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2. CAMINHOS METODOLÓGICOS PERCORRIDOS

2.1 Construindo a pesquisa qualitativa: o método interpretativo

Foi a partir de uma pretensa desvinculação com o legado histórico e cultural de seu tempo que o filósofo francês Descartes buscava por uma razão “pura”. Em decorrência dessa posição, foi sendo instituída certa ideia de que o método é o ponto fulcral, constituindo, assim, a racionalidade moderna. Consequentemente, um modelo de Ciência e investigação científicas foi se impondo, o denominado modelo positivista, como monopólio da cientificidade, que asseverava o método como garantia do caminho seguro para o paraíso do saber. A ilusão do método perdura, como se existisse a possibilidade de traçar um caminho e segui-lo linearmente, sem escorregar no erro (NAJMANOVICH, 2003). Hoje, entretanto, sabemos que, muitas vezes, é justamente no erro ou nas “sobras” ignoradas durante um processo de pesquisa que está o ouro.

No âmbito das Ciências Sociais e Humanas, os fenômenos que são colocados sob o seu foco da investigação manifestam características que se diferenciam dos fenômenos tipicamente naturais:

O caráter radicalmente inacabado dos mesmos, sua dimensão criativa, autoformadora, aberta a mudança intencional. [E] [a] dimensão semiótica de tais fenômenos. A relação em parte indeterminada e, portanto, polissêmica entre o significante observável e o significado latente de todo fenômeno social ou educativo (PÉREZ GOMEZ, 1998, p.100).

Essas características singularizam os fenômenos educativos e precisam ser consideradas ao se estabelecer o modelo metodológico da investigação para que se permita compreender os significados de forma mais profunda e contextualizada. Portanto, a natureza dos fenômenos estabelece quais processos de investigação são mais adequados e não o contrário. Além disso, investigações são conduzidas a partir de matrizes conceituais que definem a forma que olharemos para o objeto de investigação, influenciando a construção do tipo do problema, a escolha dos

instrumentos e, posteriormente, os critérios para legitimidade dos conhecimentos produzidos (PÉREZ GOMEZ, 1998).

Dessa forma, constitui-se um modelo de pesquisa alternativo ao modelo positivista, definido como pós-positivista, no qual

[a] relação entre o modelo metodológico e a conceitualização do objeto de estudo é dialética. [...] [A] análise da pertinência dos métodos de investigação educativa se desenvolve ao mesmo tempo que ocorre a análise e o debate do conceito que vamos elaborando sobre os fenômenos educativos (PÉREZ GOMEZ, 1998, p.100).

Corroboro a prerrogativa de que a matriz conceitual precisa dialogar com os processos metodológicos. A forma como se compreende os fenômenos educativos condiciona a escolha dos procedimentos de investigação e, conforme a investigação vai acontecendo, a compreensão dos fenômenos vai se atualizando, podendo suscitar transformações metodológicas. Ou seja, o método não pode ser anteposto à experiência, pois não há um único caminho ou procedimento adequado para pensar, criar e conhecer.

Seguindo esse sentido, vou abrindo minha ação à multiplicidade de significados e, assim, renuncio à ilusão de um saber absoluto (NAJMANOVICH, 2003), pois acredito que tal coisa não seja possível dada a complexidade e dinamicidade dos fenômenos educativos, pois sempre há que se recomeçar o processo de pensar.

Analisar e descrever os encontros formativos entre pares, em sentido metodológico, significa operar enquadramentos, recortar, vasculhar, detalhar, subtrair e combinar acontecimentos, movimentos, ideias, ações, relações, motivos, sentidos, conteúdos, metodologias, conhecimentos e pensamentos, mas, também, deixar ver, assombrar-se, ser interpelado pelo inusitado. Isso porque uma experiência é, em algum nível, inexplicável e (in)dizível; por isso, sempre resta algo a dizer, contar, reviver, recriar.

Os caminhos metodológicos são impossíveis de serem engendrados abstratamente. Eles encontram nascentes em inquietações que provém da insatisfação com as respostas (transitórias) que possuímos (BUJES, 2007). As perguntas movem a busca e munem o olhar.

O caminho metodológico que assumo se insere em uma abordagem interpretativa, que se preocupa com significações existenciais. A nascente da questão de pesquisa decorre de algum tipo de problema ou inquietação cotidiana própria da pesquisadora (DEVECHI, TAUCHEN, TREVISAN, 2012). O caminho que fiz até aqui

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parte de um interesse que se construiu através de um movimento de reflexão sobre minha trajetória enquanto pesquisadora iniciante.

A reflexão não ocorreu no vazio; ela foi guiada por textos e experiências. Então, construo um movimento conceitual amparada em autores que se inserem na tradição da Filosofia, da Pedagogia e da Formação de professores. Esse movimento de construção da pesquisa demonstra que o conhecer está ligado à certeza, enquanto que o pensamento é gerado pela incerteza (ALMEIDA, 2011).

Assim, expressas as posições que considero na pesquisa qualitativa, retomo a questão de pesquisa:

Como aconteceram os processos e práticas de formação continuada no âmbito do PNAIC-UFPEL, enquanto política e programa de formação entre pares?

Para conduzir o processo de investigação, estabeleci o seguinte objetivo geral: descrever e analisar os processos e práticas formativas, no âmbito do PNAIC-UFPEL, enquanto política e programa de formação continuada entre pares, professoras formadoras e orientadoras de estudo. E, para alcançar certa pretensão, indicada pelo objetivo geral, foram necessários um conjunto de procedimentos e ações pontuais, os objetivos específicos. No caso desta pesquisa, são os seguintes:

- Descrever e analisar a política e o programa quanto aos seus processos e princípios;

- Descrever e analisar os conteúdos e estratégias formativas; - Discutir a noção da formação entre pares.

Nada fala por si, só existe interpretação. Interpretar é a tarefa de dar sentido ao que foi apreendido (DENZIN, 1994 apud GRAUE, 2003). O processo é tanto objetivo como subjetivo. Não existe uma única realidade; os indivíduos constroem o sentido da realidade em que vivem. Daí a importância de captar a rede de significados compartilhados pelos sujeitos que só pode ser capturada de maneira situacional (PÉREZ GÓMEZ,1998).

Para ultrapassar as manifestações observáveis e chegar às representações subjetivas que permitem a compreensão dos sentidos e significados dos acontecimentos é necessário penetrar e envolver-se emocionalmente. Sem esse envolvimento não existe autêntico conhecimento de processos latentes dos fenômenos (PÉREZ GÓMEZ, 1998). Para compreender é preciso abrir-se e deixar-se afetar pelos outros, pelo que escrevem e pelo que dizem.

A realidade é conhecida através da percepção dos sujeitos, do significado que atribuem às experiências (GREENE, 1978 apud BOGDAN, BIKLEN, 1994). Assim, fiz uma interpretação com amparo de teorias para compreender ações ou textos, ocorrendo uma atualização do sentido pela intérprete (DEVECHI, TAUCHEN, TREVISAN, 2012).

Por ser interpretativo, o processo de investigação não é linear, pois a interpretação é definida como uma atividade emaranhada e holística. Os passos do processo transmitem informação uns aos outros para que se atinja coerência através da convergência entre conceitos e empiria (GRAUE, 2003) numa tentativa de buscar relacionar o todo e as partes. Assim, o encontro entre pesquisadora e os textos pode gerar novas percepções e, também, suscitar a busca de outras teorizações.

No enfoque interpretativo, a finalidade é a compreensão dos fenômenos. Os fenômenos educativos existem no pensamento e na cultura dos sujeitos e não podem ser compreendidos sem que entendamos os valores e as ideias dos que nele participam (PÉREZ GÓMEZ, 1998). Deste modo, confere-se ao conhecimento um valor instrumental de apoio intelectual na análise da realidade e na tomada de decisões para e na ação, o que difere radicalmente da previsão e controle da ação futura. Portanto, o estudo não se reduz à identificação de padrões, mas se preocupa com a compreensão de aspectos diferenciadores e imprevistos (PÉREZ GÓMEZ, 1998). Frente a isso, torna-se importante dizer que a abordagem interpretativa foi eleita nesta pesquisa por possibilitar uma abertura capaz de permitir um movimento compreensivo sobre o encontro com os outros e com os textos em seu contexto de produção.