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A Constituição de 1988 foi soberana, pois pôde estabelecer livremente as novas regras nacionais.

Preliminarmente, foi instituída pelo Presidente da República, senhor José Sarney, através do Decreto nº. 91.450, de 18 de julho de 1985, a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais286, para desenvolver pesquisas e estudos com o intuito de colaborar com os futuros trabalhos da Assembleia Nacional

285

Seguem palavras do Relator da Subcomissão dos Municípios, Constituinte Alysio Chaves: “A autonomia dos Municípios foi consagrada inteiramente. Segundo consenso que me pareceu geral na Subcomissão, e diante das exposições aqui feitas, das sugestões recebidas, de trabalhos doutrinários não só dos constitucionalistas, mas também de especialistas em matéria municipal, ao longo dos últimos anos, tomamos explícito aquilo que ficou implícito nas Constituições de 1934 e 1946 no que concerne à autonomia do Município. De fato, tínhamos três níveis de competência: da União, dos Estados e dos Municípios, mas, na prática, entre o Município e a União se colocava de permeio justamente um texto constitucional que não assegurava esta completa autonomia. Ao consagrar a autonomia e incluir o Município como um dos entes da Federação, é evidente que tínhamos de discriminar, tanto quanto possível, as competências municipais. Nós o fizemos, não uma maneira exaustiva, mas com certo detalhe para realçar a importância atribuída a este assunto.” constante no Suplemento da Subcomissão dos Municípios do Diário da Assembleia Nacional Constituinte, p. 140.

286

A Comissão Provisória de Estudos Constitucionais foi instituída pelo Presidente da República, Senhor José Sarney, pelo Decreto nº. 91.450, de 18 de julho de 1985. Ela encerrou seus trabalhos em 18 de setembro de 1986.

Constituinte.287 Este anteprojeto não chegou a ser entregue oficialmente à Assembleia Constituinte,288 mas, de uma forma ou de outra, influenciou seus trabalhos, uma vez que a comissão foi criada para esse fim. De fato, este foi “o único texto oficioso com que pode contar a Constituinte”,289 ainda que esta não estivesse de qualquer modo limitada a tal redação.

Identifica-se que a alteração de ‘peculiar interesse’ para ‘interesse local’ não resulta do anteprojeto de Constituição, elaborado pela mencionada Comissão, uma vez que o anteprojeto trazia, no que tange à competência legislativa, a expressão ‘peculiar interesse’, conforme redação de seu artigo 114. Posteriormente, veio a confirmação que, no tema em questão, a Comissão dos Notáveis não a influenciou.

A Assembleia Nacional Constituinte foi convocada pela Emenda Constitucional n. 26, de novembro de 1985, pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado. Ela foi instalada em 01 de fevereiro de 1987, conforme previsão da emenda. Estava composta por 9 (nove) comissões, sendo oito temáticas e uma de sistematização. Cada comissão temática estava dividida em três subcomissões.290

A Comissão de Organização do Estado tinha como atribuição sugerir a redação correspondente à repartição de competências entre os entes. Internamente, a subcomissão dos municípios e das regiões se concentraria nas questões referentes à entidade municipal.

Lamentavelmente, a Assembleia Nacional Constituinte perdeu a oportunidade de encerrar ou pelo menos reduzir a discussão relativa à competência municipal, já que a subcomissão dos municípios sugeriu uma redação com relação às competências municipais, utilizando-se de critério no qual lista as áreas de atuação do Município, aproximando-se da metodologia adotada para a previsão de competências da União, de forma mais detalhada e, consequentemente, clara se comparada com a redação final adotada pela Constituição de 1988.

287

De acordo com o artigo 2º., do Decreto n. 91.450, de 18 de julho de 1985. 288

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 48.

289

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Anteprojeto dos Notáveis. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 3.

290

De acordo com os artigos 13 e 15, da Resolução n. 2, de 25 de março de 1987, que dispõe sobre o Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte.

Conforme justificação constante no relatório final do anteprojeto, foram adotadas, nesse tema, com pequenas modificações, as proposições apresentadas pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM.291

Vide sugestão de redação do artigo correspondente à competência municipal, constante na redação final do anteprojeto, apresentado pela Subcomissão de Municípios, presidida pelo deputado Luiz Alberto Rodrigues, e encaminhado à Comissão de Organização do Estado, em 22 de maio de 1987.

Art. 9º - Compete privativamente aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse municipal predominante;

II – decretar e arrecadas os tributos de sua competência, bem como aplicar as suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;292

III – organizar e prestar os serviços públicos locais;

§ 1º. – as atribuições dos Municípios poderão variar segundo as particularidades locais, sendo, entretanto, de sua competência exclusiva os serviços e atividades que digam respeito ao seu peculiar interesse, tais como:

I – prestação dos seguintes serviços públicos:

a) abastecimento de água potável e esgotos sanitários; b) transportes coletivos urbanos e intramunicipais; c) mercados, feiras e matadouros;

d) distribuição de gás natural ou obtido por processo técnico;293 e) construção e conservação de estradas vicinais;

f) cemitérios e serviços funerários;294 g) iluminação pública;

h) prevenção de acidentes naturais; i) atenção primária de saúde; j) limpeza urbana.

II – execução de obras públicas de urbanização, denominação e numeração de logradouros públicos;

III – concessão, permissão ou autorização de serviços públicos locais e fixação dos respectivos preços;

IV – planejamento do desenvolvimento municipal, inclusive o controle do uso do solo urbano e rural, do ordenamento territorial e da utilização das vias e logradouros públicos.

V – concessão de licença para localização, abertura, funcionamento de estacionamentos industriais, comerciais e de serviços, bem como a fixação do horário de funcionamento, e sua cassação caso se tornem prejudiciais à saúde, ao ambiente, ao sossego, à segurança e aos bons costumes, fazendo cessar a atividade ou determinando o fechamento do estabelecimento.

VI – concessão de licença para o exercício do comércio eventual ou ambulante;

VII – regulamentação e licenciamento para colocação e distribuição de cartazes, anúncios, faixas e emblemas, bem como da utilização de alto- falantes para fins de publicidade e propaganda;

291

BRASIL. Anteprojeto redação final. Subcomissão dos Municípios e Regiões. Presidente: Deputado Luiz Alberto Rodrigues. Relator: Deputado Aloysio Chaves. Brasília, Centro Gráfico do Senado Federal, v. 98, p. 16, 22 mai. 1987.

292

Este inciso está previsto, de forma similar, no artigo 30, inciso III, da CRFB, dentre as competências do Município.

293

Serviço que, com base no artigo 25, § 2º, da CRFB, é de competência do Estado-membro. 294

VIII- regulamentação de jogos, espetáculos e divertimentos públicos, observadas as prescrições da lei;

IX – utilização dos bens de domínio do Município; X – regime jurídico dos servidores municipais. § 2º. – Compete, ainda, ao Município:

I – fomentar a produção agropecuária e outras atividades econômicas; II – preservar as florestas, a fauna e a flora;

III – implantar programas de construção de moradias, bem como promover a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico da população;

IV – manter, com a cooperação do Estado, o ensino de primeiro grau; V – promover a cultura e a recreação;

VI – exercer o poder de polícia de trânsito nas vias públicas municipais; legislar sobre transportes coletivos urbanos e intramunicipais e arrecadar multas de trânsito;

VII – legislar supletivamente sobre:

proteção ao meio ambiente e controle de poluição;

proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico e paisagístico; defesa e proteção da saúde;

tráfego, sinalização e trânsito nas vias públicas; uso e ocupação do solo.

§ 3º. – Os Municípios poderão prestar outros serviços e desempenhar outras atividades, mediante delegação do Estado ou da União, sempre que lhes forem atribuídos os recursos necessários.

§ 4º. – Os Municípios poderão instituir fundos municipais de desenvolvimento ou para executar serviços de atribuições comuns.

§ 5º. – As peculiaridades locais, para efeito de variação a que se refere o § 1º. Deste artigo, bem como o interesse municipal predominante mencionado nesta Constituição, serão definidos em lei complementar estadual.295

A Subcomissão dos Municípios apresentou duas razões para o detalhamento das competências municipais: definir em concreto as atribuições, para que os governos disponham de recursos compatíveis com as obrigações impostas pela Constituição e para permitir que a população possa fiscalizar o cumprimento dessas competências. Nota-se, entretanto, que nem o vocábulo ‘interesse local’ e tampouco a forma de expor a competência municipal foram resultantes dos trabalhos da subcomissão.296

Atribui-se a alteração da expressão e a consequente adoção da competência com base no ‘interesse local’ à Comissão de Sistematização, mais especificamente ao primeiro substitutivo do relator da mencionada comissão, que apresenta, no artigo 45, inciso I, “legislar sobre assuntos de interesse local predominante [...]”297.

295

BRASIL. Anteprojeto redação final. Subcomissão dos Municípios e Regiões. Presidente: Deputado Luiz Alberto Rodrigues. Relator: Deputado Aloysio Chaves. Brasília, Centro Gráfico do Senado Federal, v. 98, p. 5-6, 22 mai. 1987.

296

BRASIL. Anteprojeto redação final. Subcomissão dos Municípios e Regiões. Presidente: Deputado Luiz Alberto Rodrigues. Relator: Deputado Aloysio Chaves. Brasília, Centro Gráfico do Senado Federal, v. 98, p. 16, 22 mai. 1987.

297

BRASIL. Projeto de Constituição e Primeiro Substitutivo do Relator. Presidente: Constituinte Afonso Arinos. Relator: Constituinte Bernardo Cabral. Brasília, Centro Gráfico do Senado Federal, v. 235, p. 23, ago.1987.

Posteriormente, a redação da competência municipal sofreu algumas alterações, de forma que o segundo substitutivo do relator já apresentou a redação definitiva, em seu artigo 36, inciso I, “legislar sobre assuntos de interesse local”.298

A cláusula ‘interesse local’ foi, no direito constitucional brasileiro, uma novidade trazida pelo texto de 1988. No entanto, nem o termo ‘interesse’ nem o termo ‘local’ são propriamente inovações da constituinte de 1988. Ambas as expressões já estavam relacionadas ao Município, no direito constitucional brasileiro, pelo menos desde 1934: o termo interesse acompanhado por peculiar e o termo local acompanhado por serviços. No entanto, identificam-se, em leis ou trabalhos doutrinários, referências a ‘interesse local’, anteriormente a 1988, antes mesmo do texto de 1934, sendo as expressões em referência ao Município. Um exemplo é o texto do mencionado artigo 3º da Lei nº 19, de 1897, do Estado do Rio Grande do Sul, ao tratar da competência exclusiva do Município.

As palavras peculiar, interesse e local não foram, historicamente, utilizadas pelos textos constitucionais apenas para abordar a entidade municipal. Ao invés, diversos são os exemplos de menções das Constituições, referindo local à estadual, peculiar à estadual etc. (APÊNDICES E e F).

Pela averiguação da utilização indiscriminada de ‘peculiar interesse’ e de ‘interesse local’299 e, inclusive, da junção das duas como, por exemplo, em ‘predominante interesse local’ ou ‘peculiar interesse local’,300 e conforme salientado

298

BRASIL. Projeto de Constituição e Primeiro Substitutivo do Relator. Presidente: Constituinte Afonso Arinos. Relator: Constituinte Bernardo Cabral. Brasília, Centro Gráfico do Senado Federal, v. 242, p. 36, ago. 1987.

299

Horário de bancos. Peculiar interesse do município. Não é de reconhecer-se quando o interesse nacional sobrepuja o interesse local. Competência da União, e não do Município, para regular tanto o horário interno de trabalho, como o externo de atendimento ao público pelos bancos. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 89942/SP. Tribunal Pleno. Relator

Ministro Cunha Peixoto. Julg., 16 nov. 1978. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=193679>. Acesso em: 03 mar. 2013.

300

Exemplifica-se a referência feita por Geraldo Ataliba. ATALIBA, Geraldo. Competência legislativa supletiva estadual. Revista de Informação Legislativa, ano 19, n. 73, p. 89, jan./mar. 1982. E, também decisões do Supremo Tribunal Federal como: HORÁRIO DE BANCOS - COMPETÊNCIA MUNICIPAL. Prevalece a legislação federal sobre a municipal na limitação ou fixação do horário de funcionamento de estabelecimento bancários, em relação aos quais o interesse nacional e maior do que o "peculiar interesse local" (Pleno), RE 77.254, DE 20.02.74; RMS 11.291, de 12.06.73). BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 80081/PR. Primeira Turma. Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Julg. 10 dez. 1974. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=175441> Acesso em: 03 mar. 2013.

Limitações ao direito de construir. A competência estadual para legislar sobre matéria urbanistica que transcenda ao peculiar interesse local, não contraria as disposições constitucionais e legais sobre o direito de propriedade. Precedente do STF. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso

por Carlos Bastide Horbach,301 entende-se que tanto uma expressão quanto a outra têm a mesma força, ao abordar a atuação da entidade municipal. Em outras palavras, a adoção de ‘peculiar interesse’ para tratar seja da autonomia, seja da competência municipal, não corresponde à desvalorização do poder local.

Pelo texto constitucional, a expressão ‘peculiar interesse’ adquiriu significados diversos durante o constitucionalismo brasileiro. A alteração das expressões ‘peculiar interesse’ para ‘interesse local’ merece, pois, ser analisada.

O ‘peculiar interesse’ assumiu roupagens diversas em razão dos diferentes institutos jurídicos nos quais teve inserido. Pode-se atribuir a ‘peculiar interesse’ dois sentidos, próximos, porém distintos.

O ‘peculiar interesse’, no primeiro momento, de 1891 a 1937, pode ser interpretado como sinônimo de autonomia. No segundo momento, de 1946 a 1969, corresponde à competência municipal. Tendo em vista o poder de elaborar as Leis Orgânicas, o ‘peculiar interesse’ dos Municípios era, pelo menos, delineado pelos Estados-membros, com a ressalva do Estado e dos Municípios que não seguiram tal procedimento.

A Constituição estabeleceu como ‘peculiar interesse’, nos textos constitucionais republicanos, principalmente as questões como decretação e arrecadação de tributos e prestação de serviços públicos. Restando em aberto o conteúdo propriamente dito do que consistia o ‘peculiar interesse’ e, por isso gerava dúvida, conforme apontado por Bartolomê Borba.302 De acordo com a doutrina, o ‘peculiar interesse’ corresponde às questões que são predominantemente locais.

A expressão ‘peculiar interesse’ abarcou competências explícitas e implícitas do Município, passou por aprimoramentos doutrinários e jurisprudenciais, na evolução do direito constitucional, de forma que se constata um conteúdo próximo ao que se entende hoje por ‘interesse local’.303

Extraordinário 101331/PB. Segunda Turma. Relator: Ministro Carlos Madeira. Julg. 08 nov. 1985 . Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=193679> Acesso em: 03 mar. 2013.

301

HORBACH, Carlos Bastide. In: SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha; REVERBEL, Carlos Eduardo Dieder; AVILA, Marta Marques (coord.). O município e a federação. Porto Alegre: BREJObiblio- bureau, 2010 p. 26.

302

A participação de Bartolomê Borba, na etapa qualitativa deste estudo, ocorreu no dia 30 de março de 2012.

303

Com relação à evolução de ‘peculiar interesse’ e a consequente aproximação de seu conteúdo com o ‘interesse local’ é a afirmação de Bartolomê Borba. Percebe-se em julgamento do Supremo Tribunal Federal a interpretação pela proximidade entre as duas mencionadas expressões, no voto do Ministro Carlos Velloso, em processo de sua relatoria, ainda em curso,

Quando da utilização, no texto constitucional, da expressão ‘peculiar interesse’, entendia-se que este consistia no interesse predominante da entidade municipal. Esse foi o aspecto identificado como consensual na doutrina.

Aproximar os conceitos de ‘peculiar interesse’ e de ‘interesse local’ traz, como consequência, a possibilidade de dizer que o raciocínio para identificar o que seja ‘interesse local’ é próximo ao que era adotado para se chegar ao ‘peculiar interesse’, ou seja, que se mantém na predominância do interesse, conforme salientado por Sandra Krieger Gonçalves Silva e Walber de Moura Agra.304

Ocorre que, quando vigorava o ‘peculiar interesse’, não se identificou preocupação, por parte da doutrina, com o esclarecimento de seu conteúdo. Atribui- se tal situação ao fato de a maioria dos Estados-membros ter como suas atribuições a elaboração das leis orgânicas municipais, o que acabava por dar um panorama ao ‘peculiar interesse’ e, consequentemente, reduzir dúvidas e eventuais conflitos entre as competências.

Quando o texto constitucional de 1988 alterou o termo que aborda, genericamente, a competência municipal, o fez acompanhado de diversas outras manifestações que, visivelmente, pretendiam engrandecer a entidade municipal. Em razão dessas outras alterações, desses incrementos à entidade municipal, se pode atribuir o reconhecimento de tal instituição no texto constitucional, mas não em razão da substituição da expressão ‘peculiar interesse’ por ‘interesse local’. Contudo, antecipa-se aqui o que é abordado em tópico próximo: a adoção desta expressão tem como consequência a indicação de um movimento para a compreensão da repartição de competências, no Estado brasileiro.

Pode-se atribuir um aspecto que corresponde ao engrandecimento da instituição municipal no que tange à repartição de competências: a previsão

Recurso Extraordinário 194704/MG, conforme informação constante no Informativo de Jurisprudência n. 347, nos termos que seguem: “O Min. Carlos Velloso, relator, considerou que as expressões ‘interesse local’, do art. 30, I, da CF/88, e ‘peculiar interesse’, das Constituições anteriores, se equivalem e não significam interesse exclusivo do município, mas preponderante do mesmo. [...]” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo 347, mai. 2004. Meio ambiente e

Poluição: Competência do Município. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo347.htm>. Acesso em: 3 mar. 2013.

304

Conforme já mencionado no tópico correspondente ao ‘interesse local’ na visão da doutrina, de acordo com as seguintes obras: SILVA, Sandra Krieger Gonçalves. O município na constituição federal de 1988: autonomia, competência legislativa e interesse local. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 110. AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 301-302.

expressa de competência legislativa municipal. A competência do Município com base no ‘peculiar interesse’ previa, formalmente, a competência administrativa. A competência fundada no ‘interesse local’ traz expressamente a competência legislativa, no artigo 30, inciso I, da Constituição de 1988.

Até o texto constitucional anterior, a competência legislativa era implícita. Na constituição atual, as competências administrativas são, no geral, implícitas. No entanto, com o mesmo fundamento, apresentado para o período anterior a 1988, havia defesa por doutrinadores, como Pontes de Miranda,305 para o exercício pela instituição municipal da função legislativa, justificada na competência administrativa. Hoje, se defende, a partir da competência legislativa, a função administrativa306, pois de nada adianta ser detentor da competência de legislar se não tiver a de administrar. Com base no mencionado inciso do artigo 30, entende-se abarcadas as competências legislativa e administrativa privativas do Município, além das competências privativas já exemplificadas nos incisos do artigo 30.

Com relação ao sentido da expressão ‘interesse local’, são pertinentes alguns esclarecimentos. ‘Interesse local’ é o interesse diretamente relacionado à comunidade local e consiste nas questões que dizem respeito à sua comunidade, das mais simples às mais complexas. Há de se cuidar, entretanto, porque tal afirmação pode conferir tamanha amplitude à atuação municipal, de maneira que todas as atribuições a serem desempenhadas pelo Poder Público sejam de responsabilidade da entidade municipal. No entanto, deve-se observar o recorte proposto pelo texto constitucional para as competências das demais esferas de poder.

O ‘interesse local’, no primeiro momento, está relacionado ao aspecto territorial, à jurisdição do Município.307 Entretanto, a ênfase ao aspecto territorial do

305

Conforme já mencionado, no tópico referente à entidade municipal no período entre 1891 e 1988, com base nas seguintes obras: MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição Federal de 1946. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 1953. v. II, p. 131.

MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. t.II, p. 336.

MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969. 2.ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, t. II, p. 344.

306

Juraci Mourão Lopes Filho defende o poder de legislar a partir da previsão de competência administrativa ou material. Ver: LOPES FILHO, Juraci Mourão. Competências Federativas na Constituição nos precedentes do STF. Salvador: JusPODIVM, 2012. p. 79.

307

Conforme afirmado por Bartolomê Borba e de acordo com 85,8% das pessoas que responderam o questionário. Dircêo Torrecillas Ramos, já mencionado, chega a considerar a existência de território próprio para sua atuação como um condicionante da autonomia municipal, tamanha a importância do elemento físico da entidade municipal para o exercício de suas atribuições.

Município traz à tona um possível caráter estático, criticado por Antonio Carlos Otoni Soares: “Interessa ao poder central difundir a idéia de que município é território, aspecto estático, ao invés de instituição política de auto-governo da comunidade local, aspecto dinâmico, em consonância com a etimologia da palavra.”308

A questão territorial é, pois, o primeiro indicador da atuação municipal, mas pode ser ultrapassada.309 Os Municípios podem somar os esforços, ir além de sua circunscrição,310 desde que sejam firmadas parcerias, consórcios, convênios entre os envolvidos, o que corresponderá à soma de ‘interesses locais’.

O sentido da expressão local, desde o advento da internet foi consideravelmente alterado. As notícias percorrem caminhos muito distantes em fração de segundos, em consequência, um acontecimento em uma localidade X