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Contabilidade como instrumento de informação e representação social

2 PLATAFORMA TEÓRICA

2.4 Psicologia social e o crédito

2.4.4 Contabilidade como instrumento de informação e representação social

Para Jovchelovitch e Guareschi (2008) a linguagem é uma forma de expressão que é especificamente humana. É uma característica distintiva do ser humano em relação aos animais, sendo também de caráter social.

A contabilidade é agente de informação do mercado financeiro. É através das demonstrações contábeis que as empresas ou entidades apresentam formalmente informações relativas à situação financeira e por vezes, ao formato da operação.

Conforme expõem Lopes e Martins (2005, p.76):

Além do fluxo de recursos no sistema financeiro, temos o fluxo de informação. Para que os investimentos possam ocorrer, os investidores demandam informações que permitam a avaliação das peculiaridades dos ativos sendo adquiridos, além de mecanismos eficazes de controle e monitoração de performance. A contabilidade possui papel central nesse contexto como fonte de informação. A informação contábil pode ser usada para a avaliação da qualidade dos ativos (análise de balanços, por exemplo), para a avaliação da performance de agentes investidos pelos acionistas (remuneração de executivos), para controle do comportamento dos gestores após a concessão de créditos (debt covenants em dívidas).

Quando uma empresa deseja expandir a produção com a compra de novas máquinas ou simplesmente reestruturar a dívida bancária já existente no balanço contábil, recorre às instituições financeiras com o intuito de obter linhas de crédito. Na ocasião da avaliação, a área de Crédito de um banco reúne um conjunto de informações, tais como: dados cadastrais do tomador de crédito, conjunto de indicadores financeiros obtidos por balanço, declarações de impostos ou relatórios gerenciais passados, conjunto de informações coletadas no mercado ao qual o cliente participa, e eventualmente, conforme o tipo de cliente, outras informações peculiares ao setor de atuação. Essas informações são denominadas por Securato (2002) como preocupações do Analista de Crédito.

Securato (2002, p. 59) detalha ainda o início do processo de crédito:

Para avaliação de risco de crédito de pessoas jurídicas que elaboram os demonstrativos econômico-financeiros básicos, o analista de crédito deverá formar um dossiê contendo os Balanços Patrimoniais, as Demonstrações de Resultados dos Exercícios, o Quadro de Mutações do Patrimônio Líquido e as Demonstrações das Origens e Aplicações de Recursos. É usual o credor solicitar os demonstrativos relativos aos três últimos exercícios e, em situações em que o crédito esteja sendo avaliado em mês distante da data de fechamento do último exercício, pedir adicionalmente um Balancete recente. Algumas empresas, constituídas sob a forma de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, nem sempre elaboram todos os demonstrativos, oferecendo apenas os Balanços, as Demonstrações de Resultados e o Balancete de Verificação.

Assim, observamos que as demonstrações contábeis são parte relevante do processo de avaliação do risco de crédito das instituições financeiras, uma vez que compõem o relatório final elaborado pelo analista de crédito no qual determina o nível de risco de crédito apresentado pela empresa. A presente pesquisa busca compreender a relação entre as demonstrações contábeis e o analista de crédito, sob o entendimento que as mesmas carregam (sem controle consciente) a função de representação social da empresa nos ambientes de concessão de crédito.

A teoria de representação social foi estudada por diversos pesquisadores conforme observaram Jovchelovitch e Guareschi (2008), que contribuíram ao tentar observar o que acontece quando um novo corpo de conhecimento, como a psicanálise se espalha dentro de uma população humana; o resultado foi obtido através do emprego de questionários, pesquisas de opinião, etc, colhendo inclusive amostras sobre a informação que circulava na sociedade sobre o objeto do seu estudo através da análise do conteúdo de jornais.

Jovchelovitch e Guareschi (2008) lembram que as representações estão presentes tanto “no mundo”, como “na mente” e que ambos os contextos devam ser estudados. O autor ainda menciona que: somente vale a pena estudar uma representação social se ela estiver relativamente espalhada dentro da cultura em que o estudo é feito.

Para entender a importância das demonstrações contábeis na concessão do crédito é significante o entendimento do ambiente ao qual os analistas de crédito estão inseridos. Cada banco tem uma equipe de analistas de crédito distribuídos em regiões, segmentos de atuação ou tamanho por faturamento; é provável que os ambientes diferenciem-se entre os bancos,

dado que cada um adota políticas e processos de concessão de crédito conforme determinação do Banco Central do Brasil através da Resolução 3.721/09.

Na figura 1 há uma representação do ambiente de análise de crédito e a importância das demonstrações contábeis no processo. O gerente comercial visita a empresa e entende as necessidades de linhas de crédito; posteriormente elabora uma proposta de crédito e envia a área de Análise. O analista solicita as informações da empresa (dentre elas as demonstrações contábeis, conforme já mencionado em parágrafos anteriores) e mantém contato com a empresa para esclarecimentos adicionais (por vezes obter aberturas de contas contábeis ou entender o funcionamento da companhia em diversos aspectos, desde o processo fabril ao organograma dos administradores e até projeções financeiras, dependendo do caso).

Geralmente a empresa atende as solicitações do analista e fornece as informações adicionais, sendo que a partir desse conjunto de dados o analista fará a avaliação e dará seu parecer final no relatório de crédito, no qual contém a análise financeira a partir das demonstrações contábeis e ainda atribuição de rating. Posteriormente esse relatório e a proposta de limite são submetidos ao comitê de crédito.

O comitê, de posse do relatório de crédito, analisa a proposta e toma uma decisão que pode resultar na aprovação ou não do limite de crédito solicitado, além de validar o rating proposto pela analista. Por fim, o gerente comercial comunica à empresa a decisão do comitê de crédito.

políticas de crédito

julgamento e decisão sobre a proposta (aprovação) validação do rating

BANCO

Análise das demonstrações contábeis Atribuição do rating

Análise da proposta

Responsável pela elaboração da proposta Interface entre a empresa e área de crédito

Elaboração e divulgação das demonstrações contábeis e outras informações

Comitê de Crédito

BANCO

Ambiente do processo de Crédito

Submissão da proposta e relatório ao comitê/aprovação

Empresa demonstrações contábeis e outras informações

Gerente comercial Analista de crédito

Participação no processo do diretor ou gerente financeiro e contador

Figura 1 – Ambiente do processo de crédito

Jovchelovitch e Guareschi (2008) observam que o sujeito é autor da construção mental e ele a pode transformar na medida em que se desenvolve; se um baixo nível de conhecimento em contabilidade pode obstruir a relação com o contador e prejudicar o entendimento da situação financeira por não interpretar adequadamente as informações apresentadas nas demonstrações contábeis, aumentar o conhecimento nessa disciplina pode resultar na melhora da compreensão desse processo. Jovchelovitch e Guareschi (2008, p. 79) complementam que: “[...] em representações sociais, a análise desloca-se para outro nível; ela já não se centra no sujeito individual, mas nos fenômenos produzidos pelas construções particulares da realidade social”.

As demonstrações contábeis configuram-se como representações sociais das empresas ao analista de crédito. Quando julgadas pelos analistas de boa ou má qualidade, o analista constrói uma realidade através da percepção sobre o risco de crédito envolvido, formalizando essa percepção no relatório de crédito que por fim influencia a atribuição do rating (classificação de risco). Cada analista, através do seu entendimento construído ao analisar as

demonstrações contábeis, atribui melhor ou pior classificação de risco, dentro do ambiente de análise de crédito, o que pode não corresponder a real situação da empresa.

Entretanto, não é apenas com o balanço contábil (ou as demonstrações contábeis) que se constrói a representação social da empresa; nesse processo o analista tem diversas representações da empresa, podendo ter sido obtidas através das experiências prévias (análises anteriores de empresas), informações obtidas na mídia, o contato com a administração da empresa, entre outros; tudo isso influencia a construção da representação social da empresa.

A construção dessa realidade pelo analista de crédito é apresentada ao comitê de crédito e formalizada através do relatório de crédito, instrumento utilizado para tomada de decisão. Com outros sujeitos envolvidos como os membros do comitê de crédito e a próprio gerente comercial que iniciou o processo de crédito com a proposta, Jovchelovitch e Guareschi (2008, p. 79) argumentam que é necessário analisar o social enquanto totalidade. As representações sociais não são um agregado de representações individuais da mesma forma que o social é mais que um agregado de indivíduos segundo a autora, dessa forma, o ambiente, a interação e a comunicação entre os sujeitos participantes conferem uma estrutura peculiar ao processo de crédito.