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Capítulo 3. “É só seguir a estrada principal”: estratégias de aproximação dos sujeitos

3.1. A construção do método no estudo

Após alguns bons anos de aprofundamento teórico sobre metodologia/método55, não se pode deixar de dar visibilidade aos processos nem sempre visíveis no momento da escrita da tese. Para isso, as discussões em grupo, os autores estudados, o diálogo com os professores, com os colegas, foram importantes instrumentos para o processo de construção do estudo. Com eles apreendeu-se que:

É importante refletir sobre os motivos que levam a escrever sobre uma determinada realidade, fato ou fenômeno. A escolha de um tema não deve ser imposição alheia, deve o pesquisador tomar paixão, desejo trabalhado, construído no processo de pesquisa que alia a

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Compreende-se por metodologia, simplesmente, a teoria que dá base ao método, que, na linguagem grega, é sinônimo de processo, estudo tortuoso, artifício. Por método, entende-se o conjunto de procedimentos, ações e processos que utilizarei para abordar o meu problema. O método indica os processos ou estratégias adotadas pelo pesquisador para ter acesso ao problema. Como vou proceder, como será feita a pesquisa e a aplicação. É chamado também de “corpus da pesquisa” (PAVIANI, 2004).

prática à teoria. E assim, das lacunas da experiência56, nasce o desejo de conhecer mais e melhor, como bem se diz: não se pode desejar o que não tem ligação com a própria vida do pesquisador, o que nela não se enraíza (MARQUES, 2003).

Após esta etapa, é preciso inserir-se no processo de investigação científica, para construir, a partir de vários pontos de vista, conceitos, conexões, proposições, o seu próprio caminho de pensamento, momento este que é, para o pesquisador, o grande desafio na construção do conhecimento científico, chamado de “estado de arte” (MINAYO, 2000, p. 96).

A partir dessas reflexões, entendeu-se que realizar uma pesquisa é ter que fazer opções

teóricas e metodológicas (quadro 3)57, mas ambas devem estar inter-relacionadas num

processo de devir, ou seja, as duas devem andar juntas, buscando desvelar a realidade que está sendo estudada e com ela dialogar. No entanto, para que este processo ocorra dentro de critérios de cientificidade, é importante estar atento ao movimento concreto, natural e socio- histórico da realidade estudada (sentido objetivo), quanto à lógica interna do pensamento (sentido subjetivo) e observar a relação entre o objeto construído pela ciência e o método empregado (sentido metodológico). Assim, a construção epistemológica do conhecimento sobre o tema investigado não deve dissociar a prática, da teoria, mas ao contrário, deve validá-la no quadro teórico da pesquisa, pois, caso contrário, poder-se-á cair em um “empirismo ingênuo” (BRUYNE et al., 1991 p. 103), colocando dados e fatos brutos sem sustentação teórica.

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A pesquisadora se refere à experiência profissional de 4 anos como psicóloga de uma Secretaria de Saúde de uma cidade do Rio Grande do Sul que pertence à Sexta Coordenadoria de Saúde de Passo Fundo (6a CRS). Neste período, teve-se a oportunidade de trabalhar com trabalhadores e trabalhadoras rurais, desenvolvendo palestras e organizando grupos de saúde mental. Havia muitas demandas de trabalhadores que procuravam o trabalho da Psicologia, com a queixa de “doentes dos nervos”, “problema de nervos” que descreviam estados de profundo sofrimento mental. Aos poucos, foi-se compreendendo e inter-relacionando os estados à sua atividade, processo que culminou no retorno à Academia, para aprofundar essas questões, pois, de certa forma, a formação profissional não tinha contemplado as questões relacionadas à saúde no trabalho.

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No processo de “labor da pesquisa” (MINAYO, 2000, p. 228) diz-se que é importante delimitar os caminhos do pensamento, de modo que o corpus da pesquisa vá aos poucos tomando forma, no decorrer da imersão teórica. Por isso, o quadro apresentado é uma etapa importante, ele se vai tornando claro, na medida em que o pesquisador estiver aprofundando e construindo o objeto de sua pesquisa. O quadro é um exercício importante, na medida em que, se tem uma visão do todo de sua pesquisa e o mesmo o acompanha até o final da investigação. É como se pudesse compará-lo a uma onda do mar, que sempre vem na direção da areia, exceto em alguns momentos em que ela se movimenta para outras direções, mas é o processo, e é preciso ter calma para observar seus movimentos. Este é o sentido, é o movimento das idas e vindas.

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Quadro 3.

Quadro demonstrativo do Corpus da pesquisa

Objetivo geral: Investigar os mecanismos que perpetuam a desproteção social nos processos de adoecimento e acidentes no trabalho rural, de forma a subsidiar estratégias para o enfrentamento da questão da saúde no trabalho.

Problema Objetivos Específicos Categorias analíticas Hipóteses Método

Compreender a trajetória histórica da inserção dos trabalhadores rurais no complexo campo dos direitos sociais de proteção social brasileiro.

Trabalhadores rurais Direitos sociais Proteção social

A inclusão dos trabalhadores rurais no campo dos direitos sociais de proteção à vida, é marcada por medidas compensatória e assistencialista, o que mobilizou momentos

de resistência e conquistas.

ESTUDO QUANTITATIVO58

Dados epidemiológicos dos acidentes de trabalho da região de Passo Fundo Coordenadoria Regional da Saúde (60 CRS).

Análise do Banco de dados das RINAs e RINAV. Validação nas CATs das RINAs que consta emissão ou encaminhamento das CATs.

Dar visibilidade as transformações no processo de trabalho rural e suas implicações no processo de adoecimento e acidentes do trabalho. Processo de trabalho (condições e organização do trabalho). Acidente do trabalho (AT)

(trajeto, típico e doença relacionado ao trabalho)

As transformações no processo de trabalho rural, nos últimos anos, impulsionaram uma nova relação de produção e

reprodução social no campo, em conseqüência, os trabalhadores passaram a conviver com mecanismos de exploração e dominação, situação que defronta com novas

formas de adoecimento, acidente e até morte. Como se constrói e se

perpetua a desproteção social

dos trabalhadores rurais nos processos de

adoecimento e acidentes no trabalho?

Analisar através dos sistemas de informações que registram os acidentes de trabalho, os diversos

ângulos que contribuem para o ocultamento dos agravos à saúde

dos trabalhadores rurais.

Sistema de informação do AT Subnotificação Saúde dos Trabalhadores

Os sistemas de informações epidemiológicas dos AT perpetuam o ocultamento e a subnotiifcação da realidade dos

agravos à saúde dos trabalhadores e, em conseqüência, os mesmos passam a percorrer um caminho institucional

assentado na formalidade e na burocracia.

ESTUDO QUALITATIVO59

Coleta de informações através de entrevistas com sujeitos trabalhadores rurais que sofreram acidentes do trabalho.

Serão utilizados dois roteiros de pesquisa com questões semi-estruturadas.

Terá um Termo de consentimento livre e esclarecido.

Será utilizada a análise de conteúdo para análise das entrevistas

58 Foram analisados os registros (RINAs) de agravos somente dos trabalhadores rurais da região de Passo Fundo/RS, no período de Abr./2000 a Mar./2003, totalizando 47 cidades. O banco de dados é composto de 420

casos de acidentes do trabalho ocorridos no meio rural na região do estudo. Foi utilizado para o tratamento dos dados o programa de informática Excel 2003. Foi selecionado no Banco de dados das CATs (70.000 mil) somente os casos de acidentes ocorridos no âmbito rural, destes selecionou-se novamente 47 cidades que pertenciam a CRS de Passo Fundo, para posterior validação das CATs dos agravos notificados na RINA.

59 Roteiro das questões norteadoras da entrevista aos trabalhadores rurais: 1. Fale-me como é seu trabalho? (Que atividades desenvolvem (como apreendeu? Por ex. se dirige trator, máquina) para ver se a

trabalhadora tem controle sobre sua ação). 1.1. Principais problemas vivenciados, exemplos; freqüência desses problemas; formas de enfrentamento das dificuldades; quais as exigências do trabalho (ritmos, administração do tempo). 1.2. Como se da a divisão das tarefas no dia-a-dia (quem define cada tarefa; ver a interação (relações sociais de produção, ver hierarquia – se há conflito-trabalho-família); comunicação; por que se organiza assim, que critérios levam em consideração). 1.3. Como é a sua participação nas decisões de produção e venda? (ver se sua participação no processo de trabalho é somente uma força de trabalho – alienada, ou não (ela tem consciência disso), o que pode representar uma crise na sua identidade social). 1.4. Se sente bem remunerada pela sua atividade? (Se se sente reconhecida pelo que faz). 2. Como vê a participação da mulher hoje na atividade rural? (o que mudou nos últimos 20 anos). 3. Fale-me sobre o acidente que ocorreu com você no ano de...? (por que você acha que se acidentou; o acidente teve conseqüências na sua vida, quais; recebeu auxílio do INSS, como foi o encaminhamento, porque não recebeu; teve outros acidentes anteriores). 4. Qual a importância do trabalho na sua vida? (percepção que possui de seu trabalho/ tem um sentido/significado na sua ação; se seu trabalho tem uma importância social, ou sente o seu trabalho enquanto rotina; tem um sentimento de satisfação ao executar sua atividade ou se sente insatisfeita).

Roteiro das questões norteadoras da entrevista aos profissionais da Previdência Social: 1. Quais os benefícios concedidos aos trabalhadores rurais, em caso de acidente de trabalho? 2. O que dificulta o acesso aos benefícios? Dê exemplos práticos do dia-a-dia? 3. O que é avaliado? 3.1. Quais os critérios exigidos? 4. O trabalhador rural passa por alguma reabilitação? 4.1. Como se dá a reabilitação dos trabalhadores rurais?

Por isso, para a realização do estudo, foi\ necessário utilizar-se duas abordagens, não de forma fragmentada, mas de modo que o estudo quantitativo pudesse gerar questões para serem aprofundadas qualitativamente. Porém foi preciso aprofundar a relação entre as metodologias quantitativas e qualitativas, buscando não simplesmente uma complementaridade, mas uma integração de dados quanti/quali, dentro de um mesmo projeto (BOOTH; COLOMB; WILLIAMS, 2000).

Assim, a abordagem já pressupõe um processo metodológico fundamentado pelo paradigma quantitativo60/qualitativo61, ou seja, utilizar-se-ão as duas abordagens, não de forma fragmentada, mas de modo que o estudo quantitativo possa gerar questões a serem aprofundadas qualitativamente e vice-versa, nos seus significados mais essenciais. Nesta perspectiva, compreende-se que são complementares, nenhuma das duas abordagens é mais científica do que a outra, é preciso utilizá-las para a compreensão dos aspectos objetivos/subjetivos62 do fenômeno a que se quer dar vistas. Pois compreendemos este como ações humanas objetivadas, logo, portadoras de significado.

O grande desafio do pesquisador é buscar na prática a validação de sua construção teórica, processo que não está pronto. É preciso para isso, preocupar-se com os “caminhos do pensamento para o desafio do conhecimento”, ou seja, é preciso construir o saber científico e, ao mesmo tempo, chegar a prática (MINAYO, 2000, p.249).

Em síntese, é importante reafirmar o método escolhido pela pesquisadora para dar concretude a suas ações, sendo que esta escolha faz parte de um projeto de vida que se

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Na posição de Minayo e Sanches (1993, p. 246-247), a pesquisa quantitativa atua em níveis de realidade, nos quais os dados se apresentam aos sentidos, isto é, traz à luz dados, indicadores e tendências observáveis. É utilizada para abarcar, do ponto de vista social, grandes aglomerados de dados, de conjuntos demográficos, por exemplo, classificando-os e tornando-os inteligíveis através de variáveis.

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Ao passo que a pesquisa qualitativa trabalha com valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões. E tem o intuito de aprofundar a complexidade dos fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos mais ou menos delimitados em extensão e capazes de serem abrangidos intensamente (MINAYO e SANCHES 1993, p. 246-247).

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Entende-se que na pesquisa em saúde e trabalho deve existir uma articulação entre subjetividade e objetividade, reconhecendo que são instâncias distintas, mas, ao mesmo tempo inseparáveis, pois são diferentes faces da mesma realidade (LIMA, 2002; MINAYO, 2000).

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encontra implicado com as questões referentes à saúde do trabalhador. Esta abordagem é histórico-estrutural, pois compreende o processo saúde-doença a partir de seus determinantes estruturais (MINAYO-GOMEZ e THEDIM-COSTA, 2003; MINAYO, 2000). As discussões introduzidas por este campo envolvem as condições de trabalho e suas repercussões sobre a saúde do trabalhador, a qual é compreendida como inter-relacionada com as transformações econômicas, políticas e sociais que vêm ocorrendo no mundo do trabalho.

Nos próximos itens, busca-se descrever detalhadamente o modo como foi realizada a pesquisa, as estratégias, os caminhos adotados para abordar a problemática a que se quer dar ênfase, bem como o desenvolvimento da pesquisa na prática.

3.2. INFORMAÇÕES DISPONÍVEIS DOS ACIDENTES DO TRABALHO RURAL NO