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Construindo identidades

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1.2 OS MARCADORES DA IDENTIDADE, GRUPOS ÉTNICOS E

1.2.1 Construindo identidades

É possível tomar como sinal diacrítico que fundamenta a etnicidade do grupo estudado a negritude tendo em vista que todos se autodenominam negros. Parece coerente, ao se tratar de um grupo quilombola no qual todos os integrantes se autoidentificam como negros, investigar negritude, pois antes que o afrodescendente reconheça em si qualquer identidade, primeiramente é necessário identificar-se como

negro. Embora existam diversas negritudes no Brasil, todas são baseadas no fator fenótipo, a cor da pele (BATISTA, 2016).

Para o autor é pela cor da pele que o indivíduo vivencia a experiência do preconceito de marca. É a discriminação que o faz se perceber negro de forma geral, independente que milite ou não na causa. As múltiplas noções de negritude são decorrentes de experiências discriminatórias e preconceituosas vividos de forma individual e das construções coletivas de identidades grupais e grupos de pertença.

A ideia de múltiplas noções de negritude refere-se à ideia de identidades especificas dos negros. Identidades político-culturais que são construídas sob a base de ser negro, de tornar-se negro, ou seja, de um perfil ideal ou militante do negro que se reconhece em um contexto sua cor e outras características fenotípicas, promovem experiências, em sua grande maioria, desagradáveis e violentas (BATISTA, 2016).

O autor baseia sua ideia no pensamento de Castells (2000) ao afirmar que existe uma identidade negra coletiva fundamentada em Africanidades. A construção dessa identidade negra parte de uma realidade comum, da construção de significados baseados em um atributo cultural marcado pelas relações de poder desiguais.

Outro autor que trabalha mesmo tema é Ruscheinsky (1999), com base no pensamento de Alian Touraine. Para o autor, identidade é um elemento que em conjunto com a emergência dos atores, a ação social e política, dimensão cultural e a autonomia, se torna fundamental para a análise dos movimentos sociais.

De acordo com Ruscheinsky (1999), quanto menos abrangentes são esses grupos, ou seja, locais ou de base, eles tendem a se definir culturalmente, atuando na defesa comunitária. Preocupam-se em firmar a sua identidade e, portanto, acabam apresentando menos demandas que atuem sobre o sistema político e requerer menor representação política. Mas quando esses grupos são abrangentes, suas preocupações passam a ser com a sua representação política e suas demandas são direcionadas a ações sobre o sistema político.

Batista (2016) e Ruscheinsky (1999) inferem a importância da identidade para o estudo dos movimentos sociais. O primeiro autor, sob uma visão estruturalista, acredita que a identidade é construída pela tomada de consciência do movimento quanto as suas condições econômicas e a internalização da cultura. O segundo autor tem uma tendência culturalista e acredita que pela emergência dos atores, identidade

é um dos elementos importantes para entender os movimentos sociais. Além disso, acredita que afirmar uma identidade é mais importante para grupos de pequena abrangência que apresentam pouca influência sobre o sistema político.

Ambos estão corretos porque todos os elementos elencados por eles na produção de uma identidade são relevantes em proporções distintas para cada grupo. Assim, a visão de Castells (2018), parece a mais condizente com a realidade do grupo estudado, não se limitando ao tamanho do grupo para determinar sua a atuação, mas nas múltiplas possibilidades identitárias coexistentes nele.

De acordo com o autor, entende-se por identidade a fonte do significado e a experiência de um povo. Em relação aos atores sociais, identidade é um processo de construção de significado baseado num conjunto de atributos culturais inter- relacionais que prevalecem sobre outras fontes de significados. Essa construção sempre ocorre dentro de um contexto de relação de poder e a pluralidade de fontes causa contradições em relação à autorrepresentação e na ação social (CASTELLS, 2018).

Para o referido autor, a identidade é construída da matéria prima disponível na história, na biologia, na memória coletiva, nos aparatos de poder, na fantasia pessoal e nas revelações religiosas. Essa matéria prima é processada pelos indivíduos, pelos grupos sociais e pela sociedade que os ressignificam em favor de uma tendência social ou projetos culturais. A questão é: como, para quê e porquê elas são construídas?

[...] quem constrói a identidade coletiva, e para quem essa identidade é construída, são em grande medida os determinantes dos conteúdos simbólicos dessa identidade, bem como de seu significado para aqueles que com ela se identificam ou dela se excluem (CASTELLS, 2018, p. 23-24).

Castells (2018) propõe três formas e origem de construção de identidades: identidade legitimadora, de resistência e de projeto. A identidade legitimadora é introduzida pelas instituições dominantes como forma de expandir e racionalizar seu poder sobre os atores sociais. E dá origem à sociedade civil.

A identidade de resistência é construída por atores que se encontram marginalizados pela lógica da dominação. Esse tido de identidade leva à formação de comunidades e cria formas de resistências coletivas. A identidade de projeto é quando os atores utilizando material cultural constroem nova identidade capazes de redefinir sua posição na sociedade. Ela produz novos sujeitos.

Para o autor, na construção da identidade tardia não há continuidade entre a lógica da criação de poder e a lógica de representação. Também não há na associação em sociedades e culturas específicas. A busca pelo significado acontece através da reconstrução de identidades de resistência e seus princípios comunais. A identidade de projeto se origina da identidade de resistência: religiosas, nacionalistas, étnicas, territoriais, feministas e ambientalistas.

As mudanças simbólicas de grandes proporções e afastadas do poder são determinadas por redes multiformes. São os embriões da nova sociedade. O autor destaca os processos fundamentais para a construção da identidade coletiva dentro do processo de transformação social da sociedade em redes. Os fatores que influenciam o processo transformação social coletivo são: o fundamentalismo religioso, o nacionalismo, a identidade étnica e a identidade territorial.

O fundamentalismo religioso é um atributo que a sociedade busca para encontrar refúgio e consolo. O fundamentalismo é construção de uma identidade coletiva, baseada no comportamento individual e das instituições sociais com as normas provenientes da lei de Deus. Tais leis são interpretadas e disseminadas por um especialista religioso. Os fundamentalistas não conseguem discutir com pessoas que não compartilhem de seus comprometimentos. No tripé fundamentalista formado pela cultura, religião e política, a política e a cultura são subjugadas. A identidade é construída pela politização do sagrado, pela sacralização da política e pela transformação das instituições em devoção social. Torna-se uma política de identidade que não é construída, é apenas assumida, pois já está pronta (CASTELLS, 2018).

A globalização faz ressurgir o nacionalismo. A reconstrução da identidade com base na nacionalidade cultural e territorial, em oposição ao estrangeiro. O nacionalismo se constrói a partir das ações e reações sociais das massas e das elites. Ele é cultural e politicamente construído. Os nacionalismos são fontes renovadas de identidades coletivas, formadas a partir da memória coletiva, das histórias e dos projetos políticos compartilhados (CASTELLS, 2018).

A etnia é fonte de significado a base para muitas lutas por justiça social. Na era global raça e etnia são questões centrais afetadas pelas tendências societárias. A etnia é fonte de identidade de acordo com os princípios de autodefinição cultural. Embora raça ainda seja uma categoria de diferenciação e exclusão, a questão da

classe social vem dividindo os negros. Os que ascenderam à classe média procuram se afastar dos guetos e do estigma da cor da pele. Portanto, a etnia tem construído barreiras defensivas e de territorialidade nas comunidades locais, como por exemplo, as gangues na luta por espaços próprios. Dessa forma, as raízes étnicas são misturadas, processadas, divididas de acordo com a nova lógica de informacionalização/globalização que produzem compostos simbólicos a partir de identidades de difícil discernimento (CASTELLS, 2018).

Identidade territorial é construída nas comunidades locais pela ação coletiva e preservada pelas memórias coletivas. São fontes de identidades específicas, reativas contra a desordem global, elas constroem abrigos, são organizadas em torno de valores e significados. Seu uso compartilhado obedece a um código cultural específico de autoidentificação, a partir da matéria prima oferecida pela história. Essa forma de construção de identidade orbita em torno do princípio da identidade de resistência (CASTELLS, 2018).

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