou menor amplitude a depender do

“quantum identitário” partilham e da essencialidade que a ele atribuem as partes

envolvidas (DAGNINO, 2002).

Compartilhar com maior centralidade, além dos aspectos políticos e

ideológicos que implica, é também respeitar os saberes e conhecimentos do outro. É

uma questão desafiadora, pois aqueles que por motivos diversos acumularam mais

saber sobre o objeto em discussão, são tentados a olhar o parceiro não somente

como diferente, mas inferior. Assim, no caso em apreço, o INCRA tinha domínio

sobre a contabilidade e prestação de contas, a universidade sobre o processo de

alfabetização e os movimentos sobre a organização política.

Reconhecerem-se, no sentido empregado por Caccia Bava (1999),

pressupõe uma relação de aprendizado como refletem as falas de De Jesus e

Mônica Molina transcritas nos depoimentos há pouco mencionados e também os de

Eduardo Barbosa, Superintendente do INCRA, e Maria das Dores Ayres Feitosa,

gestora do Pronera no INCRA-CE, cargos assumidos em 2003:

Aqui dentro também a gente tá conseguindo superar essas dificuldades mais burocráticas. Ficaram alguns resquícios daquele período anterior que nós tivemos que ir superando, sanear, contabilidade, essas coisas que ainda estavam muito presentes internamente (Eduardo Barbosa).

Percebe-se que há um canal de comunicação muito mais fácil, mais rápido, a gente se entende melhor, entendeu, não há aquela questão assim, que alguém está ganhando ou então está disputando, não, a gente trabalha como se fosse uma equipe, [...] a gente ajuda o outro na dificuldade [...]

acho que parceria é isso, é você contar, você somar esforços diante das dificuldades e está lá, é uma equipe, a gente não tem aquela coisa, é o INCRA, é o movimento, é a universidade, a gente está ali junto (Maria das Dores Ayres Feitosa).

Toca também numa questão crucial já mencionada a demarcação de

poderes109. Neste contexto, justifica-se a “evocação” ao “equilíbrio” feita por Tony e

Paulo Roberto:

Então é muito na marra mesmo, porque dentro do que está definido o movimento acaba tendo uma função secundária, e a avaliação que eu faço é que o projeto não tem compreendido, avaliado significativamente a importância do movimento social, e da contribuição mesma, pedagógica do movimento social para reforma agrária [...] O PRONERA nota 10 você teria uma participação mais equilibrada dos parceiros (Paulo Roberto de Sousa Silva).

Ainda precisa melhorar bastante essa relação entre parceiros, o termo parceria de fato não é praticado, não existe a parceria que é a ajuda mútua, a complementariedade dos elementos que compõe isso ali , em prol do bem da execução do objeto (Francisco Antônio Alves Rodrigues – Tony).

Do seu jeito invocam a validade do sentido etimológico da palavra

parceria, a qual, segundo Munarim (2005), vem do latim patiariu e quer dizer

semelhante, igual.

Essa tentativa de “reconfiguração por dentro” da estrutura estatal é caminho árduo e doloroso como enuncia Furtado (2003, p. 208) acerca da vivência

nos projetos da UFC, aqui enfocados:

Com certeza muitos foram os embates na busca da fidelidade aos princípios que norteavam nossa proposta. E concretamente, realizar o que colocamos como procedimento e metas foi tarefa árdua e muito sofrida para todos. A contradição na matriz dessa política, sob coordenação do INCRA e execução da universidade em integração com o MST, não poderia

oferecer prognósticos auspiciosos. Entretanto, podemos dizer que a

experiência foi positiva, muito rica.

109

Dagnino (2002, p. 282) na análise sobre vários estudos de caso que tinham como enfoque a sociedade civil no Brasil e a construção dos espaços públicos, considera ser possível afirmar que o foco mais generalizado dos conflitos é a “partilha efetiva do poder”.

Quando cita o “prognóstico não auspicioso” vislumbrado naquele

momento, leva-nos a crer que se referia às atividades de desenvolvimento do projeto

no governo FHC, como aqui demonstrado. Ao mesmo tempo, conforme lembra, não

se pode analisar as parcerias desvinculadas do seu contexto histórico, viés por mim

perseguido no quarto capítulo ao tentar compreender o fortalecimento da temática

nos anos 1990.

Se, por um lado, principalmente nessa década, as interferências dos

Organismos Internacionais (OI) levaram, no Brasil, à conformação de um Estado

minimizado socialmente, por restringir as políticas sociais que assim investem na

privatização do público, delegando à sociedade civil, por meio dos parceiros, parte

de suas funções, por outro, elucida, Carvalho (2005, p. 9), este Estado Ajustado

encontra como obstáculo “um projeto político democraticamente amadurecido, desde

o período da resistência ao regime militar fundado na participação da sociedade”.

Como avalia a autora, embora este projeto não tenha sido hegemônico

nos últimos quinze anos, configurou relativo peso político e certos rebatimentos na

reorganização do Estado Brasileiro. Apoiada em Maria Célia Paoli e Vera da Silva

Telles aponta duas conquistas-chave: espaço público informal, descontínuo, plural,

se elaborou e difundiu a consciência do direito a ter direito e a constituição de

políticas culturais, postas em prática pelos movimentos sociais ressignificando

noções/padrões e valores, e constituindo o conflito como via democrática por

excelência (CARVALHO, 2005, p. 10).

Prossegue a autora analisando que no embate entre as lógicas

contraditórias do Estado Democrático e Ajustador, a sociedade civil e, nela, os

viabilização de direito via Políticas Públicas”. Estas passam a constituir-se espaço

privilegiado de atuação política no (re) desenho do Estado brasileiro, estabelecendo

um vínculo necessário entre conflitos /demandas por direitos e busca de alternativa

de emancipação” (CARVALHO, 2005, p. 12-13).

Assim, em consonância com Carvalho (2005), quanto à inserção dos

movimentos sociais via luta por direitos a serem garantidos em políticas ou

programas sociais, como busca de consolidação de um projeto de Estado

democrático, pode-se perceber através do zoom dado na construção de parcerias do

PRONERA, que os questionamentos de autonomia entre os atores, a reclamação

pela validação de saberes, a busca de parceiros-aliados e a pressão por efetiva

partilha do poder constituem-se como indicativos das formas intra e extra-

institucionais às quais esse projeto democrático resiste.

Desta forma, ao afirmar Di Pierro (2000) que o PRONERA no seu

nascedouro apontava para uma forma de parceria nesta perspectiva, análise referida

no capítulo 4, a história da experiência em foco não só confirma como testemunha o

quão difícil essa construção tem sido. Tal constatação leva-me a refletir: se o

PRONERA nasce com a marca da luta dos movimentos sociais rurais e oficialmente

garante, por meio dos Manuais de Operação do programa, sua participação em

todos os momentos desde elaboração, acompanhamento e avaliação das ações e

mesmo assim constituir essa parceria mostra-se bem além das assinaturas formais

dos convênios, quantos esforços outros grupos vis-à-vis os movimentos sociais

rurais têm empenhado na conquista dos seus direitos, via políticas sociais, incluindo-

se neste projeto de Estado democrático. Apesar de todas as lutas e conquistas

permitem considerá-lo uma política pública. No ano de 2002, segundo os parceiros

avaliaram, a continuidade do governo do PSDB, com eventual vitória do candidato

José Serra à Presidência não traria realmente prognósticos auspiciosos para o

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