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Consultório D Lopo de Carvalho (1902) A “Composição.” Natureza, Educação, Higiene e Saúde.

Fase IV: Bacillus Calmette-Guérin (BCG), a vacina contra a tuberculose A extinção da função dos dispensários antituberculose.

1. Consultório D Lopo de Carvalho (1902) A “Composição.” Natureza, Educação, Higiene e Saúde.

A cidade da Guarda é referenciada pela primeira vez pelos benefícios que trazia para a saúde, no tratado da “Concervaçam da Saúde dos Povos”, de Ribeiro Sanches (1756). Esta volta a ser referida pelas suas propriedades de cura aquando da expedição científica à Serra da Estrela, organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1881. O seu clima de altitude, a baixa pressão atmosférica, e a pureza e secura do ar, eram ideais para a aplicação da trilogia de cura de Brehmer: “ar puro, alimentação substancial e repouso prolongado”. No entanto, só no início do século XX, a cidade começa a receber os primeiros equipamentos médico-assistenciais.

Em partes opostas da cidade, e ficando no centro a cidade medieval, são construídos o Sanatório Souza Martins (a Sul/Sudoeste) e o Hospital da Misericórdia (a Nascente). O antigo Hospital da Misericórdia, que existe desde o século XV, foi transferido para novas instalações, no século XX. O projecto de 1898 é realizado por António Augusto da Costa Simões (1819-1903).3

Em 1907 foi inaugurado, pela rainha D. Amélia e pelo rei D. Carlos, o Sanatório Souza Martins (SSM). O médico da rainha, Dr. António de Lencastre de Souza Martins, e acompanhante regular da rainha nas suas viagens científicas, realizava na Guarda e em Manteigas (Serra da Estrela) relevantes actividades na luta antituberculose. Ele considerava o clima português semelhante ao das melhores estâncias santorais europeias (como a de Davos na Suíça), e é ele que impulsiona a ANT na construção do Sanatório.

Para a inauguração do SSM a cidade enfeitou-se sob a direcção artística de Rogério Reynaud, aluno das Belas Artes do Porto. Aqui também trabalharam, na transição para o século XX, importantes arquitectos: Raul Lino, autor do projecto do Sanatório Souza Martins; e Rosendo de Carvalheira, nas obras de conservação da Sé da Guarda (1899- 1921), com projecto de 1897. A cidade, que viu nesta época a sua população aumentar de 4000 para 30000 habitantes, viu também a sua área crescer e expandiu-se para lá das muralhas, multiplicando-se as novas construções.

Para primeiro director do Sanatório Souza Martins foi escolhido o Dr. Lopo José de Figueiredo Carvalho (1857-1922). O médico era já delegado de saúde e director do Hospital da Misericórdia da Guarda. A sua actividade profissional traz-lhe o reconhecimento e “em 1903, a população da cidade oferece-lhe o edifício do

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António Augusto da Costa Simões é o responsável, a partir de 1869, pela (re)construção dos Hospitais da Universidade de Coimbra. É autor de vários livros sobre construção hospitalar, e é tido como o maior especialista em Portugal sobre o assunto. Em 1890 realiza uma viagem de estudo para visitar construções hospitalares, passando pela Alemanha, França, Espanha e Bélgica (Portaria do Ministério do Reino, 12 de Julho 1890). É também considerado o maior impulsionador do método experimental em Portugal.

consultório, cuja fachada em granito é caracteristicamente em estilo neo-românico inserindo-se no revivalismo artístico que nesta época se fazia sentir.”4

A “Composição.” Natureza, Educação, Higiene e Saúde.

O Consultório Dr. Lopo de Carvalho, apesar de não ter sido inicialmente concebido como dispensário, trata sobretudo doenças relacionadas com a tuberculose, e acaba por funcionar como dispensário da ANT, SLAT e, quando passa para a alçada do Ministério de Saúde, alberga os Serviços de Tuberculose e Doenças Respiratórias.

Como um dos primeiros edifícios criados em Portugal tendo como fim o combate à tuberculose, é uma primeira experiência na definição de um programa para o dispensário, que foi posteriormente (consciente ou inconscientemente) sistematizado num projecto-tipo.

O estudo deste edifício é interessante, não só pela sua organização interna, mas pelo todo. O seu jardim, que rodeia o templo de saúde (consultório), e as instalações sanitárias, são parte de uma composição que visa uma intervenção ao nível social para o melhoramento da vida humana. Este conjunto simbólico associa as premissas: Natureza, Educação, Higiene e Saúde.

O jardim murado, que rodeia o 'pequeno templo de Saúde', vai ser utilizado posteriormente na implantação dos vários projectos-tipo. O dispensário da ANT é sistematicamente construído num jardim (preexistente ou projectado) ou nas suas proximidades. O Jardim simboliza a natureza e o ar puro benéficos para manter o Homem saudável.

Outra peça fundamental nesta trilogia são as instalações sanitárias. Raras, nas habitações particulares dos estratos sociais mais desfavorecidos, até meados do século XX, é comum encontrarem-se instalações sanitárias públicas na proximidade do equipamento dispensário. É uma maneira de educar a população, que nesta altura tinha uma elevada taxa de analfabetismo, associando os hábitos de higiene à manutenção da saúde.

Para o edifício do consultório, com a sua fachada ecléctica voltada para a rua, pode estabelecer-se um paralelismo com um pequeno templo românico onde a população ia receber a doutrina5 sobre saúde. A utilização de uma corrente estilística ‘oficial’6 na

4 BORGES, Dulce Helena Pires -“Guarda Cidade Saúde” in Guarda formosa na primeira metade do séc. XX;

p. 319.

5 O Dr. Lopo de Carvalho, como delegado de saúde, era a autoridade de saúde a quem cabia vigiar, defender e

promover a saúde pública.

6 A partir de 1900 o estilo neo-românico começa a ocupar o primeiro lugar para a preferência de um estilo

verdadeiramente português. Este estilo ‘primordial,’ contemporâneo à fundação da nacionalidade, começa a desenvolver-se nos alçados de Norte a Sul do país, e é aceite pelos melhores arquitectos da época. Sendo o primeiro estilo nacionalista este está ligado à ideia da ‘casa portuguesa.’ (suscitada pela leitura de José- Augusto França in “Do Manuelino Ao Neo-Românico” in: A Arte Em Portugal do Século XIX, Volume II;

fachada do edifício é utilizada como analogia ao facto de albergar um equipamento relacionado com a autoridade vigente. Esta utilização da fachada como instrumento de comunicação é um recurso utilizado, mais tarde, pelo Estado Novo como forma de publicitar uma imagem do regime, o projecto-tipo para os dispensários de Carlos Ramos é disso exemplo.

A granítica fachada destaca-se do corpo do edifício como um cenário voltado para a Estrada Municipal nº 14 (a Sul) – hoje Rua Vasco da Gama. A Poente é desenhado o traçado para uma nova rua que liga o Consultório a uma das ruas principais da cidade, a Rua Marquês de Pombal. A entrada fica voltada para esta Rua Nova (hoje Rua Mouzinho de Albuquerque) sendo feita lateralmente; é feita pelo módulo central, dos três módulos que marcam as fachadas laterais (voltadas a Poente e a Nascente). As fachadas laterais e a fachada traseira eram rebocadas, o que ressalta as linhas graníticas das molduras das aberturas, que eram encimadas por um pequeno frontão arredondado e envidraçado.

Os elementos decorativos que marcam a fachada como fazendo parte de um estilo neo- românico são: o rústico da cantaria e do aparelhamento horizontal do granito; as molduras, em arco de volta inteira, das duas janelas da fachada, reforçadas por um friso também em arco; e o conjunto de cachorros onde assenta a cornija. Estes elementos suportam uma platibanda onde o apontamento de um pequeno frontão marca a influência do estilo clássico. O classicismo é também verificado na planta quadrada, no rigor geométrico das fachadas do edifício, na simetria e na pureza geométrica dos volumes, o do corpo (rectângulo) e o da cobertura (triângulo) do consultório.

Localizado atrás da igreja da misericórdia, à saída para Nascente da urbe medieval, foi doado, para a sua construção, uma parte do terreno do largo de S. João com 24x72 metros. Nesses 24x72 metros é implantado o edifício. A sua planta quadrada é rodeada pelo jardim. Afastadas do edifício do consultório foram construídas as instalações sanitária, que apesar de não aparecerem no projecto, aparecem numa fotografia/postal de 1912 (F.26).

F. 23 – Postal do Consultório Dr. Lopo de Carvalho do início do século XX.

F. 24 – Fotografia do centro de imagiologia da Guarda (Mariana Consciência, 2012).

F. 25 – Malha envolvente do Consultório Lopo de Carvalho, Guarda (Google maps, 2011).

F. 26 – Postal de 1912 do Consultório Lopo de Carvalho.

Inicialmente localizado na periferia da cidade, isolado de outras construções (F.26), é hoje integrado numa malha urbana compacta (F.25). No entanto mantém o seu espaço de

respiro, o jardim. O acesso ao interior, inicialmente feito pela fachada lateral, hoje é feito pelas traseiras. Ao equipamento, foi também acrescentado um módulo, e uma cobertura para ligar o edifício às instalações sanitárias. A sua função actual mantém-se ligada ao campo do rastreio médico (centro de imagiologia), e o edifício é agora tutelado pela ARS do Centro (Administração Regional de Saúde).