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3 A RELIGIÃO E A TERRITORIALIDADE DO SAGRADO NO BRASIL

3.1 Contexto Histórico e Religioso do Brasil

Embasados nos dados do Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2012), apresentamos abaixo (Gráfico 1) o conjunto dos principais grupos religiosos existentes no Brasil, quanto as suas expressões numéricas, a fim de explicitarmos quais os grupos com maior quantidade de praticantes em território nacional, e onde isso reflete no perfil religioso dos brasileiros.

No gráfico, observamos a hegemonia do Catolicismo no Brasil, atualmente representado por 64,63% da população nacional. Essa hegemonia já se fazia consolidada desde o Brasil Colônia, com a institucionalização do Catolicismo como a religião do Estado brasileiro, realizada pela Coroa Portuguesa e manteve-se, segundo Prandi (2004, p. 225), “[...] com o advento da República, no fim do século XIX, quando o Catolicismo perdeu a condição de religião oficial e deixou de ser a única religião tolerada no país”. Mas se comparado com os dados do Censo do IBGE do ano de 2000, esse número teve grande queda (o Catolicismo estava presente em 73,5% da população brasileira neste ano).

A segunda maior expressão religiosa no Brasil é o Protestantismo (repleto de subdivisões13), umas das vertentes religiosas que mais cresceu nos últimos anos, quando se comparam os dados do Censo 2000 e o Censo 2010, ascendendo de 15,4% no primeiro ano,

13 O Protestantismo apresenta variadas ramificações que subdividem suas Igrejas em congregações, tais como Os

Testemunhas de Jeová; a Igreja Adventista do Sétimo Dia e a Igreja Batista (Anglicanas); a Assembleia de Deus (Pentecostal); a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Renascer (Neopentecostais), entre outras.

para 22,16% da população, no ano de 2010. Em seguida, temos o Espiritismo com 2,01%, também em estado de ascensão na última década. Temos ainda a presença do Judaísmo, com 0,06%, e do Budismo, com 0,13% da população, segmentos religiosos ainda pouco difundidos no país.

Gráfico 1 – Demonstrativo da população brasileira, segundo os grupos religiosos que professam

FONTE: IBGE (2010)

Identificamos também no Gráfico, o grupo de pessoas que não tem religião (os agnósticos) com 7,65% da população, assim como os ateus (0,32%), segmento que nega a existência de qualquer Divindade. Vale salientar que este último grupo (os ateus) aparentemente pequeno, se comparado ao grupo que pertence às religiões de Matriz Africana (seja Candomblé, Umbanda, Jurema ou demais)14, é maior em número de adeptos: apenas 0,31% da população brasileira se autoafirma como adepta de alguma religião de Matriz Africana.

A partir desses dados, se fosse possível cogitar dividir o Brasil (toda a sua extensão territorial) e agrupar a população em estados administrativos, nos utilizando apenas como caráter divisório as religiões presentes neste país, se veria um país onde o maior Estado seria o católico (ainda que tivesse perdido território nas últimas décadas), seguido dos protestantes, agnósticos, espíritas e demais, todos com menores territórios.

Conforme observa Claval (1999), poderíamos acrescentar mais aspectos nesse cenário hipotético, como economia, comércio, agricultura, pecuária, tecnologia industrial, turismo e

14 Além das duas religiões de Matriz Africana mais conhecidas pela população (Candomblé e Umbanda), ainda

existem a Quimbanda, a Jurema ou Catimbó, o Tambor de Mina, o Xangô, o Batuque, a Cabula, o Omolocô, expressões dessa religiosidade africana com menos evidência nacional e muito ligadas ao regionalismo brasileiro.

123.280.172 42.275.440 3.848.876 588.797 243.966 107.329 14.595.979 615.096 Católicos Protestantes Espíritas Matriz

Africana

educação, possivelmente constituídos antagonicamente em cada Estado, visto que a diversidade de dogmas de cada religião causaria uma verdadeira distinção cultural e social, segundo o autor. Essa divisão nunca se concretizou no plano físico e real, no entanto, ressaltamos a importância de verificarmos que o território usado pela população residente dos Municípios brasileiros é predominantemente pertencente à comunidade católica. Logo, esta religião exerce grande poder no espaço nacional, muito mais que as outras crenças.

Claramente, a grande parte dos feriados brasileiros, sejam eles nacionais, estaduais ou locais, ainda são referentes aos santos e costumes católicos (o Dia de Reis, o Carnaval, a Páscoa, as Festas Juninas, o dia de Nossa Senhora de Aparecida, o Natal), dias em que todos os brasileiros sentem uma alteração em suas rotinas. Por exemplo, na Páscoa, tanto o jejum é recomendado aos católicos, como o consumo de determinados itens alimentícios, como o queijo, o peixe e o vinho, os quais movimentam o comércio, alterando seus preços para toda a população. Também podemos notar, em nossos Municípios, que as Igrejas Católicas estão geralmente localizadas nos Centros das cidades, tanto nos grandes centros urbanos como nos Municípios mais tradicionais e religiosos, sejam eles de pequeno ou médio porte. Inclusive, as cidades sagradas brasileiras devem-se necessariamente aos santos católicos.

A respeito do monopólio do Catolicismo, Claval (1999, p. 47) enfatiza que as crenças religiosas “[...] não estão ali para traduzir em termos humanos uma verdade originária de um além interdito ao uso da razão. Elas são apenas construções destinadas a fazer com que todos aceitem as regras, sem as quais a sociedade não poderia viver”. Essas crenças são utilizadas pelos detentores do sagrado, neste caso, pelas autoridades católicas, para manter a ordem sobre a pessoa que crê e para assegurar o domínio da verdade sobre a vida. Nesse sentido, Bourdieu (2007, p. 33-34) afirma que

[...] a religião contribui para a imposição (dissimulada) dos princípios de estruturação da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo social, na medida em que impõe um sistema de práticas e de representações cuja estrutura objetivamente fundada em um princípio de divisão política apresenta-se como a estrutura natural-sobrenatural do cosmos. Os autores citados acima, expõem as relações de poder e dominação que permeiam o espaço da fé, de tal modo a esclarecer como o território nacional brasileiro apresentado anteriormente está fragmentado, repleto de fronteiras (ainda que subjetivas), a que são atribuídos valores às crenças existentes neste espaço. Inclusive, fundamentando-nos na equação de Raffestin (1993), apresentada anteriormente, aquela religião que apresentar o maior número de adeptos (e os mais fervorosos) em um determinado espaço, tem maiores chances e

capacidade real de dominar o território religioso e de se perpetuar no curso da história, enquanto absorve o espaço que era pertencente a outras crenças.

Carlos (2007) afirma que a luta pela cidade, ou seja, pelo controle do espaço urbano, se firma nas contradições existentes na sociedade. Por isso, acreditamos que uma dessas contradições seria a Religião e o desejo de seus praticantes em se manter no poder.

Nessas contradições expostas pela autora e diante dos números apresentados no Gráfico 1, procuraremos compreender mais adiante, no terceiro Capítulo deste Trabalho, as questões da luta pelo território religioso, evidenciando o exemplo factual da pouca evidência religiosa dada ao Espiritismo e às religiões de Matriz Africana em nosso país, bem como no Município de Cajazeiras, a que nos comprometemos a analisar. Antes disso, devemos nos questionar o porquê da população que cultua essas duas religiões ser consideravelmente pequena diante das outras religiões do país. É o caso dos ateus ou dos agnósticos, com o agravante nas religiões de Matriz Africana, em que mesmo com a presença maciça de negros e negras africanas na história do Brasil, que gerou uma cultura sincretizada e uma população miscigenada, e ainda se mantêm muito abaixo das grandes religiões, de tradição europeia.