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4. PRESSUPOSTOS PARA UM PROCEDIMENTALISMO ÉTICO LEGITIMADOR

4.1 A ideia de contextos da justiça em Rainer Forst

4.1.4 Contexto moral

Pode se dizer que as pessoas se unem não apenas por laços éticos e políticos, mas também em uma rede ainda mais ampla, que se vincula a toda a humanidade, aquele que reconhece cada indivíduo como pessoa moral, digna de igual valor apenas pela condição de ser humano.

Daqui surge o autorespeito moral “que pressupõe respeitar a si mesmo e aos outros como autores e destinatários de normas morais”231, o maior exemplo de negação desse reconhecimento se deu pela escravidão, tendo em vista que não eram tratados como pessoas do direito, com isso não exerciam o direito à cidadania, não obtendo o respeito como pessoas morais, pois “valor” era pecuniário, puramente objetivo a condição de coisa, não sendo verificado qualquer autorespeito232, e aqui se reforça a ideia dessa classificação como intersubjetiva.

228 FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo.

Tradução de Denilson Luis Werle. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 342.

229 FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo.

Tradução de Denilson Luis Werle. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 342.

230 FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo.

Tradução de Denilson Luis Werle. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 342.

231 FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo.

Tradução de Denilson Luis Werle. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 343.

232 FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo.

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Forst lembra Arendt em sua análise sobre os campos de concentração na Segunda Guerra Mundial, e outra perspectiva da negação do reconhecimento moral, em que o primeiro passo a exterminação se deu com a negação de pessoa do direito, com prisões arbitrárias de formação de culpa pelo devido processo legal, para no segundo estágio aniquilar a pessoa moral tendo em vista que os valores humanos não desempenham mais o mesmo papel de outrora, inexistindo o autorespeito moral, levando a um último estágio de destruição da individualidade pela tortura, que impossibilita o próprio exercício da autonomia, um respeito moral a integridade física da pessoa233.

O que se nota é que não há respostas prontas sobre questões de justiça em uma ou outro contexto, pois esse “conceito completo de justiça”234 podem advir de justificações descritas em esferas de reconhecimento ético, jurídico, político ou moral recíproco.

4.2 A desobediência civil como ação prática vinculada a teorias do reconhecimento

A ideia de luta por reconhecimento não é nova, remonta Hegel ao tratar do tema em Sistema da eticidade em 1802, sendo objeto de estudo e aprofundamento por inúmeros autores como Axel Honneth, Charles Taylor e Nancy Fraser, apenas para ilustrar alguns dos grandes nomes sobre o tema, contudo, o referencial teórico centra a análise em Honneth, por ser fundamento basilar no desenvolvimento da teoria de Rainer Forst.

Axel Honneth em sua luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais, entende o reconhecimento como um resultado de lutas sociais de determinados grupos éticos, advindos de um

Processo prático no qual experiências individuais de desrespeito são interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo inteiro, de forma que elas podem influir, como motivos diretores da ação, na exigência coletiva por relações ampliadas de reconhecimento235.

233 FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo.

Tradução de Denilson Luis Werle. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 344.

234 FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo.

Tradução de Denilson Luis Werle. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 344.

235 HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Tradução de

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Diferentemente de modelos utilitaristas, aqui surge uma concepção de modelos de resistência e rebelião advindos de experiências morais tão abrangentes quanto as expectativas de reconhecimento por eles criadas, pois as expectativas normativas desapontadas desencadeiam uma motivação comum para a resistência coletiva, fomentando o surgimento de movimentos sociais com uma semântica coletiva que permitem interpretar experiências individuais de frustação moral compartilhadas por vários sujeitos, proporcionando uma luta coletiva por reconhecimento236

Forst ressalta que Honneth segue uma reconstrução normativa de Hegel, para explicar como circunstâncias éticas do ponto de vista universal e individual se formam com base no reconhecimento mútuo de valores, por intermédio de uma “teoria de uma mediação dialética entre individualidade e universalidade em diferentes níveis de relações intersubjetivas (amor, direito e eticidade)”237.

Essa luta coletiva promove ao mesmo tempo o autorespeito, pois a solidariedade no interior do grupo, que compartilha dos mesmo ideais, propicia uma estima mútua, resgate de um respeito social.

O que se busca na ideia de intersubjetividade é a possibilidade de vincular a reciprocidade e universalidade com vistas e uma individualidade não opressora, que se reconhece mas também reconhece o outro, como um espaço de individualização e socialização descrito por Habermas em sua teoria discursiva, e a ideia de Mead de interacionismo simbólico, em que cada contexto de justificação proporciona um contexto de reconhecimento de autorrelações práticas, para ser reconhecido e reconhecer o outro.

Alain Touraine entende que “a democracia apenas será possível quando cada um vier a reconhecer no outro, como em si mesmo, uma combinação de universalismo com particularismo”238.

A democracia deve possibilitar a convivência pacífica em conjunto de indivíduos e grupos com semelhanças e diferenças entre sí, e a modernidade reforça a noção de uma racionalidade instrumental e proteção a identidade pessoal e coletiva, criando um

236 HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Tradução de

Luiz Repa. São Paulo: Editora 34, 2003, p. 258-259.

237 FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo.

Tradução de Denilson Luis Werle. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 326.

238 TOURAINE, Alain. O que é a democracia?. 2. ed. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira.

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espaço institucional em que pode se combinar a particularidade da experiência e cultura, com o universalismo239.

O reconhecimento do outro não deve se restringir a ideia de uma atitude, mas a uma imposição de formas de organização social, semelhante a liberdade dos antigos, reforçando o espírito cívico, estimulando a participação popular e sua comunicação, até porque nenhuma sociedade é naturalmente democrática, mas torna-se com leis e costumes que visam equiparar os indivíduos e os recursos disponíveis a estes240.

Durkhein ressalta que a “passagem das sociedades de solidariedade mecânica para sociedades com solidariedade orgânica [...] de sociedades simples para sociedades mais complexas”241 proporcionou uma significativa mudança na educação moral do indivíduo, pois sem uma consciência moral coletiva a sociedade entra em colapso, e não raras as vezes os conflitos podem recompor a coesão perdida pela sensação de anomia.

Observemos o exemplo de Luther King, sua busca por igualdade em relação ao exercício de direitos civis básicos é antes de tudo uma busca por reconhecimento ético com amplo amparo em uma moral como direito humano universal, reconhecido na Carta Constitucional Norte Americana, contudo sem respaldo no direito local, o que o reduzia politicamente a condição de cidadão de segunda categoria.

Para um operador do direito como se daria uma justificação de manutenção ou alteração desse status social? Não há como se buscar justiça e decidir sem analisar cada um dos contextos envolvidos, ignorar qualquer um fragiliza o argumento e fere o direito a justificação para manutenção dessa ação desigual.

Cabe ressaltar que o reconhecimento em uma dessas esferas não gera o reconhecimento automático nas demais esferas, pois será passível de justificação nas demais. Elementos jurídicos, políticos e morais não podem ser obrigados a serem reconhecidos em contextos éticos, por exemplo, não é porque há o reconhecimento das relações homoafetivas em se ter proteção jurídicas em inúmeros direitos antes

239 TOURAINE, Alain. O que é a democracia?. 2. ed. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira.

Petrópolis-RJ: Vozes, 1996, p. 261.

240 TOURAINE, Alain. O que é a democracia?. 2. ed. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira.

Petrópolis-RJ: Vozes, 1996, p. 264.

241 DURKHEIN, Émile. Filosofia moral. Tradução de Abner Chiquieri. Rio de Janeiro: Forense, 2015,

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concedidos apenas a relações heteroafetivas, que o Estado pode impor a Igreja Católica um casamento nessa condição, pois teríamos o desrespeito a liberdade religiosa com base em pessoas que não compartilham dos valores éticos que vinculam essa prática dentro dessa comunidade, a não ser que a própria comunidade revisse esses valores, como algumas já tem feito.

Honneth assegura reciprocamente as pretensões de autonomia e individualidade de cada contexto ético, tendo em vista que o reconhecimento ocorre pela perspectiva do indivíduo como ser comunitário, e para que ser cogente precisa estar vinculado a contextos de justificação pública, que são o direito, a política e a moral, ou seja, necessita de um indicativo de proteção universal, o que proporciona uma discussão comunitária e consequentemente política para sua respectiva assimilação pelo direito.

Dois conceitos são chave nas teorias de Honneth, a ideia de autorespeito e autoestima, para a distinção entre direito e solidariedade, pois se deve respeitar todas as pessoas de igual forma, simplesmente por serem pessoas, e essa categoria os associa a proteção de determinados valores reconhecidos pelo ordenamento jurídico. Com isso se estimula o autorespeito, ou seja, os valores que se tem em comum com os demais membros da comunidade, por mais que exista uma variação natural entre inúmeros grupos, principalmente em sociedade pluralistas, contudo se deve respeitar o outro porque ele carrega consigo valores que estima, e que por serem incorporados moral, jurídica e politicamente, são dignos de serem respeitados.

Ao mesmo tempo, identificar que as comunidades se respeitam, em seu livre exercício de uma vida ética, reforçando ao mesmo tempo a própria autoestima, pelas possibilidades de potencialização do exercício de seus valores, assim como reforça o respeito pelo outro, aquilo que Honneth denomina de respeito como reconhecimento242, em relação ao exercício das liberdades, ou seja, a liberdade social tem o condão de potencializar tanto a liberdade negativa quanto a reflexiva.

242 Ou recognition respect, algo que “se deve a uma pessoa como tal e que é, portanto, exigido

moralmente, e uma forma de ‘respeito como avaliação’ [appraisal respect], que é uma avaliação positiva das qualidades de caráter de uma pessoa” Cf. FORST, Rainer. Contextos de Justiça: filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo. Tradução de Denilson Luis Werle. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 330.

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Segundo Forst o conceito de justificação tem uma primazia metodológica em teorias da justiça, tendo em vista que reivindicações de reconhecimento necessitam de justificações práticas. O reconhecimento ético pressupões um horizonte de valores que necessitam ser abstratos o suficiente “para não prescrever uma concepção do bem exclusiva e particular e para permanecer aberto a objetivos de vida diversos”243 ao passo que possibilita também uma solidariedade.

4.3 A democracia como processo e a desobediência civil como