Capítulo VI Adsorção em Fase Líquida
VI.3 Contaminantes aquosos
Os elevados consumos de água nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, origina grandes volumes de águas residuais que, em muitos casos, apresentam uma elevada contaminação de compostos antropogénicos.
A introdução destes compostos nos recursos hídricos, ocorre através da lixiviação resultante da eliminação de resíduos (ex. incineração, aterros), acidentes (ex. derrames), da introdução propositada (ex.: pesticidas, estrumes, reutilização de águas subterrâneas, aplicação de lamas de esgoto em terras) e das atividades do consumidor (que inclui tanto a excreção como a introdução propositada de uma vasta gama de compostos químicos naturais e antropogénicos). A contaminação dos recursos hídricos com compostos antropogénicos foi reconhecida, apenas recentemente, como uma potencial fonte principal de dispersão da poluição, uma vez que são duradoras, não são controladas e podem ser bastante heterogéneas ao longo do tempo (Daughton, 2004). A libertação direta ou indireta de poluentes tem efeitos negativos no equilíbrio dos ecossistemas que, em última análise, se pode repercutir na saúde humana, nos seres vivos e no próprio ecossistema.
Nos últimos anos, a comunidade científica tem focado a sua atenção na contaminação de águas por corantes (Kyzas et al., 2012; Salleh et al., 2011; Aksakal e Ucun, 2010; Mane et al.,
2007; Acemioğlu, e metais pesados (Budinova et al., 2010; Natale et al., 2007;
Issabayeva et al., 2006; Chuah et al., 2005). Contudo, mais recentemente, uma nova classe de poluentes muitos deles com atividade terapêutica, usualmente designados de compostos farmacêuticos e higiene e cuidado pessoal (PPCPs do acrónimo inglês para Pharmaceutical and Personal Care Products) tem sido alvo de estudo por parte da comunidade científica e uma preocupação para as entidades governamentais (Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho 2013/39/UE; Fang et al., 2012; Verlicchi et al., 2010; Schwab et al., 2005; Daughton, 2004). De facto, tem vindo a ser demonstrada a ocorrência de fármacos em águas residuais (Collado et al., 2014; Corcoll et al., 2014; Frédéric e Yves., 2014; Li et al., 2014; Molinos-Senante et al., 2013; Urtiaga et al., 2013; Yuan et al., 2013; Aukidy et al., 2012; Ferrando-Climent et al., 2012; Osorio et al., 2012; Santos et al., 2009; Ternes, 2001, 1998) e em cursos de água naturais, como por exemplo rios (Dai et al., 2015; Acuña et al., 2014; Carmona et al., 2014; Proia et al., 2013; Ferrando-Climent et al., 2012; Yoon et al., 2010; Daughton, 2004; Kolpin et al., 2002; Richardson e Ternes, 2014). Por essa razão, no presente capítulo, será dada especial importância à poluição do meio aquático por compostos farmacêuticos, os quais foram utilizados nos ensaios de adsorção em fase aquosa realizados neste trabalho (Capítulos VIII e IX).
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Compostos farmacêuticos e de higiene e cuidado pessoal (PPCPs)
Os compostos farmacêuticos e de higiene e cuidado pessoal podem ter origem em diversas fontes de contaminação (Figura VI. 2). O facto de até ao momento não haver uma quantificação destes poluentes por setor, torna a avaliação dos seus impactos ambientais um parâmetro complexo de se conseguir.
Figura VI. 2 Vias de introdução e distribuição dos medicamentos e dos seus metabolitos no meio ambiente
(adaptado de Carvalho et al., 2012).
Uma das principais fontes de contaminação do meio ambiente por parte dos PPCPs é o uso doméstico, que conduz à contaminação das águas de esgotos (Huerta-Fontela et al., 2011). Com efeito, após a ingestão de fármacos, o organismo humano elimina parte do princípio ativo (não absorvido ou metabolizado pelo organismo) pela urina ou fezes, levando assim à contaminação das águas residuais. Por outro lado, a descarga direta de compostos farmacêuticos fora de prazo pelos esgotos urbanos levará do mesmo modo à contaminação das águas residuais (Mompelat et al., 2009).
Uma outra fonte, muito importante, de contaminação de águas residuais com PPCPs são os hospitais. Deste modo, é comum que águas residuais hospitalares apresentem contaminação mais elevada por medicamentos, nomeadamente, compostos utilizados para tratamento de cancro e outras patologias graves (Kümmerer, 2001). O uso de medicamentos em medicina veterinária é igualmente considerada uma fonte de contaminação de águas subterrâneas que, em última instância, poderá contaminar os solos pelo uso de estrume utilizado como fertilizante na agricultura (Boxall, 2008; Sarmah et al., 2006; Kemper, 2008).
COMPOSTOS FARMACÊUTICOS CONSUMO HUMANO INDÚSTRIA FARMACÊUTICA EFLUENTES URBANOS EFLUENTES HOSPITALARES CONSUMO VETERINÁRIO PECUÁRIA AQUACULTURA DISTRIBUIÇÃO DE ESTRUME SOLO ETAR
MEIO RECETOR NATURAL
ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁGUA POTÁVEL
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Os atuais sistemas de tratamento de águas não apresentam capacidade para remover de forma adequada os compostos farmacêuticos, o que tem conduzido à deteção, da presença destes compostos em ETARs e no meio aquático em geral, em diversas partes do Mundo, como se exemplifica pelos dados reportados na Tabela VI. 1.
Tabela VI. 1 Ocorrência de alguns PPCPs em diversos fluxos de água na Europa (adaptado de Santos et al., 2010).
País Local de Amostragem Quantidade
(ng dm-3) Referência
Paracetamol
Espanha Afluente de ETAR
Afluente de Águas Hospitalares
2900-246000 500-29000
Gómez et al., 2007 Gómez et al., 2006
Sérvia Lago Očaga 78170 G ujić et al., 9
Ibuprofeno Espanha Afluente de ETAR Efluente de ETAR Rio Ter 7000-13740 480-1900 150-750 Ferrando-Climent et al., 2012
Roménia Rio Somes 30-115 Moldovan, 2006
Suécia Afluente de ETAR
Efluente de ETAR 3590 150 Bendz et al., 2005 Diclofenaco Espanha Afluente de ETAR Efluente de ETAR
Efluente de Águas Hospitalares
200-3600 140-2200 60-1900 Gómez et al., 2007 Gómez et al., 2007 Gómez et al., 2006 Naproxeno
Espanha Afluente de ETAR
Efluente de ETAR
109-455
3650 Hernando et al., 2006
Suécia Efluente de ETAR 250 Bendz et al., 2005
A presença destes compostos orgânicos poderá ter um impacto negativo na qualidade da água para consumo, juntamente com alguns efeitos toxicológicos devido à exposição crónica. De facto, a errada gestão dos sistemas aquáticos conduziu já à deteção de compostos farmacêuticos em algumas águas engarrafadas, como se apresenta Tabela VI. 2.
Numa tentativa de minimizar os impactos ambientais associados à presença de compostos farmacêuticos nos diversos cursos de água, a comunidade científica tem investigado tecnologias alternativas ao tratamento de água. Neste contexto, as tecnologias avançadas de tratamento de água (ATT do acrónimo inglês para Advanced Water Treatment Tecnologies) e, em partícular os processos que se baseiam na utilização de carvões ativados, têm demonstrado ser eficientes na remoção destes poluentes em fase aquosa, tal como demonstram os resultados de vários autores (Ania et al., 2014; Bhatnagar et al., 2010; Amin, 2009; Boudrahem et al., 2009; Dermibas, 2009; Babel e Kurniawan, 2003; Bailey et al., 1999) onde se incluem os trabalhos desenvolvidos pelo grupo de investigação em que este estudo
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Tabela VI. 2 Compostos farmacêuticos detetados nas águas engarrafadas de alguns países europeus (adaptado
de Mompelat et al., 2009).
Uso terapêutico Fármaco Quantidade
(ng dm-3) País Referência Anticonvulsivo Carbamazepina 43,2 60 França Alemanha Togola e Budzinski, 2008 Heberer et al., 2004
Primidona 40 Alemanha Heberer et al., 2004
Anti-depressivos e ansiolíticos
Amitriptilina 1.4 França Togola e Budzinski,
2008 Diazepam 10 23.5 Reino Unido Itália Pérez e Barceló, 2007 Zuccato et al., 2000 Compostos de contraste iodados
Diatrizoato 1200 Alemanha Pérez e Barceló, 2007
Iopromida < 50 Alemanha Heberer et al., 2004
Reguladores de
lípidos Ácido clofíbrico 50-270 Alemanha Heberer et al., 2004
Anti-inflamatórios não esteróides e analgéticos
Paracetamol 210 França Togola e Budzinski,
2008
Diclofenaco 6-35 Alemanha Heberer et al., 2004
Ibuprofeno 0,6 França Togola e Budzinski,
2008
Psico-estimulantes Cafeína 22,9 França Togola e Budzinski,
2008
De entre a extensa lista de PPCPs que são detetados em águas doces, residuais e potáveis a nível mundial, para os ensaios de teste dos adsorventes preparados neste estudo foram selecionados três compostos: (i) paracetamol – análgésico de venda livre, (ii) cafeína –
estimulante presente em diversos compostos farmacêuticos e bebidas (iii) iopamidol –
composto de iodo utilizado como meio de contraste radiológico.
Paracetamol
O paracetamol é um dos PPCPs mais consumidos a nível mundial, sendo o primeiro ou o segundo PPCP mais consumido em vários países. Por exemplo, em Inglaterra em 2000, a quantidade de paracetamol prescrita aumentou de 404 para 1135 toneladas (Carvalho et al., 2012). Além disso, este composto é também um co-ingrediente de outros produtos farmacêuticos. Uma vez que, durante o seu uso terapêutico, 58-68 % do paracetamol consumido é eliminado pelo corpo humano, a presença deste composto tem sido detetada em afluentes de diversas estações de tratamento de águas residuais na gama dos ng/L, como se pode comprovar pelos valores reportados na Tabela VI. 1 previamente apresentada. No que se refere à eficiência de remoção deste fármaco, os resultados apontam para valores superiores a 80 % no caso das estações de tratamento de efluentes hospitalares, e na ordem dos 86 % nas estações de tratamento de águas municipais (Xiao et al., 2013). Em consequência da remoção incompleta deste e outros fármacos pelas estações de tratamento, ou da inexistência desta infra-estrutura, a presença de paracetamol em rios (Bound e Voulvoulis,
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2006), águas de superfície (Schwab et al., 2005) e para consumo humano (Fram e Belitz, 2011) tem sido detetada na ordem dos ng/L (Carvalho et al., 2012).
Cafeína
A cafeína é consumida através de uma variedade de fontes desde bebidas, como o café e refrigerantes, até medicamentos, sendo também aplicada externamente em formulações
tópicas. É conhecida como um estimulante do sistema nervoso central – proporcionando
melhorias de humor e capacidades cognitivas – tendo igualmente efeitos diuréticos (Volk e
Creighton, 2013; Tagliari et al., 2012). Em 1981 o consumo de cafeína a nível mundial era cerca de 120 000 ton, o que equivale a 70 mg/dia para cada habitante, sendo 54 % proveniente do consumo de café e 43 % do consumo de chá (Gilbert, 1984). Os elevados consumos registados levaram diversos autores a considerar a cafeína como um indicador trácico da contaminação de esgotos domésticos (Buerge et al., 2003; Siegener e Chen, 2002; Seiler et al., 1999).
Iopamidol
O iopamidol é um composto farmacêutico que pertence à classe dos compostos com iodo utilizados como meio de contraste (ICM do inglês Iodinated Contrast Media) não iónicos, sendo utilizados para obter imagens de diagnóstico de tecidos moles. A sua elevada solubilidade na água (> 200 000 mg dm-3 (Fklder et al., 1988)) permite a utilização de soluções
muito concentradas para inoculação intravenosa (Mestre et al., 2014a). Em 2000, o consumo
mundial de ICM foi estimado em, aproximadamente, 3500 ton (Pérez e Barceló, 2007). Estes meios de contraste exibem elevada estabilidade bioquímica, daí que para exames clínicos possam ser injetadas doses até 200 g por pessoa (Sacher et al., 2005), as quais são rapidamente eliminadas do organismo (em cerca de um dia) na sua forma não metabolizada (Rustighi et al., 2012; Pérez e Barceló, 2007).