Um dos objetivos da presente proposta foi a construção de um instrumento para a identificação das representações das crianças e adolescentes sobre a convivência familiar e comunitária durante o período de acolhimento institucional. Como exposto nos procedimentos metodológicos, o método utilizado neste estudo foi o Método Clínico Piagetiano, que tem como uma de suas especificidades a ausência de procedimentos gerais de coleta e análise dos dados, o que exige do (a) pesquisador (a) a elaboração de um instrumento que atenda aos objetivos da pesquisa dentro da temática a ser estudada. Por isso, a proposta de construir um instrumento que nos possibilitasse apreender as representações das crianças e adolescentes sobre a convivência familiar e comunitária, visando adequá-lo à temática deste estudo e à idade das crianças e adolescentes sujeitos desta pesquisa.
O processo de construção do instrumento iniciou-se na disciplina Introdução ao Método Clínico Piagetiano, no curso do Mestrado em Economia Doméstica. Ao final da disciplina foi elaborado um esboço de possíveis perguntas relacionadas à temática. Após a leitura de pesquisas relacionadas às crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional, principalmente do trabalho de Weber (2006), as perguntas foram reelaboradas, acrescentando-se às perguntas básicas perguntas complementares.
É importante ressaltar que, embora o Método Clínico seja um procedimento de entrevista aberta, é necessário dispor de um núcleo básico de perguntas referentes aos
aspectos fundamentais da pesquisa e que devem ser feitas a todos os sujeitos da pesquisa, para possibilitar a comparação das respostas. Ou seja, cada entrevista será diferente pelo fato de a entrevista clínica ser aberta e seguir o curso do pensamento do sujeito, porém deve conter uma parte básica que seja comum a todas as entrevistas. As perguntas complementares, diferentemente das básicas, não necessariamente são feitas a todos os sujeitos, pois variam de acordo com a resposta dada por eles, o que apontará se serão necessárias outras perguntas para melhor esclarecimento do sentido do que foi dito pelo entrevistado (DELVAL, 2002).
Para melhor organização interna do trabalho, as perguntas foram ordenadas dentro dos seguintes itens propostos por Delval (2002): Descrição inicial: introdução a temática; Autocaracterização: conhecer como as crianças e os adolescentes falam de assuntos referentes a eles diretamente; Aspectos: aprofundamento da temática; Extensão: expanção da temática com situações amplas que abrangem aspectos para além das vivências dos entrevistados; Mudança: conhecer as explicações dos sujeitos sobre fenômenos que envolvem mudanças; Justificativas: conhecer as explicações dos sujeitos sobre a causa de fenômenos; e Soluções: conhecer as soluções propostas pelos sujeitos frente aos problemas apresentados.
Posteriormente, definiu-se a categoria: Convivência Familiar e Comunitária para nortear as perguntas dentro de cada item organizador da entrevista. A categoria Convivência Familiar e Comunitária foi criada para verificar as representações das crianças e adolescentes sobre o conceito de Abrigo; sobre o que um lugar precisa ter para ser um Abrigo; sobre a dinâmica de funcionamento e organização do Abrigo onde elas moram, incluindo as ações para promoção da convivência com as famílias e com a comunidade; as preferências das crianças e adolescentes em relação ao Abrigo, bem como conhecer as mudanças, justificativas e soluções propostas pelas crianças e adolescentes diante de situações-problemas referentes ao Abrigo apresentadas a elas.
Após as modificações no roteiro de entrevista, inicialmente foi realizada uma entrevista com uma adolescente de um abrigo dentro da faixa etária dos sujeitos da pesquisa, como estudo-piloto. Como ressalta Delval (2002), o estudo-piloto é de extrema importância, pois permite testar nosso procedimento de pesquisa antes de empreender o trabalho definido. Seu objetivo é pôr à prova o procedimento em todos os aspectos, até que ele se adapte da melhor maneira possível aos objetivos da pesquisa.
Foi realizada uma entrevista clínica com uma adolescente na Instituição de Acolhimento A para apreender suas representações sobre a convivência familiar e
comunitária. Não foi possível realizar outras entrevistas como piloto devido ao reduzido número de crianças e adolescentes em situação de acolhimento em Viçosa que atendiam aos critérios da amostra. Além disso, Viçosa é o único município da região que possui instituições de acolhimento para crianças e adolescentes. Os dados obtidos nessa entrevista do estudo-piloto evidenciaram a capacidade das crianças e adolescentes de falar sobre suas vivências no Abrigo e as representações que constroem desse ambiente. A realização do piloto indicou que o Método Clínico é um procedimento que possibilita apreender as representações infanto-juvenis, representações estas que necessitam ser conhecidas e estudadas como forma de contribuir para futuras reflexões, principalmente com relação aos temas relacionados às crianças e à sua vida em sociedade.
Além de reafirmar a eficácia do Método Clínico na apreensão das representações infanto-juvenis, o estudo-piloto apontou mudanças necessárias a serem feitas na entrevista. Percebemos, primeiramente, que houve dificuldade por parte da pesquisadora para apresentação do tema à adolescente no início da entrevista. Por isso, foi apresentada uma situação-problema que introduzisse o tema para as crianças e adolescentes, auxiliando-as no pensamento e na reflexão para responderem as perguntas da entrevista.
A partir da leitura de uma história utilizada com as crianças na dissertação de mestrado intitulada Com a voz as Crianças: Um estudo sobre as representações de Escola na Educação Infantil, realizada com crianças entre 5 a 6 anos matriculadas em duas classes da pré-escola: uma considerada ambiente construtivista e a outra, ambiente tradicional no município de Viçosa-MG (COSTA, 2012), surgiu a ideia de elaborar uma história situacional para introduzir nossa entrevista. A história foi uma adaptação da história utilizada nessa dissertação de mestrado (COSTA, 2012) que se encontra disponível na Universidade Federal de Viçosa e será apresentada posteriormente.