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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 SUICÍDIO: ASPECTOS HISTÓRICOS

2.2.4 Contexto do bombeiro militar

A constituição brasileira (BRASIL, 1990) ao falar sobre a segurança pública, estabelece em seu artigo 144 que diversos órgãos são responsáveis por conservar a ordem pública, bem como a integridade e a segurança das pessoas e do patrimônio. Dentre os órgãos citados na lei está o corpo de bombeiros militares, no entanto, a existência e atuação deste órgão é muito anterior ao estabelecido na constituição.

À data 07 de agosto de 1636 foi criada a Companhia Brantmeesters em Pernambuco, constituindo o primeiro serviço voltado para a extinção de incêndio das Américas. Contudo, apenas em 02 de julho de 1856, Dom Pedro II regulamentou o primeiro serviço de extinção de incêndio do país através do Decreto imperial 1.775, em 02 de julho de 1856. Isso decorreu de sua preocupação com perigo de incêndios no Rio de Janeiro, capital do Brasil à época (HISTÓRIA, s/d).

Não obstante, sua institucionalização nos moldes atuais se deu apenas em 20 de outubro de 1887. Antes disso, o governador da Província de Pernambuco sancionou uma lei autorizando a criação de uma companhia com o objetivo de combater incêndios, a qual era mantida por meio de convênios com seguradoras. Até o ano de 1922 o corpo de bombeiros manteve-se sob essas circunstâncias, quando pela Lei 1.531 ele foi, então, anexado à polícia militar do estado e, mais tarde, em 1995, voltou a ser separado dessa polícia através de emenda constitucional estadual. Embora tenha passado por diversas mudanças em termos de afiliações institucionais, ao longo de sua história o corpo de bombeiros sempre teve como objetivo salvar vidas, além de proteger o patrimônio público (LIRA, 2011).

Consoante a isso, Toassi, Stolf e Oliveira (2006) elucidam que o objetivo maior dos soldados do corpo de bombeiros é “a manutenção da vida, a prevenção e a realização de atendimentos caracterizados pela eficácia e rapidez” (p. 286). Nesse esteio, dentre as atividades dos bombeiros militares são destacadas o controle de incêndios, salvamentos e resgate de pessoas acidentadas (LIRA, 2011).

Embora os bombeiros, segundo posto pela constituição federal, sejam profissionais ligados à segurança pública, o panorama da sociedade atual – na qual prevalecem situações diversas de acidentes, incêndios, desabamentos, enchentes, doenças decorrentes do estilo de vida contemporâneo – convoca a presença de profissionais voltados para o atendimento de emergências (MARTINS, 2004). Desse modo, desde a década de 90, os bombeiros têm sido convocados a atuar nesses serviços de caráter emergencial (TOASSI, 2009). Assim sendo, o contexto de atuação do corpo de bombeiros constitui-se por situações de emergência.

Além disso, nessas situações em que atua, o bombeiro precisa lidar com circunstâncias adversas, tais como tragédias, situações de perigo, pressa, sofrimento, cobranças e intempéries climáticas. Tudo isso torna o ritmo do serviço dos bombeiros algo dinamizado, onde há alternância entre períodos calmos e de pouca atividade e períodos de atividade intensa. Assim, a depender das ocorrências diárias, os profissionais estarão se deparando com situações de tragédia, de tensão e ansiedade. Portanto, é preciso uma adaptação do profissional às condições das ocorrências em que atua (TOASSI, 2009).

Nesse contexto, há uma constante atenção a tudo que pode ser utilizado nas ocorrências. De acordo com Toassi, Stolf e Oliveira (2006), esse cuidado é dispensado com vistas a prevenir acontecimentos que possam gerar tensão, arrependimento e sofrimento. Isso decorre do fato de os bombeiros sentirem que têm responsabilidade sobre os atendimentos cujos procedimentos não foram eficazes em decorrência da falta de manutenção de equipamentos usados no trabalho. Neste ensejo, os bombeiros entendem que os erros e falhas provenientes do uso de equipamentos e tecnologias podem ser fatais, resultando em perda de vidas humanas, de modo, que eles se mostram cônscios das consequências de suas ações e fazem todo o possível para exercer a profissão com o máximo de responsabilidade (TOASSI; STOLF; OLIVEIRA, 2006).

Ainda, segundo Lira (2011), no ambiente militar a condição humana é de constante tensão e ambiguidade, uma vez que policiais e bombeiros estão sempre atuando entre polaridades como: ódio e amor, crueldade e bondade, punição e impunidade, injustiça e direito, dor e alegria, salvar vidas e perder a própria.

Ainda o corpo de bombeiros atua em ocorrências em que as pessoas que a serem resgatadas ou salvas podem apresentar desde algum distúrbio de comportamento associado a lesões corporais graves, bem como situações de agitação; também com risco de suicídio; comportamento agressivo que ameaçam tanto a própria integridade física e/ou a de terceiros; e, por fim, salvamentos em locais de difícil acesso, com necessidade de manobras de resgate ou salvamento específicas (SERRANO et al., s/d).

Levando-se em conta essa dinâmica institucional, quando explora-se a questão da prevenção do suicídio, essa classe de profissionais a vivencia de uma maneira única das demais que costumeiramente são estudadas e evidenciadas em publicações científicas. Diferentemente dos profissionais de saúde que recebem pessoas que pensam sobre a possibilidade de matar-se ou desencadearam atentados contra si necessitando de assistência, o corpo de bombeiros se depara com a imediaticidade de lidar com o fenômeno em decurso, na busca, através de diálogo e estratégias para tentar salvar a vida do suposto suicida. Essa atuação de salvaguardar a sociedade dos riscos que a natureza traz para ela própria, faz com que os bombeiros ocupem, no imaginário social, uma imagem de heroísmo e entrega.

Por outro lado, a instituição do Corpo de Bombeiros e seus componentes são produtos e produtores de uma instituição total, com regras e regulamentos específicos. Esse encontro entre bombeiro e um ato suicida em que urge uma intervenção sobre o último, provoca tensões e ambivalências decorrentes da cultura pessoal (atravessada por quem o bombeiro é, bem como pelo lugar que ele ocupa) e as expectativas de uma cultura coletiva (ao tratar da temática do suicídio e das consequências dele). Nesse ponto é importante destacar que os bombeiros são percebidos no âmbito de uma cultura coletiva como “muito respeitados, são uma referência para a sociedade, em função da excelência dos serviços prestados” (SERRANO et al., s/d, p. 1).

Dessa forma, como fenômeno predominantemente afetivo, pode-se também explorar como a atuação do Corpo de bombeiros em momentos de tentativas de suicida, pela intensidade afetiva desse contexto, provocou a reelaboração na maneira de pensar sobre o suicídio e lidar com aqueles que fazem uso dele em suas vidas.