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Capítulo III – Os Prosumidores, as Redes e a Economia Solidária

3.3 Consumo Solidário

A evolução da humanidade passou por várias fases históricas, mas sem dúvida, nenhuma houve uma transformação tão rápida quanto a que estamos vivenciando neste período histórico. A tecnologia não nos trouxe apenas evolução, nos trouxe também revoluções Sociais, Políticas, Econômicas, Culturais, etc. O Homem deixou de ser um indivíduo localizado, no sentido de viver em função do local a que pertencia, para ser um indivíduo globalizado, vivendo e sendo influenciado por fenômenos mundiais a partir do momento em que as distâncias tornaram-se obstáculos transponíveis cada vez com maior facilidade. Tudo isso para então, na atualidade, voltar a ser local a partir de uma consciência global, ou seja, sendo Glocal7 (Franco, 2003; Sedda, 2008; Trivinho, 2001), vivendo o local de forma consciente e ativa, mas sem perder a relação com global, onde o agir localmente influencia globalmente e vice-versa.

Este novo indivíduo local, ou localizado, assume também uma outra conotação, além da que já foi antes mencionada, deixando de ser um ator passivo e passando a atuar ativamente, cada

7 Para Sedda (2008) podemos compreender como Glocal “a relação local global partindo do papel do corpo e da prática cotidiana na construção do sentido e então colocando e articulando os 'caminhos' que ligam (em ambas as direções) esse nível com as construções de identidade e de senso de pertencimento por meio da produção de 'histórias' ou, mais frequentemente, por meio de discursos sociais (desde os discursos 'históricos' e 'políticos' até aqueles representados pela 'mídia'): a produção, no interior do discurso, de 'tempos', 'espaços' e 'atores' é de fato a via para produzir subjetividade cultural e para definir espacialidade 'local' e 'global'” (Sedda, 2008). Ver também Eugênio Trivinho (2001 in Trivinho, 2006), onde ele descreve o glocal como: “O fenômeno glocal compreende a mescla inextricável entre o conteúdo global da rede (fincados em imperativos de mercado) e o espaço local de socialização e reprodução da existência cotidiana (então convertido em contexto de recepção e transmissão do conteúdo global” (Trivinho, 2006).

vez mais influenciando nas decisões e assumindo, a partir daí, a responsabilidade pelo seu futuro. A partir deste ponto, essa mudança começa a causar rompimentos profundos na estrutura social, política, econômica e cultural. Mas como ocorre essa ruptura? Através do que Mance (1999) chama de consumo solidário. É através da revisão da nossa atividade mais essencial, ao lado do respirar, que ocorrerá essa evolução. Será reorganizando o sentido do consumir que poderemos migrar do atual sistema econômico capitalista em que vivemos para um outro sistema econômico, baseado na economia solidária.

O consumo, segundo Mance, é uma necessidade para todo ser vivente, sem ele a vida se exaure e advém a morte (Mance, 1999: 26). Contudo, prossegue, “no caso da vida humana, todavia, o consumo não visa apenas a satisfazer as necessidades biológicas e naturais, mas as necessidades culturais que qualquer sociedade produz segundo seu próprio modelo de vida” (Mance, 1999: 26). Mance nos dá uma ideia de como ocorre esse processo em seu livro A Revolução das Redes (1999), onde ele exemplifica o funcionamento de nossos hábitos de consumo dividindo-os em quatro formas distintas: o consumo alienante, o consumo compulsório, o consumo como forma do bem viver8 e o consumo solidário. Sem adentrarmos muito em cada tipologia, faremos uma breve descrição dos três primeiros tipos, segundo a visão que Mance (2002) expõe em seu livro para, em seguida, nos determos um pouco mais no consumo solidário.

Segundo Mance, o consumo alienante seria aquele que estaria vinculado àquele onde o ato seria mais estimulado pelos inputs recebidos através das campanhas de marketing do que pela busca da satisfação das necessidades básicas. Já o consumo compulsório seria aquele que, não havendo o consumidor condições para adquirir os produtos das marcas mais caras, buscaria maximizar o poder de compra do seu dinheiro. O terceiro tipo seria o consumo como mediação do bem-viver, ao qual Mance se refere como a busca pela “satisfação das necessidades e desejos, peculiares a singularidade de cada um, o refinamento dos prazeres

8 O bom viver referido por Mance não se trata do buen vivir, já referido anteriormente e originado a partir da cultura indígena na América Latina, e adotado por muitos como um estilo de vida consciente e próximo aos valores da Natureza.

possibilitados pelo consumo (Mance, 2002: 40)”. Mance ressalta que o consumo como mediação do bem-viver pode se transformar em consumo solidário, quando ele além de buscar o bem-viver individual for direcionado para se alcançar o bem-viver coletivo. Igualmente, o consumo compulsório torna-se solidário quando um grupo de pessoas se organiza para comprar coletivamente e o objetivo é o bem comum do grupo, podendo assim maximizar o poder de consumo do grupo, comprando melhor e em maior quantidade do que poderiam adquirir individualmente (Mance, 2002: 41).

Finalmente, chegamos a tipologia de consumo descrita por Mance que interessa diretamente ao nosso objeto de estudo. Segundo esse autor, no consumo solidário o que se busca é contribuir socialmente para o bem viver da coletividade, visto que é no consumo que a produção se completa, e que este tem impacto sobre todo o ecossistema e sobre a sociedade em geral (Mance, 2002: 40). É através do consumo solidário que conseguimos romper o ciclo vicioso que alimenta o capitalismo exploratório, onde os lucros são realizados em detrimento a miséria humana e a destruição do ecossistema. Cada vez que consumimos um produto que foi produzido com base nos princípios de uma economia solidária, estamos alimentando uma cadeia produtiva que trabalha para reverter os efeitos nefastos do capitalismo selvagem, ao mesmo tempo em que transferimos o capital da esfera da economia de mercado para a esfera da economia solidária. Consequentemente, agindo assim, contribuímos ao mesmo tempo para a redistribuição do capital de forma mais equitativa, para recuperação do ecossistema, para diminuição do trabalho exploratório, etc. Contudo, o consumo solidário só ocorre quando consumimos bens e serviços que sejam elaborados, ou comercializados de forma solidária (Mance, 2002).

Sendo assim, estamos tratando de um processo de reeducação dos nossos hábitos de consumo. Existe uma necessidade de se criar condições para que as gerações futuras tenham acesso a produtos e serviços solidários, mas, para que isso ocorra temos de construir, hoje, um mercado que seja voltado para dar suporte a esta nova economia. Trata-se aqui, acima de tudo, de educarmos no presente os pais daqueles que serão os consumidores do futuro, os verdadeiros consumidores solidários, e por que não dizermos, os prosumidores solidários. Prosumidores

que produzirão em rede, consumirão em rede, compartilharão em rede, num processo de autopoiese descrito por Euclides Mance, e que poderão ser chamadas de Redes Locais de Prosumidores. Atualmente, ou por não dispormos de uma gama de produtos que atendam todas as nossas necessidades, ou por não termos os recursos financeiros necessários para satisfazermos as nossas necessidades com produtos solidários, ou por ambos, não podemos ainda pensar em comunidades que possam praticar de forma integral o consumo solidário. Mais uma vez, parece aqui nos aproximarmos da visão político pedagógica que encontramos nos texto de Gadotti (2009) e Singer (2002). É necessária a construção de processos pedagógicos que auxiliem na construção de uma educação voltada para a economia solidária. Apenas para lembrarmos de Paulo Freire (1987) e a sua contribuição no processo da educação popular, e muitas vezes citado por Gadotti, a educação é a base do futuro, e é essa educação que estamos construindo através da prática (Freire, 1987), pois como conclui Gadotti, “a economia solidária é uma práxis pedagógica” (Gadotti, 2009: 23).