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Século XIX: o Romantismo e o culto à wilderness

CAPÍTULO 2. CONTEXTO BRASILEIRO

Notas sobre a ocupação do território brasileiro

O território brasileiro foi conquistado pelos europeus e pelos seus descendentes mestiços, os neobrasileiros, a partir da costa atlântica. Essa circunstância histórica fez com que os europeus e neobrasileiros tivessem de lidar com um bioma específico para garantir a sua sobrevivência e prosperidade. Trata-se do enorme maciço florestal tropical, úmido e megabiodiverso a que hoje denominamos Mata Atlântica (DEAN, 1996; CABRAL, 2014).

Conforme explica Cabral (2014), a Mata Atlântica constituiu o locus fundamental do encontro biofísico e cultural que remodelou a terra e a vida, a partir da chegada dos europeus, em 1500. Suas fauna e flora, seus solos, sua topografia, suas condições climáticas e suas riquezas foram, a um só tempo, atores e palco centrais da colonização portuguesa e neobrasileira. Na, com e por meio da Mata Atlântica, os nossos ancestrais forjaram a sociedade em que nos tornamos. Segundo paráfrase de Cabral a Neruda:

Quem não conhece a Mata Atlântica não conhece o Brasil; foi daquelas terras, daquele barro, daquele silêncio que o país “saiu a andar” como invenção moderna. Na América portuguesa, entre os séculos XVI e XIX, a construção de um povo novo, na carne e no espírito, ocorreu, majoritariamente na floresta – através da floresta (CABRAL, 2014, p. 24-25).

Foi em território brasileiro – e na Mata Atlântica – que os europeus primeiro se sedentarizaram em terras tropicais. Ali, os portugueses iniciaram uma empreitada colonizadora diversa da pura e simples extração de riquezas: passaram a produzi-las. A mercadoria escolhida para a tarefa foi o açúcar, que há várias décadas já vinha sendo, com sucesso, produzida e comercializada por portugueses na Ilha da Madeira (CABRAL, 2014). Leia-se:

Foi na Madeira que a cana encontrou a sesmaria, a floresta e o fogo, seus futuros parceiros no complexo socioecológico que viria a conectar [...] o Brasil ao sistema econômico mundial. [...]. Na Madeira, o uso da floresta já era tipicamente moderno: por volta de 1510, pouco mais de três décadas depois do boom açucareiro na ilha, estima-se que 160 quilômetros quadrados de floresta já tivessem sido devastados, mais da metade do estoque acessível. Para realizar esse trabalho, cativos foram trazidos das Ilhas Canárias [...] e, posteriormente, da costa ocidental africana. Os capitais eram, em sua maior

parte, de comerciantes e financistas genoveses, que já vinham investindo no setor, no âmbito mediterrânico (CABRAL, 2014, p. 138-139).

Ao longo de bilhões de anos, o processo evolutivo ocorreu de tal modo que, entre mamíferos, o consumo de açúcar acabasse sendo fisiologicamente estimulado. Além do estímulo biológico, porém, condições sociais e econômicas explicam a universalização do consumo de açúcar entre os Homo sapiens, essa espécie sui generis entre os mamíferos. Inicialmente, as frutas e o mel eram as únicas grandes fontes de açúcar concentrado de que a humanidade dispunha. Quando começou a ser produzido, o açúcar – extraído da beterraba ou da cana-de-açúcar – era um produto muito caro, acessível apenas aos mais ricos. O incremento da produção no Novo Mundo (que levou a preços mais baixos) permitiu que o açúcar “percolasse” as diversas classes sociais de modo que, atualmente, o seu consumo está universalizado (CABRAL, 2014).

A cana-de-açúcar foi o primeiro cultivar produzido e comercializado por portugueses e neobrasileiros em território nacional. Ela transformou intensamente a economia brasileira e a economia mundial: nenhuma outra planta teria “tanta influência na emergência da modernidade – e do Brasil moderno – como teve a cana” (CABRAL, 2014, p. 134). E o açúcar nunca deixou de ser cultivado no Brasil: ainda é um dos mais abundantes entre as exportações brasileiras e continua sendo o principal gênero (ao lado do etanol, também derivado da cana-de-açúcar) cultivado sobre as cinzas das florestas costeiras. A derrocada dos preços do açúcar no mercado internacional não causou a sua eliminação da pauta de produtos brasileiros, ao contrário do que uma certa abordagem histórica calcada em ciclos econômicos pode fazer acreditar. Houve, sim, uma complexificação da sociedade e da economia brasileiras, primeiro incentivada pela descoberta de metais preciosos, depois, pela introdução da cultura cafeeira (CABRAL, 2014).

Mas, quando a cultura cafeeira foi finalmente introduzida em terras brasílicas, certo modo de produzir já estava assentado. Esse método havia sido adaptado a partir da experiência portuguesa na Ilha da Madeira e das roças indígenas de mandioca, nas capoeiras da floresta. Trata-se da chamada “agricultura itinerante” ou “agricultura de corte e queima”, que desde o final do século XVIII até os dias atuais, tem sido objeto de incontáveis críticas desferidas por cientistas, literatos e intelectuais, sejam brasileiros, sejam portugueses (DA MATTA, 1993; HOLANDA, 1994; DEAN, 1996; PÁDUA, 1998; PÁDUA, 2002; CABRAL, 2014).

A primeira etapa da agricultura itinerante ocorria no início das secas e se chamava “roçada”. Roçar significava eliminar à foice o sub-bosque da floresta. Aguardava-se o material secar, de modo que pudesse servir como combustível para facilmente propagar o fogo. Em seguida, vinha a derrubada das árvores da floresta, virgem ou secundária, cujo dossel ultrapassava, em altura, o facho. Deixava-se todo o material secar, por um período de seis a oito meses. Assim, em meados de setembro ou outubro, o material já estava pronto para ser queimado. O objetivo de queimar a biomassa era obter nutrientes e luz solar suficiente para as lavouras. Sobre as cinzas das florestas, os colonos plantavam cana, mandioca, feijão entre outros gêneros. Mas como no meio das lavouras era comum encontrar remanescentes da floresta, tais como troncos, cepos e raízes, era difícil que os agricultores utilizassem tecnologias tais como o arado, “símbolo máximo das conquistas agrícolas do Velho Continente” (CABRAL, 2014, p. 116).

Plantados sobre as cinzas das florestas, os cultivares rendiam bastante por poucas safras. Com o esgotamento da fertilidade do solo de determinada gleba, os colonos abandonavam-na. Entenda-se: a continuidade da produção demandava recuperação das terras exauridas ou o avanço sobre novas matas nativas. Ora, considerando que as matas eram abundantes e que a terra era barata – quando não gratuita –, os agricultores preferiam estender a fronteira agrícola do que investir na recuperação das terras “cansadas” (DA MATTA, 1993; HOLANDA, 1994; DEAN, 1996; PÁDUA, 1998; PÁDUA, 2002; CABRAL, 2014). A sucessão secundária era viabilizada, seja pelo longo prazo de pousio (medido em décadas), seja pela relativa proximidade de florestas íntegras, que funcionavam como estoques de sementes.

Dean (1996) e Cabral (2014) observam que, ao contrário do que sustentam os críticos da agricultura itinerante, existe racionalidade nesse processo. Aqui, utiliza- se o recurso mais abundante, que é a biomassa, para incrementar a fertilidade do solo, adequando-a às necessidades das lavouras. Ademais, a utilização do fogo não demandava maiores investimentos e otimizava muito o trabalho humano, que era um recurso escasso no Brasil Colônia:

O dado fundamental é que, por um lado, havia pouco capital e mão-de-obra, e, por outro lado, muita terra florestada. Nesse tipo de situação, o que se precisa é de um método que use mais o que é abundante e use menos o que é escasso. Qualquer sistema de derrubada e queimada faz exatamente isso. Não podemos esquecer que métodos como a aração do solo e a adubação com esterco animal eram tarefas intensivas em trabalho. [...]. O uso da energia e dos nutrientes contidos no complexo solo-floresta, e por ele

produzidos, por outro lado, aumentava enormemente a produtividade do trabalho humano. As lavouras cultivadas sobre as cinzas florestais eram bastante rentáveis, muito mais do que se cultivadas em terrenos deixados em breve repouso. Por meio da queima, os lavradores transformavam o solo florestal em um meio rico em nutrientes para seus cultígenos (CABRAL, 2014, p. 122).

Apesar de perdulária, a queimada era o único método disponível para acessar as gigantescas reservas de nutrientes químicos que, de outra forma, só seriam liberados no solo muito lentamente, a partir de clareiras e decomposição espontâneas. Não era o solo per se que os agricultores exploravam, portanto, mas o complexo solo-vegetação (CABRAL, 2014, p. 125).

O equilíbrio desse sistema pressupunha baixos índices populacionais e certo nomadismo. Nas aldeias ameríndias, a população cultivava três ou quatro hectares por vez, o que facilitava a recomposição do solo e da vegetação. Nos povoados neobrasileiros, entretanto, mais sedentários e conectados ao mercado, não raro, queimavam-se extensões muito grandes de florestas e reduzia-se excessivamente o tempo de pousio. Essas duas práticas dificultavam a regeneração da floresta e, como consequência, a recuperação da fertilidade dos solos agrícolas (DEAN, 1996; CABRAL, 2014).

Ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, a agricultura de corte e queima e as demais práticas agrícolas a ela associadas foram as principais preocupações dos intelectuais dedicados ao cuidado com a natureza no Brasil.

Preocupações ambientais no Brasil entre o final dos séculos XVIII e XIX

O Brasil foi uma colônia agroexportadora, muito dependente dos seus recursos naturais. Portanto, era de se esperar que discussões ambientais cativassem pensadores preocupados com a sobrevivência e com o destino da comunidade política luso-brasileira. E esses pensadores existiriam: essa é a constatação de Pádua (2002), que consultou cerca de 150 (cento e cinquenta) textos, escritos por mais de 50 (cinquenta) autores. Em um período de 102 (cento e dois) anos, desde o final do século XVIII até o final do século XIX, esse grupo tratou diretamente das “consequências sociais da destruição das florestas, da erosão dos solos, do esgotamento das minas, dos desequilíbrios climáticos” (PÁDUA, 2002, p. 11).

Esse grupo de pensadores permaneceu esquecido por dois séculos, uma circunstância que levou a literatura técnica a afirmar que, no Brasil, a crítica ambiental

seria uma importação datada do último quarto do século XX quando, na verdade, aqui, as críticas e preocupações relativas à degradação do ambiente remontam aos tempos da Colônia (PÁDUA, 2002).

Influenciados pelo ideário iluminista herdado do século XVIII, os argumentos desse grupo de intelectuais eram essencialmente políticos, cientificistas, antropocêntricos e economicamente progressistas. Aqui e ali algum autor evocava o valor intrínseco da natureza como motivo adicional para preservá-la. Mas a maioria esmagadora dos argumentos girava em torno do viés desenvolvimentista. Oriundos das mais distintas regiões brasileiras – Amazônia, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Maranhão – esses autores formaram o "primeiro grupo de intelectuais nascidos no país que absorveu as concepções de filosofia natural, direito e economia – e também o espírito pragmático e progressista – que caracterizaram o Iluminismo europeu" (PÁDUA, 2002, p. 14).

A questão ambiental era tratada a partir de debates acerca da sobrevivência e do destino da comunidade política luso-brasileira, o que levava à defesa do meio ambiente como estoque de recursos indispensáveis à construção nacional. Portanto, para esses autores a natureza tinha valor instrumental, dada a sua relevância política e econômica. Sob esse enfoque, o mau uso ou desperdício dos recursos naturais era encarado como uma espécie de crime histórico, um verdadeiro atentado contra o futuro de Portugal e do Brasil (PÁDUA, 2002).

Os autores estudados por Pádua pertenciam à elite econômica e política da colônia e, em geral, estudaram nas Universidades de Coimbra (reformada em 1772) e na Academia Real das Ciências em Lisboa (fundada em 1779). Formados no ápice do Iluminismo lusitano, tais autores foram influenciados por Buffon, Lineu, Alexander von Humboldt e pelos fisiocratas, Adam Smith e David Ricardo. Tal qual outros iluministas, os autores acreditavam que as leis naturais se dão a conhecer por meio da experimentação consciente e que, de posse delas, a ciência forneceria soluções para o melhor aproveitamento dos recursos naturais (PÁDUA, 2002).

Sob esse enfoque, a degradação ambiental não era encarada como custo do progresso, mas como custo do atraso, ou seja, como o preço das práticas agrícolas e mineralógicas rudimentares e não científicas. Mais ciência e mais tecnologia eram uma espécie de panaceia para sanear ambientalmente a economia e a sociedade luso-brasileiras (PÁDUA, 2002).

rural de progresso. Tal modelo era o mais elogiado pelos fisiocratas, que acreditavam que toda riqueza era gerada por meio da agricultura. Também era o modelo preferido por Thomas Jefferson, James Madison e Alexander von Humboldt (WULF, 2016). A sua maior divergência referia-se à relação entre escravismo e degradação ambiental. A maioria considerava viável modificar o modelo produtivo predatório sem acabar com o trabalho forçado; outros, tais como José Bonifácio, André Rebouças e Joaquim Nabuco (que, nessa ideia, estavam afinados com Alexander von Humboldt), defendiam que escravidão e destruição ambiental eram irmãs siamesas (PÁDUA, 2002; WULF, 2016).

Pádua considera como marco inicial dessa geração o texto intitulado "Publicação do primeiro ensaio escrito por um brasileiro com reflexões políticas amplas sobre os problemas ambientais do país", da autoria de Baltasar da Silva Lisboa e datado de 1786. Por sua vez, o autor mais icônico desse período teria sido José Bonifácio de Andrada e Silva. Mais tarde artíficie da independência do Brasil, José Bonifácio escreveu tratados contra a destruição dos bosques, contra a caça predatória das baleias, reflexões que apresentavam a reforma ambiental como instrumento de superação do passado colonial, além de manifestos que estabeleciam o nexo causal entre a escravidão e a destruição do ambiente natural (PÁDUA, 2002). Esse debate intelectual dos oitocentos não gerou sensíveis alterações na política e na economia do Brasil, Colônia ou Império. Restringiu-se, ao contrário, ao plano das ideias. Apesar da situação econômica, dos altos cargos ocupados e do trânsito com as autoridades políticas (coloniais ou imperiais), os autores dessa tradição intelectual “não lograram promover ou influenciar políticas públicas que impulsionassem o enfrentamento da destruição ambiental, a não ser em poucos casos, como no [...] processo de restauração da floresta da Tijuca, entre 1861 e 1874" (PÁDUA, 2002, p. 31).

É que esses pensadores eram minoritários, mesmo entre os seus poucos pares letrados que se destacavam no meio de um oceano de brasileiros analfabetos. As suas preocupações não conquistaram o olhar das elites, até porque chocavam-se diretamente com os seus interesses imediatos. Ademais, precisamente a escravidão e as práticas devastadoras perpetradas por essas mesmas elites dirigentes forneciam o sustento econômico da empreitada colonial e, mais tarde, do Império Brasileiro (PÁDUA, 2002). Leiam-se os seguintes excertos:

A elite dirigente do Império mostrou-se historicamente competente para construir uma estrutura política bastante estável e preservar a unidade de um enorme território. Bem mais questionável, porém, foi a sua capacidade para dirigir, para não falar em aperfeiçoar e transformar, as relações de produção no país real. [...] os limites na capacidade de intervenção econômica do governo imperial revelavam-se nas dificuldades encontradas para criar sistemas mais eficientes de arrecadação de impostos, e também para fazer frente à pressão de setores econômicos, especialmente rurais, no que diz respeito à alocação dos recursos orçamentários. [...]. Mesmo que a elite política estivesse unida no combate à economia predatória, portanto, é bem provável que sua capacidade para deter a destruição fosse bastante restrita. Mas o fato é que isso nunca chegou a ocorrer. Ao contrário, as práticas devastadoras, profundamente arraigadas na lavoura escravista, eram a fonte da renda que sustentava a elite senhorial e a máquina do Estado (PÁDUA, 2002, p. 31-32).

Mais um aspecto ressaltado por Pádua (2002) é o divórcio, no Brasil, entre a crítica ambiental e o romantismo. Ao contrário daquilo que ocorrera nos EUA, na Grã-Bretanha e na Alemanha, os românticos brasileiros não combateram, intelectual ou politicamente, a destruição ambiental. Também não houve, entre esses autores, qualquer reivindicação de valor intrínseco ou de valor estético para a natureza, na linha do transcendentalismo de Thoreau (2012). Em suma, no Brasil, a crítica ambiental é herdeira direta do Iluminismo e do Racionalismo, não do Romantismo.

A linhagem dos primeiros críticos ambientais brasileiros [...] não praticou -- ou o fez de forma apenas moderada – o elogio laudatório da beleza e da grandeza do meio natural brasileiro. Mas ao mesmo tempo não ignorou, e principalmente não aceitou, a sua destruição. O meio natural foi elogiado por sua riqueza e potencial econômico, sendo sua destruição interpretada como um signo de atraso, ignorância e falta de cuidado. O verdadeiro progresso supunha a conservação e uso correto do mundo natural que, por sua vez, só fazia sentido no contexto desse progresso. A natureza era vista como objeto político, um recurso essencial para o avanço social e econômico do país (PÁDUA, 2002, p. 28).

Alexander von Humboldt é uma notável exceção à irrelevância dos pensadores românticos para o surgimento da crítica ambiental em terras brasílicas. Não obstante a forma distinta de se aproximarem da natureza, os relatos da expedição de Humboldt à América do Sul foram utilizados como chave para que autores portugueses e brasileiros refletissem sobre os impactos da exploração colonial em terras brasílicas. A teoria do dessecamento, por exemplo, utilizada por Humboldt para explicar a redução do nível da água no Lago Valência, foi amplamente abraçada pelos intelectuais luso-brasileiros. Ademais, Humboldt era interlocutor de José Bonifácio que, tal como o prussiano, também era um intelectual dedicado à mineralogia e à história natural (PÁDUA, 2002; ANJOS, 2007).

Preocupações ambientais ao final do Segundo Império

Por volta de 1870, os solos das regiões cafeeiras cariocas mostravam evidentes sinais de exaustão. Contudo, as atividades agropecuárias voltadas ao comércio internacional continuavam sendo a principal fonte de divisas para o país. Por isso instaurou-se uma preocupação mais ou menos generalizada com as técnicas agrícolas predatórias, inclusive nos mais altos escalões do gabinete imperial. Sabia- se que a crise da agricultura cafeeira seria, além de uma crise econômica, uma crise política (PÁDUA, 1998; HOCHSTETLER e KECK, 2007).

Pádua (1998) também estudou a geração de críticos ambientais brasileiros do final do século XIX por meio, entre outras fontes primárias, das publicações da Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA) e dos registros do Congresso Agrícola de 1878, convocado por João Lins Cansansão de Sinimbu, então Ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

No Congresso Agrícola de 1878, relata Pádua (1998), os participantes pareciam concordar que a agricultura cafeeira vinha exaurindo as terras, promovendo mudanças nos regimes climáticos e favorecendo a reprodução de pragas. Todavia, ainda segundo o autor, a maioria dos participantes parecia acreditar na viabilidade do sistema extensivo (isto é, na agricultura de corte e queima), desde que os produtores dispusessem de mão-de-obra e de crédito abundantes e baratos (PÁDUA, 1998). Alguns participantes teriam destoado dessa opinião mais ou menos geral e enunciaram algumas das mais precoces críticas ambientais registradas em território brasileiro (PÁDUA, 1998), senão vejamos.

Manoel Ribeiro do Val, lavrador do Paraíba do Sul, criticou fortemente o regime de exploração do solo vigente no Brasil, salientando que a crise da agricultura brasileira seria eminentemente ecológica, não de braços e capitais, como propunham a maioria dos produtores (PÁDUA, 1998).

Nicolau Moreira, intelectual e editor da Revista Agrícola do IIFA, criticando a vigência do que denominou terem sido 375 (trezentos e setenta e cinco) anos de cultura esgotadora, apresentou estudos sobre o decaimento da fertilidade dos solos. Propôs a adoção de um sistema de recomposição dos minerais consumidos pelas plantações, sistema esse que deveria se basear em conhecimentos agroquímicos (PÁDUA, 1998).

José Saldanha da Gama, por sua vez, ressaltou o relevante papel que as aves desempenhavam na agricultura, propondo o desenvolvimento de programas

voltados à conservação das espécies úteis e à eliminação das espécies daninhas (PÁDUA, 1998).

Guilherme Capanema, em uma digressão histórica, observou que a abundância de terras férteis e de mão-de-obra barata (escrava) favoreceu a adoção do nomadismo agrícola, mesmo entre imigrantes europeus, habituados às técnicas de restauração da fertilidade do solo. Citando as ferrovias, chamou a atenção para o fato de que modernizações parciais, sem alteração nos padrões agrícolas, poderiam, ao invés de atenuar, acirrar a devastação. Afinal, a permanente demanda das locomotivas por lenha vinha contribuindo para a extinção de enormes áreas de florestas (PÁDUA, 1998).

Dionísio Martins, agrônomo baiano que escrevia na Revista Agrícola do IIFA, alertou para os males produzidos pela imprevidência dos produtores nas terras cultivadas. Profetizou um futuro de fome caso os métodos agrícolas não fossem radicalmente modificados (PÁDUA, 1998).

Luiz Corrêa de Azevedo criticou a rotina agrícola brasileira como uma continuidade automática e irrefletida de práticas predatórias, voltadas à obtenção de lucro rápido e fugaz. Manifestou o entendimento de que os danos ambientais provocados em determinada gleba rural ultrapassavam as suas fronteiras territoriais e temporais, ou seja, que afetavam glebas de terceiros e comprometiam o sustento das gerações vindouras (PÁDUA, 1998).

Caetano da Rocha Pacova fez apontamentos sobre a necessidade de uma escola de agricultura voltada à capacitação dos lavradores, pessoas que simplesmente desconheciam as modernas técnicas agrícolas. Observou que as dificuldades de transportes e a falta de crédito rural eram facetas do mesmo problema: a destruição ambiental. Ora, se as terras eram utilizadas de maneira predatória e

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