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CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA EM REDE

No documento Etnografias urbanas (páginas 166-176)

Parte II | ESTILOS DE SOCIABILIDADE

CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA EM REDE

Inês Pereira

Domingo à tarde, um lar de terceira idade, num dos subúrbios de Lisboa. Tra- tava-se de comemorar a vida de um influente galego, imigrante em Portugal, e benemérito desta instituição. A Direcção do Lar convidou o grupo folclórico Anaquiños da Terra, da Xuventude de Galícia — Centro Galego de Lisboa, para uma pequena actuação. As cantadeiras tocam pandeireta, e cantam em galego canções populares. Os bailarinos envergam fatos típicos dominguei- ros e executam muiñeiras, xotas e pandeiradas. Emocionado, o organizador saú- da o grupo e endereça algumas palavras particulares aos bailarinos, louvan- do “esta juventude, talvez já mais portuguesa que galega, mas que continua a celebrar as suas origens”. Os bailarinos tentam disfarçar o riso: é que o elenco era composto por uma única neta de galegos, duas portuguesas sem qualquer ligação com a Galiza e um jovem belga, que mais tarde comentou à socapa, “pelo menos eu, sou tão galego como português”.

Este episódio foi testemunhado no decurso do trabalho de campo etno- gráfico efectuado na Xuventude de Galícia, surgindo como particularmente emblemático dos processos observados nesta associação. A pesquisa na Xu- ventude de Galícia foi desenvolvida segundo uma metodologia de observa- ção participante, que compreendeu a participação em diversas actividades da associação e a inserção no seu grupo folclórico.1A investigação decorreu sob a égide do conceito de identidade, segundo três vertentes analiticamente separáveis: a própria conceptualização do conceito de identidade, procuran- do-se salientar a sua natureza dinâmica e múltipla, a procura de algumas di- mensões particularmente relevantes para a construção identitária, e um ques- tionamento do movimento associativo enquanto veículo de inculcação e/ou expressão de sentimentos identitários.2

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1 O trabalho de campo foi realizado entre Fevereiro e Junho de 2001, pelo que os episódios apresentados se referem a aspectos da associação durante este ano, que como se verá, marcou um ponto de viragem.

A Xuventude de Galícia — Centro Galego de Lisboa é uma associação já com algumas décadas; localizada, desde há alguns anos, num palacete situa- do em Lisboa, no Campo Mártires da Pátria. Tem como principal objectivo ex- pressar e difundir a cultura galega, proporcionando simultaneamente o con- tacto entre os diversos galegos imigrados em Portugal. Para atingir os seus propósitos, apresenta um espaço onde os sócios se podem encontrar, inclusi- vamente num bar, palco privilegiado para o desenrolar de sociabilidades. A própria sede pretende ser uma reconstrução da Galiza, por exemplo, a nível arquitectónico, com um cruzeiro na entrada, construído à imagem dos que se encontram vulgarmente na Galiza, imagens de Santiago, ou o busto de um conhecido galego, benfeitor da associação. Por outro lado, se a língua é um dos principais bastiões da identidade nacional, a galega surge recorrente- mente, nas inscrições várias que se podem ler no espaço, e é também falada por parte dos sócios, e, vulgarmente, no bar. Finalmente, encontram-se pre- sentes outros símbolos da identidade nacional ou regional: bandeiras, estan- dartes e as cores da Galiza, em vários locais estratégicos da associação.

Para além de proporcionar um espaço de convívio, esta associação pro- move a aprendizagem de algumas actividades e inclui grupos performativos. Estas actividades dividem-se entre algumas que não têm uma relação muito directa com a Galiza, como é o caso das aulas de Yoga ou de danças de influên- cia latina, e outras actividades, como a gaita-de-foles, a dança, o canto e ins- trumentos típicos galegos. Os praticantes são encorajados a participar no gru- po folclórico da associação, que acaba por se constituir como o principal meio de expressão da tradição galega. O próprio nome do grupo reivindica este pa- pel: Anaquiños da Terra, ou seja os bocadinhos da terra. Trata-se portanto de um grupo que pretende constituir-se como meio de apresentar uns pedacitos, culturais e expressivos, da cultura original da terra, ou seja, da Galiza.

Para muitos dos seus membros, a Xuventude surge como modo de se afirmarem como galegos, de celebrarem uma cultura de origem, de tipo étni- co, e de se integrarem num meio com o qual partilham uma determinada afi- nidade. Esta pertença é reivindicada através de sentimentos obviamente 2 Esta ideia parte do reconhecimento do movimento associativo como forma de sociabili- dade, particularmente emblemática da forma como as pessoas se relacionam em condi- ções de modernidade e no seio das grandes cidades. A compressão espacio-temporal, as- sociada aos mecanismos de descontextualização (tal como concebidos por Anthony Gid- dens) pôs fim à hegemonia do local, e abriu caminho para a construção e manutenção de redes sociais para além da família, dos co-trabalhadores, e vizinhos, permitindo a criação de relações interpessoais compensadoras de uma forma dispersa no espaço, marcada pelo voluntarismo. Diversos autores influenciaram esta noção. Para além de Giddens (1996, 1997), há que destacar o trabalho de Claude Fischer (1982), ao destacar as diferen- tes formas que as relações sociais podem assumir. É neste quadro que surgem as associa- ções, agrupamentos voluntários constituídos em torno de interesses comuns e que, devi- do a este seu papel, podem assumir-se como importante veículo identitário, sendo esta uma das questões que se pretendeu colocar logo de início.

fundamentados no tempo e numa noção de continuidade temporal, reenvi- ando para a importância dos processos de celebração da memória colectiva, através de cerimónias comemorativas, performances ritualizadas que permi- tem recordar e comemorar um determinado passado, com o qual se reivindi- ca uma certa continuidade, e que deste modo é mantido vivo na memória.3

Como particularmente emblemáticos, são escolhidos pela organização do grupo, os cantares e instrumentos, entre os quais a pandeireta ocupa um lugar de destaque, mas sendo complementada por instrumentos como as conchas (vieiras), iguais às utilizadas pelos peregrinos no caminho de Santia- go, as pinhas, o tambor, o bombo, o pandeiro e a sanfona. Geralmente, as ac- tuações são também acompanhadas por um gaiteiro. As canções escolhidas, cantadas em galego, são de raiz popular, muitas de expressão brejeira, outras reenviando para a questão da imigração e da distância em relação à terra de origem. Os espectáculos são complementados com o grupo de baile, que exe- cuta algumas das danças tradicionais da Galiza, principalmente a xota, a mui-

ñeira e a pandeirada, características dos bailes tradicionais, mas também algu-

mas danças associadas a eventos específicos, e ainda danças mais recentes, produto de interacções com outras tradições, geralmente trazidas pelos imi- grantes galegos, como a polca, a mazurca, ou a valsa galega; surgindo assim a dança, como tantas outras expressões culturais, como um bom exemplo da miscigenação de culturas. A música e a dança são complementadas com o fac- to de o grupo, como já foi referido, se vestir com trajes típicos da Galiza e se fa- zer acompanhar por estandartes e outra simbologia própria. A apresentação ao público, nas actuações, é feita em galego.

Para além do destaque dado às formas culturais directamente herdeiras da tradição galega, e da panóplia de artefactos que representam a associação e o seu próprio espaço como marcadamente galegos, inicialmente aquela era, de facto, destinada exclusivamente a galegos ou descendentes de galegos. Na inscrição era necessário apresentar a prova de sangue galego, e eram raros os membros que não tinham esta origem, e que entravam por via de conheci- mento com algum sócio. Neste caso, são, ainda agora, considerados como só- cios simpatizantes, sem direito de voto na assembleia associativa.

O decurso do tempo, quis, todavia, que esta situação não se prolongas- se. A quantidade de membros activos de origem galega começou a diminuir, de um modo que foi descrito, pelos “sobreviventes”, como devido a um

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3 A transmissão da memória e a noção de continuidade temporal surgem assim como uma importante dimensão para a construção da identidade. Numerosos trabalhos inserem-se neste âmbito, tendo constituído referências particularmente importantes para este estu- do as obras de Halbswachs (1968), de Chris Wickham e James Fentress (1994), de Eric Hobsbawn e Terence Ranger (1984) e de Paul Connerton (1999). A noção de continuidade associada à biografia do indivíduo, por seu turno, é baseada em trabalhos de Anthony Giddens (1997) e Gilberto Velho (1994 [1981]), sobre a noção de projecto de vida.

desinteresse dos jovens, a partir do momento em que entraram para a facul- dade, casaram, ou começaram a namorar, ou, nalguns casos, regressaram a Espanha. Como resultado deste afastamento, a associação começou a perder membros, e decidiu abrir-se para o exterior, e alargar a entrada a não galegos, como sócios simpatizantes, fazendo inclusive publicidade nas universidades.

O grupo dos Anaquiños da Terra, não obstante o seu papel de destaque como guardião da identidade galega, foi um dos grupos que mais protagoni- zou esta abertura, nomeadamente através de um novo curso de dança, para principiantes, leccionado por uma professora de origem galega, e que abriu no principio do ano lectivo 2000/2001. Como resultado desta abertura, a Xu- ventude de Galicia, e apesar da sua referida vertente de reivindicação identi- tária étnica, agrupa sob o seu estandarte uma grande quantidade de jovens portugueses, alguns dos quais nunca foram à Galiza na sua vida, e ainda, por uma razão ou por outra, pessoas de outras nacionalidades, um belga, uma francesa, um espanhol das Baleares, diversos membros oriundos dos PALOP… O grupo de baile, o mais recentemente renovado, tem, como mem- bros activos, para além dos dois ensaiadores, e de três raparigas de origem ga- lega, cerca de seis portuguesas, e dois rapazes, um português e um belga. O grupo das cantadeiras, pelo contrário, tem uma proporção muito maior de membros de origem galega, mas que também não é total.

O facto de grande parte dos associados não terem origem galega não im- plica que a sua pertença à associação seja menos importante. De resto, os não galegos reivindicam sentimentos de pertença para com a associação, tal como os galegos, embora estes sentimentos possam assumir formas diferentes. Uns e outros encontram-se envolvidos com a associação, prolongando a sua parti- cipação para além da execução de actividades, organizando saídas em grupo, sugerindo novas actividades, frequentando em conjunto workshops e cursos como extensão das actividades praticadas. Para além disto, existe o hábito de jantar na associação todas as quartas-feiras, ao que geralmente se segue uma saída nocturna, para os membros mais jovens do grupo. Todos estes proces- sos permitem caracterizar este grupo como de sociabilidade e encontrar pro- cessos identitários e de pertença associados.

Por outro lado, não é eliminada a possibilidade de se abordar a questão identitária. Antes pelo contrário, a inexpectabilidade que se encontra entre os associados pode tornar-se particularmente digna de análise, reenviando para uma determinada visão da identidade, considerada como aquilo que os indi- víduos efectivamente fazem, sentem ou reivindicam como seu através dos seus sentimentos de pertença. Neste sentido, põem-se de parte os discursos sobre a autenticidade, deixando-se de lado a procura de identidades “autên- ticas”, tradicionais ou afins, considerando-se que autêntico só pode ser aquilo que efectivamente se passa, ou aquilo que é sentido (acabando por ser tam- bém algo que acontece, ainda que só na imaginação ou nas opiniões pessoais).

Eventualmente, o que é sentido pode não ser o mais expectável ou habitual, mas nem por isso perde, antes pelo contrário, o seu valor analítico e o seu esta- tuto de fenómeno observável. Neste caso, uma reconstrução da cultura, mú- sica e dança galega tradicional surge como parte essencial da identidade de jovens portugueses, eventualmente nunca tendo posto o pé na Galiza.

Deste modo, no presente trabalho procura-se conceptualizar a identida- de, individual ou colectiva, sem a encarar de forma essencialista, como uma es- pécie de verdade profunda, básica e única, inculcada bem no fundo dos indiví- duos, pré-determinada à nascença e imutável, não obstante todas as vicissitu- des que possam ocorrer na vida de uma pessoa.4Por um lado, porque a maior parte dos meios que recebem o estatuto de essências identitárias, geralmente a raça, a religião ou a nacionalidade, são categorias elas próprias construídas re- flexiva ou auto-reflexivamente, e como tal, produtos contextuais. Por outro lado, por muita importância que determinada pertença apresente, o indivíduo encontrar-se-á inevitavelmente inserido numa miríade de contextos que o in- fluenciarão simultaneamente, e dos quais ele constitui um ponto de intersec- ção único. Finalmente, a identidade não é necessariamente produto de tradi- ções ancestrais. Se estas têm a sua importância, tal como todo o tipo de cons- trangimentos sociais prévios, também existe uma margem para processos pos- teriores e uma possibilidade de manobra para o projecto individual. Entre ou- tras coisas, a pertença à associação dos não galegos relaciona-se particularmen- te com a noção de projecto pessoal do self. Para além de indivíduos que fre- quentam a associação, incentivados pelo meio de origem, pela ideia de perten- ças culturais básicas, ou pelo hábito enraizado no seu grupo familiar ou de so- ciabilidade, encontram-se jovens cuja participação numa associação deste tipo não poderia ser previamente imaginada, e que, como tal, se enquadra dentro de uma opção, tomada recentemente, como parte do seu, reflexivamente cons- truído, estilo de vida, e da sua própria identidade reflexiva.5

Uma hipótese inicial para a presença dos portugueses reenvia, única e simplesmente, para o factor acaso. Todavia, esta ideia, ao invés de permitir um descomprometimento explicativo, torna-se particularmente exemplifica- tiva do conceito proposto de identidade. Analise-se por exemplo, o caso de um dos bailarinos, que, estudante universitário deslocado em Lisboa, parti- lha o apartamento com outra rapariga nas mesmas condições, que decidiu en- trar para as aulas de dança. Ao convite desta última, o jovem decidiu vir expe- rimentar, e a partir daí tornou-se membro assíduo. Não existia qualquer rela- ção pré-estabelecida entre o jovem e a cultura galega, nem com a dança

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4 Para a conceptualização de identidade, diversos autores concorreram, destacando-se os trabalhos de António Firmino da Costa (1999), Gilberto Velho (1981, 1994), Anthony Gid- dens (1997) ou Amin Maalouf (1999).

5 O conceito de identidade reflexiva e de projecto pessoal do self baseiam-se nos trabalhos de Anthony Giddens (1997) e Gilberto Velho (1981, 1994) sobre o tema.

tradicional ou folclórica, mas, não obstante, gerou-se um sentimento de per- tença entre este e a Xuventude, apesar de o próprio admitir que foi absoluta- mente por acaso que aí entrou. Ora, este facto dá azo a uma conclusão particu- larmente significativa sobre a identidade. Um dos factores mais significati- vos para o sucesso do movimento associativo é que as pessoas sentem neces- sidade de participar, de se integrarem no seio de movimentos, de praticarem actividades várias. Isto assume posteriormente aspectos muito importantes para a sua identidade, mas não é absolutamente necessário existir qualquer relação prévia com a actividade em causa, muitas vezes, é por acaso que é es- tabelecida a relação inicial entre uma pessoa e uma actividade ou um grupo de sociabilidade, mesmo que depois, em muitos casos, essa relação se intensi- fique, e passe a constituir parte integrante da identidade do indivíduo sendo por este transmitida aos demais elementos da sua rede de sociabilidade.

Todavia, por vezes a participação em determinada associação ou activi- dade enquadra-se mais directamente num padrão pré-existente na vida dos grupos ou dos indivíduos. Isto pode acontecer dentro de parâmetros mais ób- vios, como é o caso dos galegos. Todavia, também pode ocorrer dentro de ou- tros contextos, como é o caso de diversos dos elementos portugueses da Xuventude.

No decorrer do trabalho de campo, a surpresa em relação à composição dos membros da Xuventude foi seguida da descoberta de um determinado meio cultural, no qual se enquadram uma parte significativa dos associados, e que justifica, até certo ponto, a pertença a este tipo de associação. Este é um meio associado ao gosto e à prática de músicas e danças tradicionais, marca- do pelos seus ícones e formas culturais próprias, e que encontra âncoras num conjunto localizável de espaços e eventos. Em primeiro lugar, em duas asso- ciações culturais, que promovem as actividades favoritas, a Fala-só, que assu- me um papel particularmente importante pela abertura do seu bar, local pri- vilegiado para a criação de sociabilidades, de um modo marcado pelo senti- mento de comunidade e de interreconhecimento, e a Pé de Xumbo, cuja prin- cipal distinção é a organização de festivais de música e dança tradicional, que constituíram portal de entrada para este meio para a maior parte dos elemen- tos dos Anaquiños e que são um dos elementos mais caracterizadores do mo- vimento cultural que se pretende descrever, por promoverem de forma parti- cular as preferências culturais, em termos de dança e música.6).

No que diz respeito a esta última, é de cariz tradicionalista, utilizando

6 A Fala-só fica sedeada próxima do Bairro Alto, um dos bairros lisboetas mais famosos pela sua animação nocturna, e para além do bar, onde decorrem semanalmente concertos e bailes, promove diversos workshops, a Pé de Xumbo, para além dos festivais, apoia e or- ganiza diversas actividades ligadas à dança, principalmente cursos e workshops, inclusi- vamente na sua Escola de Artes, em Évora, e tem ainda um site e uma mailing list de divul- gação (http: //www. pedexumbo. com)

instrumentos habitualmente considerados como típicos. Não se trata, toda- via, de música herdeira da tradição portuguesa, ou pelo menos, não só, nem particularmente. Trata-se antes de apreciar as músicas tradicionais de varia- das culturas, principalmente as de origem europeia, espanholas, galegas, ir- landesas e escocesas, mas também africanas, ou de outros pontos do mundo. Quanto à dança, que apresenta uma ainda maior relevância neste festivais, é também de cariz tradicionalista, juntando-se diversos tipos de danças, uni- das sobre o epíteto de “danças europeias”. Tal como o termo “danças de sa- lão”, o nome “danças europeias” é uma metonímia, em que sob o termo gené- rico que diz respeito ao todo (a totalidade das danças europeias) se agrupa um conjunto mais ou menos pré-definido e restrito de danças, reconstruídas e estilizadas, que são as que efectivamente são praticadas sob este epíteto. Estas danças europeias, praticadas nos vários espaços determinantes (Fala-só, fes- tivais, workshops, etc.) constituem uma pedra-de-toque do meio que se pre- tende caracterizar, e são particularmente distintivas de processos identitários marcados pela procura de filões tradicionais de origens diversas, de uma for- ma ecuménica com alguma tendência para o sincretismo. Novamente, é a no- ção de reivindicação de um outro tempo, de um certo passado, que marca, mas desta feita sob moldes diversos, existindo uma prática simultânea de tra- dições de diversos países, com os quais não existe uma relação baseada na ori- gem histórica.

As danças galegas propriamente ditas não estariam inseridas neste con- junto, e não são ensinadas na maioria dos workshops de dança. Todavia, e tendo em conta a exiguidade do meio, existem diversos pontos de contacto. Como já foi referido, grande parte dos membros de origem portuguesa da Xuventude já se encontravam enquadrados neste meio cultural, e, foi assim que, através de um qualquer processo inicial, tomaram conhecimento da existência das danças galegas, que acabaram por ser enquadradas no movimento, como uma das danças europeias. Neste sentido, gera-se um processo invertido, em vez de uma pertença inicial conduzir à prática, é a prática de danças similares que con- duz à descoberta da Galiza e à inserção no meio galego.

Da união entre portugueses, residentes no seu país, mas membros de uma associação da Galiza, e de galegos, inseridos nessa mesma associação, mas imigrados em Portugal, nascem também complexos processos identitá- rios em termos de identidade nacional. Por um lado, entre os galegos, encon- tram-se alguns dos clássicos dilemas do imigrante, nomeadamente no que diz respeito ao modo como se maneja as duas principais influências identitá- rias, provenientes das duas nações de referência, dualidade de referências que tanto pode criar um pouco a sensação de que não se pertence a parte algu- ma, como também pode servir para a constituição de uma identidade mais in- dividual, por resultar da ligação pessoal de influências culturais e nacionais

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