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PARTE IV:N OS ESPAÇ OS PRIVAD OS D O

5.1 O contato com as ruas

5.1 O contato com as rua

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5.1 O contato com as ruas.1 O contato com as ruass

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s condomínios fechados já fazem parte do cenário urbano das principais cidades brasileiras. Em proporção ao avanço da violência e da insegurança nas ruas, os condomínios foram se instalando como solução alternativa para um viver seguro, conquistando a cada dia novos adeptos que se identificam com este modo de morar e se relacionar. De alguma maneira os habitantes da cidade já incorporaram seu significado. É comum ouvir alguém dizer que “a qualquer momento vai morar num condomínio” ou que “comprar um apartamento é realizar um sonho antigo”. Esses comentários não partem exclusivamente das camadas mais abastadas. A população de bairros populares também almeja habitações em caráter condominial, acreditando que esta tipologia é sinônimo de desenvolvimento urbano e melhoria da qualidade de vida (CIN FORM, 09 a 15/12/2002:03). Segundo a Revista Veja (15/05/2002:95), um milhão de brasileiros já vivem nesses empreendimentos, os quais não chegavam a 500.000 há apenas cinco anos atrás. Em Aracaju, eles existem em quase todas as zonas da cidade, apresentando uma grande concentração no bairro 13 de Julho, Salgado Filho e mais recentemente no Jardins.

Além de serem organizados em função da moradia, os condomínios possibilitam lazer e entretenimento através das áreas internas. Estudar esses espaços privados leva à reflexão sobre os acontecimentos ocorridos na esfera pública da cidade contemporânea, já que existe uma tentativa de substituição das funções urbanas dos espaços públicos.

Viver em condomínio é dividir o espaço geográfico coletivamente. E isso inclui tanto aspectos positivos quanto os problemas comuns. Os condomínios são territórios restritos a uma quantidade específica de usuários. À medida que as pessoas vão adquirindo seus imóveis, um grupo social de condições financeiras homogêneas está se formando. Esse

grupo que se pode chamar de pré-comunidade77 optou por um empreendimento voltado

para ambientes internos, onde o conjunto de espaços físicos, situados entre a rua e a unidade de moradia define uma distância topológica que dificulta o acesso dos moradores aos espaços públicos.

Além disso, a presença de muros impõe uma ruptura brusca com a calçada, suficiente para que as funções do espaço privado se tornem desvinculadas do espaço público. Os muros dos condomínios são barreiras que reduzem as ruas à perspectiva da circulação. Mas o desvinculamento não é total, pois o contato dos condomínios com os espaços públicos não se estabelece somente através dos muros. N os condomínios Beau Rivage Plaza (CBRP), Costa Brava (CCB)e G olden G arden (CG G )as respectivas portarias têm um papel fundamental na relação público-privado, maior que a simples função de controlar acessos. Em cada um dos condomínios, a portaria apresenta significados sociais semelhantes. É um lugar onde moradores se encontram e se relacionam, mantendo contato físico com estranhos que na verdade são conhecidos potenciais de outros moradores.

N a década de 1980, as portarias dos condomínios eram implantadas entre o lote e a calçada, com janelas voltadas diretamente para fora, onde havia uma proximidade maior do porteiro com o público visitante. A localização dependia da concepção do projeto e da capacidade visual do exterior, geralmente em pontos estratégicos. H oje, com o aumento expressivo da violência, a portaria ficou mais recuada, distante da calçada e dos visitantes, protegidas por grades ou anteparos, tendo os vidros de suas janelas revestidos com película fumê a fim de impedir a visão do interior (Desenho 5.1). A relação da portaria com o estranho é sempre de desconfiança. A entrada só é permitida após uma prévia identificação do visitante, seguida da autorização do morador,78 circunstância que

evidencia uma codificação do uso do espaço.

77. Entende-se como comunidade, um grupo de moradores de uma mesma área que se conhecem e desempenham relações sociais de vizinhança e/ou amizade, tomando decisões e dividindo tarefas comuns para beneficio coletivo do lugar onde vivem. N o caso dos condomínios, as relações sociais ocorrem com pouca freqüência e as decisões geralmente são definidas por um pequeno subgrupo de moradores, cujas tarefas são desempenhadas por funcionários. Embora a participação de todos os moradores nas assembléias condominiais seja indispensável para que as ações implementadas satisfaçam à coletividade, o que se tem visto, atualmente, é a redução da participação dos condôminos nas discussões de interesse comum e um aumento crescente do individualismo (ver item 5.2).

78. N a maioria das vezes, o morador só é identificado após a associação do seu nome com o número do apartamento e com o nome do edifício em que ele reside. Exemplo:“Maria do 404 – Tupinambás”.

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D esenho 5.1 D esenho 5.D

Desenho 5.1 A portaria do CCB é recuada e esenho 5.11 protegida com grades a fim de reduzir o contato direto com estranhos e, conseqüentemente, aumentar a segurança do condomínio.

Meu primeiro contato com os condomínios foi através da portaria. Logo depois fui encaminhado aos respectivos síndicos para explicar-lhes os objetivos da pesquisa. N ão tive problemas de autorização. Foi preciso apenas entregar um documento solicitando o espaço e indicando a duração, os objetivos e os procedimentos metodológicos adotados. Porém, o síndico do CG G foi bastante criterioso nas colocações, afirmando que se houvesse alguma reclamação por parte dos moradores, a pesquisa seria suspensa imediatamente. “Aqui moram muitas pessoas. São três prédios de doze andares cada e quatro apartamentos por andar. Se não tiver disciplina, rigor e organização, a coisa não funciona”, enfatizou. Expliquei que a pesquisa seria discreta e não atrapalharia o funcionamento do condomínio. Então, ele foi mais imperativo:“Você já entrou aqui sem crachá de visitante. Isso é uma transgressão, porque você me desculpe, mas eu não lhe conheço. [...] Eu digo o tempo todo a esses porteiros que eles não podem vacilar. Q uando você for embora vou ter que chamar a atenção dele”.

Em geral, toda e qualquer transgressão que ocorre nas adjacências da portaria deve ser registrada para posterior conhecimento da administração. Ao contrário dos outros funcionários que se concentram nos problemas internos, o porteiro precisa estar atento às eventualidades externas, interagindo de forma racional e decisiva de modo a garantir o bem estar de moradores e visitantes. Sozinho, ele tem acesso a uma série de informações, que na maioria das vezes lhe são repassadas como processo cotidiano do ambiente de trabalho. Q uanto maior seu campo visual, maior o número de informações absorvidas. Sua eficácia não se resume apenas a controlar a entrada e a saída de pessoas. É necessário que ele saiba canalizar todas as informações que lhe são confiadas, endereçando-as corretamente e assegurando a privacidade das pessoas envolvidas.

Paradoxalmente, com tamanha segurança e com a carga de responsabilidade depositada na figura do porteiro, a portaria é o ambiente menos controlável do ponto de vista social. A portaria é um conjunto formado pela guarita, composta de sala e banheiro, e os portões para acesso de veículos e pedestres. A priori, as portarias dos três condomínios não satisfazem às exigências dos moradores que quase sempre se queixam junto ao porteiro. A portaria do CCB foi reformada e ainda assim gera insatisfação. Moradores reclamam da demora para abrir o portão de veículos, da falta de atenção dos porteiros em repassar mensagens e observar o comportamento dos seus filhos, e da entrada de pessoas sem o aviso prévio. Os porteiros se defendem, dizendo que a maior parte dos problemas é provocada pelos próprios moradores que não respeitam as regras dos condomínios. Segundo suas observações, quando o portão para veículos está aberto, alguns moradores entram em alta velocidade, conforme vêm da rua. Q uando o portão se abre, os moradores, impacientes, mal esperam e invadem a via contrária, aumentando os riscos de acidentes. Por conta disso, os porteiros do CG G e do CBRP disseram que só a implantação de um sistema com separação de entrada e saída para veículos poderia resolver o problema, caso contrário o risco de colisão é iminente. O Sr. Orion, zelador do CBRP disse que a altura do pórtico não permite a entrada de um carro do corpo de bombeiros, por exemplo. “N uma necessidade vai ter que derrubar o muro, senão, não entra”, lembrou. N o CG G , alguns moradores justificam suas infrações em função da localização duma fonte decorativa que atrapalha a circulação.

As transgressões envolvendo visitantes são constantemente denunciadas pelos moradores. Mas os porteiros se sentem impotentes diante da situação, insistindo que nada podem fazer. O Sr. Marcos, porteiro do CCB, diz que no horário do almoço e fim de tarde, aumenta o movimento de veículos e pedestres. N esses intervalos, muitos taxistas, buscam informações e param os carros defronte à portaria. “O pessoal não pára o carro de jeito nenhum no outro lado, só em local proibido. Eu falo que não pode, porque atrapalha quem vem chegando, mas não adianta... E aí tome reclamação dos moradores”, lamentou o porteiro. Esse problema ocorre com mais freqüência no CCB devido à configuração da rua “A” (ver mapa 3.1), o que leva a crer que os códigos e regras presentes naquele conjunto espacial confundem os motoristas. Por outro lado, essa mesma configuração favorece a apropriação dos espaços da portaria por parte de empregadas domésticas e adolescentes (Foto 5.1).

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Foto 5.1 Foto 5. F

Foto 5.1oto 5.1 G rupo de adolescentes conversando na calçada da portaria do condomínio Costa Esmeralda, 1 situado na rua “A”, defronte ao CCB.

Os adolescentes são filhos dos moradores, e normalmente se reúnem nos finais de semana, a partir das 17:00h. Durante o período de férias, eles juntam-se quase todos os dias, combinando brincadeiras e jogos nas áreas internas dos condomínios. A depender da ocasião, o comportamento dos adolescentes excede o bom uso do espaço. Alguns conversam em voz alta e outros sentam nas calçadas, atrapalhando a circulação de pedestres. Foram poucas as reclamações de moradores envolvendo os jovens. Em contrapartida, as empregadas domésticas foram proibidas de se concentrarem no ambiente da portaria. G eralmente, elas descem dos apartamentos após as 20:30h e ficam conversando com o porteiro. Aquelas que estudam à noite, juntam-se às demais assim que chegam da escola. Segundo W ashington, outro porteiro do CCB, foram dois os motivos da proibição:zelar pela imagem do condomínio diante das visitas e evitar a distração do porteiro. Proibidas, as empregadas domésticas passaram a se apropriar das jardineiras externas, próximas ao dispositivo de telefone público.

Q uanto aos orelhões, o que parece ser apenas um dispositivo a serviço da comunidade, tem um grande significado para as empregadas do CCB e do CG G que ficam esperando suas ligações. Há momentos em que o telefone só pára de tocar quando está ocupado. E isso se prolonga até o fim da noite quando a maioria retorna aos condomínios.

De certa forma, fazsentido restringir o uso da portaria, já que as empregadas domésticas contribuem para a dispersão dos porteiros. Muitos deles disseram que gostam da situação porque ajuda a passar o tempo. Outros ficam paquerando, e aproveitam os momentos de folga para namorar dentro do condomínio. Durante a pesquisa, um dos

porteiros foi despedido porque não acatou à ordem da administração. N o CBRP, há oito meses, um porteiro também foi despedido porque namorava uma empregada doméstica do síndico. “Hoje nenhum funcionário daqui fica ‘se engraçando’com empregada”, disse o zelador.

Diante dos fatos, a portaria pode ser considerada como um ambiente em que moradores e funcionários transgridem os limites através de pequenos conflitos do cotidiano. Como ambiente privado, a portaria tem sua própria função, embora sofra distorções. Mas em relação à rua, o que ela representa? Será que é possível considerá-la como posto de proteção? E o porteiro teria uma função de vigilante, além de suas atribuições no condomínio? N o CCB, a insegurança nas calçadas após o assalto a uma senhora que esperava táxi, faz com que as pessoas aguardem na portaria. Hoje, muitos moradores evitam pegar transporte na rua, preferem esperar dentro do condomínio.

De acordo com um dos porteiros do CG G , estava prevista na entrada das ruas fechadas, uma portaria geral que mantivesse comunicação com as portarias de cada condomínio. Com isso as ruas se tornariam privadas e ficariam mais seguras. Mas segundo ele, a N orcon abandonou a idéia, pois tinha receio de não funcionar.79

Em todo caso, não resta dúvida que a portaria desempenha um papel fundamental na vida dos condomínios, capaz de abrigar conflitos e gerar novos significados tão interessantes quanto àqueles encontrados nos seus ambientes internos.

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