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A Europa proclamou-se, enquanto principio e fim, para determinar normas, regras, imperativos apoiados por uma visão progressista de história, durante vários séculos.

Com isso, desconsiderou inclusive a contribuição dos impérios orientais. É importante afirmar que a colonização européia adotou o “uso e abuso” de sua ideologia produzindo até o massacre das culturas nativas. Os progressos científicos também principiaram na Europa, sendo que estes foram utilizados para ampliar os domínios do velho mundo, o que não se deu em toda a Europa, mas, principalmente, através das ideologias francesa e inglesa.

É certo que a época moderna sustentada pelas luzes da razão também justificou muitas atrocidades. O iluminismo ajudou a compor a face “Humana” da Europa, que, na melhor de sua retórica, buscava sempre salvar almas, mesmo quando tinha que matá-las. Certamente uma forma de manutenção do poder como foram, por exemplo, as cruzadas.

A teoria do progresso ajudou a compor uma nova ordem estatal que também nasceu na Europa. Este suposto doutrinário teve, dentre muitas coisas, a

preocupação de apresentar a impressão de que a História nasceu na Europa a boa parte do mundo e isso teve o seu domínio equilibrado pelos intelectuais daquele país.

Condorcet identifica-se com o progresso científico, cujos inauguradores foram os grandes filósofos da época moderna, representantes das três nações européias mais civilizadas, Galileu, Bacon e Descartes. Se o processo de civilização está destinado a continuar, ele deverá se estender da Europa para os demais continentes, que não esperam para tornarem-se também eles civis tornando-se amigos e discípulos dos europeus (BOBBIO, 1997, p.151).

Dessa forma, a noção de progresso é apresentada como de domínio, de poder, mesmo que esta interpretação seja sustentada pela miséria e até pela morte, como ocorreu com a industrialização, na Europa.

Tudo isso possibilitou o uso ordenado do discurso de alguém que fala do já vivido, da experiência, da ação que os mais velhos exercem sobre os jovens. Com isto, o conceito tradicional de educação ajudou a estabelecer objetivos de sucesso. A ideologia européia se confundia com a própria Europa, que, com seu poder de expansão colonial, buscava outro para superar suas crises internas.

A eficácia da ideologia européia esteve presente nas expressões dos imperialismos ideológico, político, econômico e cultural, tendo a escola secundária como elemento difusor de tais determinantes, pois os saberes divulgados tinham a Europa como centro.

Se for considerado que primeiro o objeto existe no mundo das idéias, pode ser possível idealizar, para, em seguida, praticá-lo em dias melhores. Para avançar, esse determinismo pode ser encontrado neste movimento e dele podem aparecer outras verdades, logo apresentando outras interpretações para os eventos.

Para Bobbio (1997, p. 159) “o constante movimento rumo ao melhor, era tido como uma característica exclusiva da história européia. Progressiva que era considerada não a história em geral, mas apenas a história da Europa”.

O sentimento orgulhoso de que a Europa deu a luz às grandes conquistas que impulsionaram o mundo foi também uma “fabricação” dos intelectuais europeus, sendo que o progresso é passado aos outros como algo positivo e nem sempre essa afirmativa é totalmente verdadeira.

Isto posto, é necessário compreender o porquê de as culturas ditas mais evoluídas acharem-se em condições de ordenar aquilo que as outras devem fazer.

Dessa forma, negam a própria história, à medida que silencia o passado dos espaços invadidos cujo maior objetivo é o lucro.

A experiência, da colonização tenta, portanto apagar, o passado do colonizador, nessa ordenação imposta como modelo. Para compreender essa idéia, recorre-se a Hegel (apud BOBBIO, 1997, p. 159) “[...] a história humana é o progresso na consciência da liberdade”. Mas ainda não se dispõe dessa sonhada liberdade.

Por último, “a Europa, de cuja unidade política se falava, não era toda a Europa segundo a história, a geografia e a tradição de pensamento que não conhecia fronteiras, mas era uma parte da Europa Ocidental” (BOBBIO, p. 166).

Mesmo os registros históricos não passando por essas delimitações, não poderíamos deixar de lembrar que a Europa, por desconsiderar a contribuição de muitos povos, fechou-se enquanto pensamento, mas apresentando ao mundo como sendo o melhor “caminho” a ser seguido.

E é neste bojo que o ensino secundário germina, se nutre e se expande como modelo de ensino no novo continente, colonizado pelos países europeus, a exemplo o Brasil.

3 O ENSINO SECUNDÁRIO BRASILEIRO

Na produção da historiografia e em especial da educação convém que se articule às condições do momento que geraram a exigência do evento, assim como as singularidades do espaço de sua realização.

Logo, o ensino secundário constitui o evento de maior relevo, para a história da educação brasileira, quando da tentativa de implantação do sistema nacional de ensino, apresentando-se como prioridade às necessidades de uma classe, face às transformações sociais.

Deste modo, a nova história expressa na forma dos novos objetos, evidencia que não há como “fazer” história cultural sem considerar as relações estabelecidas entre cultura e sociedade. Daí a sua importância na História da Educação. Esse diálogo exige outros interlocutores; outros campos do conhecimento que oferecem a possibilidade de entendimento, sobre as diferentes visibilidades do conhecimento das manifestações humanas encontradas no tempo e no espaço. Lynn Hunt (1992, p.13) apresenta uma questão que, para os propósitos deste estudo, é fundamental: “Onde estaremos quando todas as práticas sejam elas econômicas, intelectuais, políticas ou sociais, revelarem ser culturalmente condicionadas?”.

Isto ajuda a problematizar a representação do ensino secundário, na perspectiva do Liceu de como os saberes exigidos na formação do liceísta se (des) articulam com a realidade brasileira, com as relações de poder.

Apesar de sabermos que as formas do exercício do poder na escola se caracterizam por uma relação pedagógica de submissão de mestres e alunos às regras e poderes impessoais, objetivados através das normas, da linguagem e dos sinais, observamos que elas são selecionadas fora do espaço da escola que apenas adota-as no sentido de atender às imposições que são exteriores e, muitas vezes, alheias as suas necessidades, mas necessárias às garantias determinadas pelos sistemas político, jurídico e ideológico.

Vale lembrar que o Estado, enquanto poder hegemônico apresenta-se ao nível da legislação, pois as leis têm por função garantir a ordem pela coerção, quando não consegue mantê-la pelo consentimento. Esta também estabelece certos modos de comportamentos e certos valores.

Entretanto, são exatamente esses códigos e saberes que credenciam ou desautorizam a inserção social. A garantia desses saberes pode estar, também, contribuindo na invenção de tradições, presentes no campo escolar.

A referência ao ensino secundário no Império brasileiro, a partir do Liceu, faz ler que, através desta pesquisa, seja possível entender parte de seu percurso nesta sociedade, visto que o caráter de uma civilização pode também ser percebido mediante a legislação escolar, o currículo, os quais dizem muito das aspirações sociais.

Assim, as instituições escolares tendem a denunciar a filosofia de sociedade, de homem, de cultura que revela quem se deseja formar. Com isso, na busca de melhor apresentar a sociedade brasileira no período imperial, faz-se necessário recuperar alguns de seus componentes, às vezes silenciados nos arquivos e esquecidos pelas memórias individual e coletiva.

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