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A CONSTRUÇÃO DE UMA MENTALIDADE AERONÁUTICA NO GOVERNO VARGAS

O campo da aviação alcançou, durante os quinze anos nos quais Getúlio Vargas ocupou o principal cargo executivo da República, uma trajetória ascendente, impactada por alterações profundas e substanciais. Uma das características que mais marcaram o desenvolvimento processado no período, inclusive com o intuito de acelerá-lo, foi a elaboração de um projeto de Estado36, voltado à construção daquilo que se convencionou chamar na época de uma mentalidade aeronáutica. Ela consistia na compreensão generalizada da importância fundamental para o Brasil da expansão da navegação aérea como meio de comunicação, de defesa e de progresso, a partir da qual seria despertado em toda a população o interesse pelo assunto, levando-a a agir em prol da causa. Essa mentalidade aeronáutica, tal qual uma moeda, apresentava duas faces. Nesse caso específico, uma civil e outra militar. A análise de seu percurso de elaboração permite dividi-lo em duas fases: origem (1930 a 1939) e auge (1940 a 1945).

1.1 – A gênese da mentalidade aeronáutica (1930-1939)

Embora o ápice do desenvolvimento da aviação, no período de 1930 a 1945, tenha se dado durante o Estado Novo, as primeiras medidas em benefício da área foram empregadas nos governos provisório e constitucional. Sem dúvida, as providências tomadas nesses momentos políticos, em certo sentido, abriram caminho para que se tornasse possível a criação do Ministério da Aeronáutica, em janeiro de 1941. Sendo assim, tanto as estruturas físicas quanto os planos simbólicas desenvolvidos pelos ministérios da Guerra, da Marinha e da Viação e Obras Públicas serviram de base às ações futuras de Salgado Filho, inclusive no que diz respeito aos métodos utilizados para viabilizar da melhor maneira a construção de uma mentalidade aeronáutica.

36 A noção de projeto está sendo utilizada no sentido empregado por Gilberto Velho: “conduta organizada

para atingir finalidades específicas”. Ver: VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das

31

1.1.1 – A atuação dos ministérios da Guerra, da Marinha e da Viação e Obras Públicas

Inúmeras ações voltadas ao incremento da aviação no Brasil foram desenvolvidas nos primeiros anos da chegada de Vargas ao poder. Entre as revistas e os livros produzidos pelo regime, alguns deles apresentaram exemplos de tais iniciativas. Durante o Estado Novo, a organização de uma das mais importantes dessas produções literárias ficou a cargo do ministro da Educação e Saúde. Com o intuito de celebrar em 1940 os dez anos do governo, ele organizou um livro ilustrado sobre as realizações empreendidas no período. Embora nunca tenha sido publicada, a prova tipográfica dessa obra encontra-se depositada no Arquivo Gustavo Capanema e permite o acesso a um discurso do regime sobre si mesmo. Com o passar do tempo, ainda que a data inicial estimada para ocorrer a publicação se afastasse cada vez mais, dados continuaram sendo acrescentados ao material até 1945, porque o ministro permanecia nutrindo a expectativa de publicá-lo em algum momento37.

Para ter acesso às informações sobre as atividades empreendidas pelos ministérios e por outros órgãos do governo necessárias à organização da obra, a Pasta da Educação e Saúde solicitou-as a cada setor da administração pública. Depois de recebidas, passaram a ser revistas, reescritas e organizadas em capítulos. O Arquivo Gustavo Capanema preservou duas versões do capítulo reservado à Aeronáutica: uma prova tipográfica datada, dependendo da parte, de 31 de março e de 1º de abril de 1943 e a outra de 14 de setembro de 1945, cujos conteúdos narrativos são completamente diferentes38. Na versão de 1945, houve a caracterização de três momentos bem distintos no desenvolvimento do setor aéreo do país: antes de 1930, após a chegada de Getúlio à presidência da República e depois da criação do Ministério da Aeronáutica. Esse material serviu de guia e junto a outras fontes, como o artigo “A aviação civil brasileira

37 Toda a documentação a respeito da elaboração da “Obra getuliana”, composta por manuscritos e pelas

versões preliminares e acabadas dos capítulos, encontra-se reunida em: Arquivo Gustavo Capanema, GC i 1938.00.00/2, microfilme rolo 69 fot. 747 a 998 e rolo 70 fot. 1 a 976. FGV/CPDOC. Para uma análise do projeto editorial do livro, ver: LACERDA, Aline Lopes de. “Fotografia e propaganda política: Capanema e o projeto editorial Obra getuliana”. In: GOMES, Angela de Castro (org.). Capanema: o ministro e seu

ministério. Rio de Janeiro: FGV, 2000. Pp. 103-139.

38 O capítulo de 1943 situa-se no rolo 70, pasta XIII, fot. 344 a 356; e o de 1945, no rolo 70, pasta XIX,

fot. 800/1 a 806/4. Em 1982, Simon Schwartzman, com base nessa documentação encontrada no Arquivo Gustavo Capanema, organizou um livro com a reprodução do conteúdo textual da “Obra getuliana”, ao selecionar para publicação, entre o material disponível, algumas versões dos capítulos. No caso da aviação, foi publicada, com cortes, apenas a variante de 1945. Ver: SCHWARTZMAN, Simon (org.).

32 no período de 1930-1940”39, permitiu a realização de um panorama do campo nos dois

primeiros momentos demarcados.

O tópico inicial do capítulo dedicado à Aeronáutica, intitulado “O que era a aviação brasileira em 1930”, anunciou aquilo que considerava ser o estado precário da navegação aérea nacional deixado pela Primeira República. Dos três setores que a conduziam, “a aviação militar, fundada em 1919, achava-se reduzida a uma Escola de Aviação no Campo dos Afonsos, desprovida de meios, embora controlada por uma Diretoria de Aviação Militar”40. Por sua vez, a “aviação naval, iniciada em 1912, não

passava de pequeno núcleo de pilotos, com poucos aviões”41. Já a “aviação civil

limitava-se a dois aeroclubes de parcos recursos e possibilidades quase nulas. Aqui e ali, um ou outro piloto civil se aventurava a voar, lutando com obstáculos tremendos”42.

Finalmente, “a aviação comercial, inaugurada em 1927, apenas começava a levantar- se”43. Sendo assim, o objetivo da versão de 1945 da prova tipográfica do livro a respeito

das realizações do governo Vargas era o de ressaltar os avanços alcançados no setor nos últimos 15 anos, os quais constituiriam “um dos esforços mais notáveis pelo progresso do país e talvez uma das maiores consagrações da obra criadora de uma Revolução”44.

A primeira ação de Vargas em prol do desenvolvimento das aviações civil e comercial ocorreu já em 1931, quando foi criado o Departamento de Aeronáutica Civil, pelo Decreto n°. 19.902, de 22 de abril de 1931, subordinado ao Ministério da Aviação e Obras Públicas. Em 1936, essa Pasta organizou uma publicação que continha o texto do decreto e uma explicação mais detalhada dos motivos pelos quais o governo resolveu fundar esse departamento. A principal motivação alegada para a criação foi a de que os novos objetivos que se apresentavam ao governo em matéria de aeronáutica comercial não poderiam mais ser alcançados com eficiência por nenhuma das repartições existentes no Ministério da Viação e Obras Públicas. O momento exigia um novo órgão administrativo autônomo, capaz de atender às questões técnicas, jurídicas e

39 Ver: NOBRE, Iolanda de Araújo. “A aviação civil brasileira no período de 1930-1940”. Revista

Cultura Política, ano I, num. 2, abril. Rio de Janeiro: DIP, 1941. Pp. 91-101.

40 Arquivo Gustavo Capanema, GC i 1938.00.00/2, microfilme rolo 70, pasta XIX, fot. 800/3.

FGV/CPDOC.

41 Idem. 42 Idem. 43 Idem. 44 Idem.

33 administrativas de feições inteiramente novas, que exigiam métodos e processos de trabalho diversos dos até então adotados na administração pública45.

Segundo o livro de Capanema, o resultado advindo da publicação de tal decreto permitiu à aviação comercial deslanchar, tomando impulso considerável, conforme demonstrava o quadro estatístico elaborado para a obra:

ANO PASSAGEIROS BAGAGEM Kg CORRESPONDÊNCIA Kg CARGA Kg 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 4.667 5.102 8.894 12.750 18.029 25.592 35.190 61.874 63.423 70.724 82.869 33.864 46.618 101.884 145.074 213.089 325.102 478.057 795.998 894.940 999.894 1.027.395 31.946 47.908 68.207 75.057 73.542 79.652 118.652 149.138 185.642 202.520 234.962 9.606 21.916 129.874 112.755 142.636 161.720 153.013 235.024 354.975 446.138 432.366

Fonte: Arquivo Gustavo Capanema, GC i 1938.00.00/2, microfilme rolo 70, pasta XIX, fot. 801/4. FGV/CPDOC.

Outras medidas que contribuíram para despertar o interesse geral sobre a aviação partiram da Comissão de Turismo Aéreo do Touring Clube do Brasil, composta por aviadores do Exército, da Marinha e civis. A mais importante delas foi a criação, em 1935, do Dia do Aviador e da “Semana da Asa”, para relembrar, uma vez por ano, o primeiro voo de Santos Dumont com o aeroplano 14 Bis, ocorrido em 23 de outubro de 1906, no campo de Bagatelle, em Paris. O presidente tornou oficiais tais celebrações no ano seguinte, por meio da Lei n°. 218, de 4 de julho de 1936, a qual instituiu o Dia do Aviador, celebrado em 23 de outubro. Os poderes públicos providenciaram para que essa comemoração tivesse “sempre condigna celebração cívica, desportiva e cultural, esta especialmente escolar, e acentuando-se a iniciativa do notável brasileiro Santos Dumont, quanto à prioridade do voo em aparelho mais pesado do que o ar”46.

Além disso, poucos meses após a instauração do Estado Novo, o governo outorgou, pelo Decreto-Lei n°. 483, de 8 de junho de 1938, a criação do Código

45 Ver: MINISTÉRIO DA VIAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS. Criação e organização do Departamento de

Aeronáutica Civil: Decreto n. 19.902, de 22 de abril de 1931. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936.

Um exemplar encontra-se no arquivo privado de Napoleão de Alencastro Guimarães, no CPDOC/FGV, sob a seguinte classificação: NAG-3f.

34 Brasileiro do Ar. Segundo artigo de Luiz Antonio da Costa Carvalho, professor da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, presente na revista Cultura

Política, essa era uma iniciativa de inadiável necessidade nacional, mas que se

encontrava sem solução na Câmara dos Deputados durante o governo constitucional de Getúlio. Após a instauração da ditadura e o fechamento do Congresso, o presidente teria aproveitado o ambiente para implantar imediatamente a legislação sobre a navegação aérea, considerada essencial para o desenvolvimento da área47. A instituição do Código do Ar visava a dotar o país de uma lei capaz de regular eficientemente a aviação civil e comercial, de acordo com as mais recentes convenções e tendências do direito aéreo mundial. Essa nova legislação fixou a soberania do espaço aéreo nacional e criou o Conselho Nacional de Aeronáutica, para coordenar e incentivar as crescentes atividades na área. Segundo a “Obra getuliana”, ela “condensou o que de mais moderno e útil havia sobre Direito Aéreo, colocando o Brasil entre os países mais avançados, nesse particular”48.

Ainda sobre a aviação civil, mas especificamente desportiva, o Decreto-Lei n°. 678, de 12 de setembro de 1938, aprovou o regulamento para a concessão de subvenções aos aeroclubes, clubes de planadores e escolas civis de aviação, com o intuito de facilitar aos pilotos civis a aquisição de aeronaves para o desenvolvimento de suas habilidades, bem como de reduzir, em favor dos alunos das escolas civis de aviação, o ônus de sua instrução. No mesmo ano, o Ministério da Viação e Obras Públicas, por meio do Departamento de Aeronáutica Civil, publicou o regulamento. Nele, ficou especificado que o Aeroclube do Brasil receberia 120:000$000, em cotas trimestrais de 30:000$ cada uma, a fim de auxiliá-lo na propaganda e na difusão da aeronáutica em todo o território nacional, por exemplo, por meio da edição de uma revista especializada mensal, e na manutenção de sua sede. Também ganharia a importância de 80:000$000 para a realização da “Semana da Asa”, incluída a distribuição de prêmios aos vencedores das competições organizadas. Além disso, a qualquer aeroclube seria concedida uma subvenção para a compra de aviões, na base de 80% do preço, e as escolas civis de aviação obteriam redução de 50% do custo da hora

47 Ver: CARVALHO, Luiz Antonio da Costa. “Transformações no campo do direito”. Revista Cultura

Política, ano I, num. 10, dezembro. Rio de Janeiro: DIP, 1941. P. 142. O artigo completo vai da página

136 a 142.

48 Arquivo Gustavo Capanema, GC i 1938.00.00/2, microfilme rolo 70, pasta XIX, fot. 801/4.

35 de voo, mesma porcentagem destinada às escolas preparatórias de mecânicos para a aviação49.

Somando-se a essa iniciativa, o Decreto-Lei n°. 1.683, de 14 de outubro de 1939, dispôs sobre a organização dos aeroclubes, reconhecendo-os como de utilidade pública. Segundo essa determinação legal, o Aeroclube do Brasil, com sede na capital Federal, sendo o único representante da aviação esportiva brasileira na Federação Aeronáutica Internacional, tornou-se o órgão representativo da aviação esportiva e de turismo no território nacional. De acordo com essa legislação, todos os aeroclubes do país passariam a ser filiados ao Aeroclube do Brasil, que coordenaria e orientaria as atividades deles. Cada aeroclube funcionaria como sociedade civil, com patrimônio próprio, vida e administração local. No entanto, o Aeroclube do Brasil, como órgão fiscalizador, poderia não apenas intervir em qualquer aeroclube filiado, assumindo a direção para normalizar seu funcionamento, por medidas de ordem administrativa, técnica ou econômica, mas também extingui-lo, promovendo a fundação de um novo.

Além disso, considerando o papel estratégico dos aeroclubes, uma vez que o desenvolvimento da aviação esportiva e de turismo estava ligada a grandes interesses da economia e da defesa nacional, o governo considerou fundamental participar da escolha do presidente do Aeroclube do Brasil. Sendo assim, segundo a nova lei, a direção dele caberia a um Conselho Diretor, constituído pelo presidente do clube, nomeado pelo presidente da República e por sete membros, sendo um representante do Ministério da Viação e Obras Públicas, um do Ministério da Guerra e um do Ministério da Marinha, dois representantes eleitos pela assembleia geral do Aeroclube do Brasil e dois pelos aeroclubes filiados. Por fim, o decreto também determinou a padronização na forma de identificar os aeroclubes, devendo cada um deles obrigatoriamente receber o nome da cidade na qual estavam localizados.

Por sua vez, o livro organizado pelo ministro da Educação e Saúde também reservou um espaço para descrever o desenvolvimento do setor aéreo das Forças Armadas, no tópico chamado “Reorganização da aviação militar”. Segundo o documento, no primeiro decênio do governo Vargas, em consequência da necessidade de encaminhar e preparar o Brasil para ser uma potência aérea, ocorreram duas

49 Ver: MINISTÉRIO DA VIAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS. Regulamento para a concessão de

subvenções aos aeroclubes, clubes de planadores e escolas civis de aviação. Rio de Janeiro: Serviço de

Publicações do DAC, 1938. Um exemplar encontra-se no arquivo privado de Napoleão de Alencastro Guimarães, no CPDOC/FGV, sob a seguinte classificação: NAG-4f.

36 reorganizações da aviação militar, uma em 1933 e a outra em 1938. Na primeira, houve a criação de diversas unidades militares de aviação, a organização adequada do Serviço Técnico da Aviação e a fundação de vários outros departamentos e serviços imprescindíveis ao eficiente funcionamento da arma aérea. Após a instauração da ditadura, nova mudança: a Aviação Militar foi transformada em Aeronáutica do Exército50.

Outra inovação do primeiro período, ampliada no segundo, foi o Correio Aéreo Militar, considerado o precursor das linhas aéreas comerciais, cuja criação foi autorizada e incentivada pelo governo. A primeira linha do Correio Aéreo Militar entrou em funcionamento em 193151. Graças a esse serviço, inúmeras rotas foram abertas, “criando tentáculos poderosos e invisíveis para ligar todos os recantos do país, rápida e facilmente, ao governo central”52. Para que o esforço dos pilotos dedicados a essa

atividade pudesse ser melhor avaliado, a “Obra getuliana” inseriu na prova tipográfica a tabela abaixo com os seguintes números estatísticos.

Ano Linhas Aéreas Km

Horas de Voo Quilômetros Percorridos Correspondência 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1.740 3.695 7.000 8.219 10.280 12.250 13.878 14.916 19.709 18.570 472,30 865,20 1.776,15 4.279,55 5.714,15 6.449,15 8.197,10 10.093,50 10.759,35 10.920,00 54.888 127.100 251.505 615.785 925.020 1.080.939 1.663.409 2.050.040 1.316.340 1.995.703 340,045 130,446 3.834,132 10.428,406 18.365,877 23.907,282 44.900,266 48.212,232 55.163,911 60.325,450

Fonte: Arquivo Gustavo Capanema, GC i 1938.00.00/2, microfilme rolo 70, pasta XIX, fot. 801/1. FGV/CPDOC.

Por fim, em relação à aviação naval, a data de 8 de maio de 1937 tinha uma significação importante. Nesse dia, iniciava-se, nas oficinas de aviação naval, na Ponta

50 Arquivo Gustavo Capanema, GC i 1938.00.00/2, microfilme rolo 70, pasta XIX, fot. 801/1 e 801/2.

FGV/CPDOC.

51 NOBRE, Iolanda de Araújo. “A aviação civil brasileira no período de 1930-1940”. Revista Cultura

Política, ano I, num. 2, abril. Rio de Janeiro: DIP, 1941. P. 96.

52 Arquivo Gustavo Capanema, GC i 1938.00.00/2, microfilme rolo 70, pasta XIX, fot. 801/1.

37 do Galeão, o serviço de construções aeronáuticas53. Portanto, pode-se afirmar que todas

essas determinações contribuíram para a construção, ainda que embrionariamente, de uma conscientização, na população, da importância de todos se envolverem de alguma maneira com os assuntos ligados à aviação. O melhor e mais bem acabado exemplo desse projeto inicial de propagação de uma mentalidade aeronáutica ocorreu no final de 1938 e início de 1939 e foi encabeçado pelo Exército, pela Marinha e pelo Ministério da Viação e Obras Públicas, os órgãos detentores, naquele momento, do controle sobre a aviação militar e civil no Brasil. Nesse período, o governo montou na capital da República uma destacada mostra a respeito de suas realizações, na qual a navegação aérea ficou em evidência.

1.1.2 – A aviação brasileira em exibição: a Exposição Nacional do Estado Novo, de 1938

A primeira grande exposição elaborada pela ditadura varguista ocorreu no Rio de Janeiro, em dezembro de 1938, como parte das comemorações do primeiro aniversário do Estado Novo e dos oito anos da chegada de Getúlio ao poder. Portanto, a mostra buscava revelar ao público as realizações do regime em suas mais diversas áreas de atuação, contando, para isso, com a participação de todos os ministérios. Tendo a Pasta da Justiça, sob a direção de Francisco Campos, como principal organizadora, o evento apresentou comparativamente uma síntese dos avanços alcançados pela nova administração iniciada em 1930 e “aperfeiçoada” em 1937, ao demonstrar a evolução obtida entre o passado e o presente e as expectativas otimistas em relação ao futuro. Nesse sentido, o esforço de apresentar ao país o que ele fora, o que ele era e o que ele seria acabava por construir um entendimento de nação para o Brasil como uma “comunidade política imaginada”, valendo-se aqui do conceito de Benedict Anderson54.

O jornal A Batalha resumiu bem o objetivo do governo, ao afirmar que a iniciativa deste tinha o intuito de permitir ao povo abranger o conjunto de obras e trabalhos realizados ou em construção, “significando a operosidade do governo no período de 1930 a 1938, de tal sorte que o percurso dos numerosos mostruários

53 Ver: PEIXOTO, Silvio. “Potência Aeronáutica”. In: Aspectos históricos do Estado Novo. Rio de

Janeiro: DIP, 1940. P. 27 e 28.

54 ANDERSON, Benedict R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do

38 apresentados nos pavilhões equivalerá a uma viagem de inspeção pelo país”55. Para a

execução do empreendimento, aproveitou-se a estrutura já montada na realização da XI Feira Internacional de Amostras do Rio de Janeiro56, localizada no centro da cidade, na Ponta do Calabouço, região aterrada e reurbanizada na década de 1920 para acolher a Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil. A responsabilidade direta pela efetivação do projeto coube ao chefe de gabinete do ministro da Justiça, Negrão de Lima57. As fotos abaixo, extraídas do arquivo privado do ministro da Educação e Saúde, retratam uma visão da fachada da Exposição Nacional do Estado Novo:

Fonte: Arquivo Gustavo Capanema, GC foto 147/1 e 147/3. FGV/CPDOC.

Para se aproximar de um entendimento sobre o conteúdo da exposição, em geral, e a respeito do espaço reservado à aviação, em particular, uma fonte muito útil é a

55 Ver: “A Exposição Nacional do Estado Novo”. Jornal A Batalha, Rio de Janeiro, quinta-feira, 8 de

dezembro de 1938. P. 2.

56 Iniciada em 12 de outubro e concluída no dia 20 do mesmo mês, a XI Feira Internacional de Amostras

do Rio de Janeiro apresentou em mostruários os produtos das principais indústrias brasileiras e estrangeiras. Cada país da América e da Europa presente, além dos estados brasileiros, montou um pavilhão para expor seus itens. Ver: “Inaugura-se hoje a XI Feira Internacional de Amostras”. Jornal

Diário de Notícias, Rio de Janeiro, quarta-feira, 12 de outubro de 1938. P. 3; e “O encerramento da Feira

de Amostras”. Jornal O Radical, Rio de Janeiro, domingo, 20 de novembro de 1938. P. 7.

57 Francisco Negrão de Lima (1901-1981), nascido em Minas Gerais, foi advogado, formado pela

Faculdade de Direito de Belo Horizonte, e jornalista. Na política, atuou como deputado federal por Minas Gerais, de 1933 a 1937. Com o golpe de 1937 e a implementação do Estado Novo, foi nomeado chefe de gabinete do ministério presidido por Francisco Campos. Ver: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – DHBB, CPDOC-FGV, verbete LIMA, Negrão de.

39 publicação Exposição Nacional do Estado Novo58. Espécie de catálogo detalhado

produzido pelo DNP, tal documento, juntamente com os jornais editados na época, permitem uma compreensão do projeto de Brasil que estava em discussão e do lugar da

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