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2. VILA DO FORTE

2.1 CONTEXTO GEOGRÁFICO-HISTÓRICO

Em 1722, Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera, e João Leite da Silva Ortiz, bandeirantes e sertanistas paulistas penetram os sertões de Goiás, iniciando a conquista e colonização do território, movida principalmente pela “sede do ouro” (BAIOCCHI, 1983). Bartolomeu Bueno foi o primeiro capitão-mor regente da província em 1726 e, neste ano, fundou o arraial de Sant’Ana, atualmente conhecido como Goiás Velho (MATTOS, 1979). Em 1748, foi criada a Capitania de Goyaz (BERTRAN, 1988), cujo nome se deve a descoberta de uma etnia indígena que habitava a região, conhecidos como goiases (MATTOS, op. cit.).

O desbravamento dos sertões do Brasil central foi movido, principalmente, pelas descobertas do ouro, iniciadas em 1725 após o metal ser encontrado próximo à atual cidade de Goiás, por exploradores paulistas (BERTRAN, 1988). Acompanhando as bandeiras que penetravam em Goiás vinham os escravos negros, que além de realizarem a extração de ouro e outras pedras preciosas, ainda faziam vários tipos de serviços, de combatentes de índios a carregadores de mercadorias e mantimentos.

Desde a sua inserção no território brasileiro, estes negros, escravizados e depois livres, estiveram ocupando espaços, usando os recursos naturais para sua sobrevivência, e dividindo a terra, de uso comum, com outros membros de povoados. Os agrupamentos onde diversas etnias compartilhavam dos mesmos recursos eram chamados de quilombos. Baiocchi (1999) define o termo como “centros religiosos e comunidades negras no mundo rural”. O caráter rural destes agrupamentos também aparece na definição de Araújo dos Anjos:

Entendemos os [remanescentes de antigos] quilombos como um fato estruturado a partir de comunidades negras descendentes de negros escravizados vindos de várias regiões do continente africano. Esses descendentes vivem principalmente no espaço rural brasileiro, mas muitos núcleos estão incorporados às áreas periurbanas e urbanas do país (2005a: 35).

Embora a presença dos povos negros, originários do continente africano, no Brasil remeta aos tempos da colonização, o reconhecimento de sua influência cultural, religiosa, genética, econômica e tecnológica só começou a ser desvendado recentemente. A herança trazida pelos homens e mulheres vindos do continente africano no Brasil ainda é para muitos brasileiros desconhecida. Araújo dos Anjos comenta a esse respeito:

Os africanos e seus descendentes também são os responsáveis pela adequação, nos trópicos, da tecnologia pré-capitalista brasileira, como, por exemplo: a mineração, a medicina, a nutrição, a agricultura, a arquitetura e a construção (2005a: 312-313).

A Vila do Forte encontra-se nesse contexto. O local é identificado por Silva (2003) como “remanescente de quilombos e/ou comunidade negra”, de origem datada entre os séculos XVIII e XIX. No levantamento de Araújo dos Anjos (2005b), o Forte também aparece como “comunidade quilombola”. Embora a investigação da ascendência escrava de moradores do Forte não tenha sido objeto de pesquisa deste trabalho, é inegável a influência negra na sua cultura e nos seus hábitos alimentares e de manejo de recursos. Além disso, no contexto do povoamento e da história econômica do Centro-Oeste, o Forte apresenta características de vilarejos e arraiais que se formaram neste período. Como aconteceu em outras regiões do estado de Goiás, no Forte houve também a exploração do ouro, a prática da lavoura e da pecuária, e a imigração de nordestinos que formaram o povoamento da Vila. Esses pontos apareceram nos relatos dos moradores, portanto, são considerados válidos na explicação da sua formação.

Outra influência cultural e genética do povoamento do Forte foi devido a diversas etnias que habitavam a região de Goiás, das quais os moradores do Forte herdaram as formas de produção agrícola e hábitos alimentares. A produção agrícola de milho, feijão, arroz, fumo, café e cana, e a domesticação de cavalos, bois, vacas, porcos e aves, praticada no Forte, é um dos exemplos da herança de sociedades indígenas e de outras sociedades que também realizam estas práticas.

Durante o período da mineração em Goiás, muitos núcleos populacionais foram formados, como relata Bertran:

Entrava-se na fase de exploração das grupiaras e tabuleiros (margens dos córregos), em que se necessitava a montagem de uma infra-estrutura estável em termos de escravos ocupados. Requisitava-se agora a exploração de ofícios técnicos para trabalhos complicados de madeiramento para adução de água, para construção de bicames e tapumes sobre as margens fluviais que recobriam as formações sedimentares dos riachos auríferos – e também (em face do futuro), de condições para assentamento de fazendas e empresas mineratórias em que coexistiam trabalhos de lavra e de lavoura (1988: 21).

A exploração de ouro em Goiás foi responsável pela formação de muitas cidades que hoje têm importância histórica e são pontos turísticos, como Meia-Ponte, atual Pirenopólis, Cavalcante e Vila Bela, entre muitas outras. A decadência da produção aurífera, em 1778, fez com que a produção agrícola tomasse lugar e crescesse, também necessitando de mão-de-obra escrava para a produção das lavouras (BERTRAN, 1988: 21).

A implantação dos arraiais e julgados sucedeu o início do processo de ruralização intensiva e extensiva, chegando até o século XX com a maioria das populações concentradas na área rural, exercendo atividades na agricultura e pecuária (BAIOCCHI, 1983).

Assim como a formação da população do Estado de Goiás sofreu influências genéticas e culturais de grupos vindos de diversas regiões do continente africano, bem como das nações indígenas que habitavam o Brasil central, o Forte também apresenta em seus sistemas de produção, variedades de cultivos, cultura e também no fenótipo dos seus moradores, a marca dessas influências. Portanto, a formação do povoamento do Forte apresenta variadas origens, e estas origens tentarão ser desvendadas ao longo deste capítulo.