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6.1 TEMAS DAS AULAS

6.1.2 Construções livres utilizando mais de um material

Com a utilização, ao mesmo tempo, de diversos materiais (caixas, latas, bolas, garrafas pets, tampinhas, arcos e cordas), criamos situações de construções,

Fotografia 4 - Brincadeira com tampinhas

onde as crianças possuíam grande variedade de material , seja em tamanho, forma, cor e peso. Esses momentos exigiram das crianças decisões sobre o que construir e quais materiais seriam utilizados para suas construções. Elas construíam castelos, casas, carros, carroças, etc. Algumas crianças optavam, apenas, por utilizar determinados materiais como as tampinhas e latas, outras decidiam utilizar todos os materiais, ou escolhiam por cores e tamanhos, fazendo com que suas construções apresentassem detalhes impressionantes.

Para Scaglia (2004, p.6)

A importância de se conceber e construir brinquedos encontra-se na possibilidade de se produzir imagens que possuam um significado em relação à lógica do desejo da criança, pois o brinquedo começa a partir de uma vontade espontânea, depois passa para a escolha de material, a entrega total à construção, ultrapassando os problemas gerados pelos acasos, através de soluções possíveis frente às reais e potenciais capacidades, até se consumar na ação do brincar.

As crianças, ao serem questionadas pelos adultos sobre suas produções, revelavam não somente o que produziram, mas, o significado de suas construções.

De acordo com o diário de campo:

Criança 1:- Aqui é uma casa cheia de doces (a criança aponta para as

tampinhas coloridas) e aqui são caixas de bombom (aponta para as caixas coloridas) e aqui são refrigerantes (aponta para as garrafas) E ela vai

vender para o dono da festa é tudo cinco reais. Ele já vem! ( olho mais não

vejo ninguém) Pega pra ele leva! ( Registro diário de campo, abr. 2007)

As produções favoreciam a criação de enredos de brincadeiras. As construções produzidas pelas crianças serviam como base para as brincadeiras simbólicas, transformando-se em temas de brincadeiras. Ao decidirem o que iriam construir, organizavam seus próprios grupos por afinidades e interesses. Em alguns momentos, as crianças trocavam de pares, fazendo surgir outra brincadeira com novas construções e enredos.

Conforme Brougère (2004, p.193)

Isso não quer dizer que as crianças não tendam a um objetivo quando jogam e que não executem certos meios para atingi-lo, mas é freqüente que modifiquem seus objetivos durante o percurso para se adaptar a novos meios ou vice-versa [...] portanto, o jogo não é somente um meio de exploração, mas também de invenção.

O material das Oficinas do Jogo é transformado em brinquedos pelas crianças e este poderá ter vários sentidos em uma brincadeira, por exemplo, o material transformando-se em uma casa, mercado, escolas, jogos etc. O brinquedo, então, não aparece com uma função precisa. Trata-se, antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado às regras ou a princípios de utilização de outra natureza. Nas construções utilizando o material didático das Oficinas do Jogo, as crianças criavam um mundo próprio, onde, ao construírem seus castelos, casas, e outros elementos que fariam parte de suas brincadeiras, elas transformavam os episódios de brincadeiras em cenários coloridos, arquitetados pelas imagens que têm das construções do cotidiano, das histórias infantis, das ilustrações etc.

De acordo com Brougère ( 2004, p. 40)

O brinquedo é, com suas especificidades, uma dessas fontes. Se ele traz para criança um suporte de ação, de manipulação, de conduta lúdica, traz- lhe, também, formas e imagens, símbolos para serem manipulados.Por isso, parece útil considerar o brinquedo não somente a partir de sua dimensão funcional, mas, também, a partir daquilo que podemos denominar sua dimensão simbólica.

Na transformação dos materiais, as tampinhas passavam a representar docinhos, peixinhos, flores, sol, casas, etc. As caixas se tornavam castelos, casas, muros, florestas; os arcos, casas, barcos, caminhões, carros, trens etc. As cordas viraram “Cobras Fifi e Fofa”, como foram batizadas pelas crianças. As bolas, algumas vezes, foram chuvas e estrelas. As garrafas pets, refrigerantes, muros,

portas, caminhos, etc. As latas eram panelinhas, potes de balas, degraus de uma escada, etc. Enfim, as crianças davam significados próprios para o material utilizado, criando brechas para viverem em um mundo de sonhos, magias e reinventando caminhos para as brincadeiras.

No desenvolvimento das crianças, é evidente a transição de uma forma para outra através do jogo, que representa, o imaginário em ação. A criança precisa de tempo e do espaço para trabalhar a construção do real, pelo exercício da fantasia.

Para Brougère (2004) o brinquedo aparece como suporte de uma representação, com uma imagem a ser decodificada, reinterpretada através da situação da brincadeira, na qual a criança é compreendida como um sujeito ativo,

decifrando, criando e recriando novos significados e sentidos para as suas representações.

No brinquedo, o valor simbólico é a função, e na brincadeira há uma associação entre uma ação e uma ficção, um sentido dado à ação lúdica através dos processos imaginários das crianças. É uma ferramenta poderosa para estimular e desenvolver a capacidade de imaginar e criar. E o objeto tem o papel de despertar imagens que permitirão dar sentido às ações imaginárias, sendo o brinquedo um fornecedor de representações manipuláveis de imagens com volume: está aí, a grande originalidade do brinquedo, que é trazer a terceira dimensão para o mundo da representação.

Para Brougère (2004, p. 14),

Por outro lado, quanto mais se vai à direção do jogo, mais a função vai levá- lo para a representação [...] O pólo brinquedo que aqui, nos interessa mais particularmente, é marcado pelo domínio do simbólico sobre o funcional, até pelo fato de que o simbólico é a própria função do objeto. Traduzindo em termos “funcionalistas”, importa, por trás de tudo, a função expressiva do objeto, a tal ponto que ela faça desaparecer qualquer outra função: o objeto deve significar, deve traduzir um universo real ou imaginário que será fonte da brincadeira [...]

Ao oferecermos materiais para as crianças brincarem livremente, construía- se um exercício de decisão e invenção, possibilitando a interação e a capacidade de modificar a brincadeira com os objetos construídos. Ao serem questionadas sobre o significado de suas brincadeiras, as crianças modificavam o sentido, conforme imagens que elaboravam na brincadeira. Por exemplo, uma casa, logo em seguida, transformava-se em castelo.

Conforme o diário de campo:

Em um outro canto duas meninas brincam construindo algo.

Criança 3:- Aqui dentro é a casa da Chapeuzinho, a gente colocou as tampinhas dentro da latinha pra se comidinha, ela precisa leva pra casa da vovó, né?

Este mesmo grupo depois de alguns minutos me diz:

Criança 4:- É onde mora a pequena sereia, dentro das latinhas, são conchinhas de ouro, ela guarda aqui, ó.

As crianças em suas produções, revelavam um reflexo criativo da realidade, como é possível perceber nessas aulas em que as crianças utilizavam diversos materiais livremente, e ao serem questionadas sobre suas criações, revelavam-nos,

a dinâmica e os elementos da realidade presentes em suas construções, seja as histórias ou situações do seu cotidiano, ou seja, elementos já incorporados pelas crianças.

Para Freire (1989, p.43)

[...] Durante o ato de imaginar, nada se interpõe à fantasia infantil mas,

durante ação corporal que o acompanha, verifica-se uma busca de ajustamento ao mundo exterior, uma espécie de acomodação, para

usar um termo piagetiano. Por outro lado, a ação imaginada não tem origem na mente apenas, mas na relação concreta da criança com o mundo.

A criança, ao imaginar situações de brincadeiras utiliza muito do que conhece, re-elaborando e criando de acordo com a cultura a que está inserida, formando imagens mentais de acordo com o mundo que a cerca, entretanto, suas criações não são cópias fiéis de objetos ou situações, nem uma invenção absolutamente livre de influência do real, porque a criança tem a capacidade de brincar com as imagens, de acreditar no mundo invisível, mas isso não significa que ela alucine ou fuja completamente dos elementos da realidade, a criança tem a capacidade de viajar por mundos estruturados por elas, e ao mesmo tempo tem o poder de voltar à sua realidade.