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A seguir, será apresentado o contexto no qual a pesquisa se desenvolveu, objetivando oferecer transparência aos leitores acerca dos processos que originaram a pesquisa.

No período entre 2015 até o final de 2018, segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, foram contabilizados 554 casos confirmados de crianças nascidas com a SCZV, os quais se distribuem de forma desigual no território estadual. Grande parte dos casos se concentra na cidade de Salvador, com 274 incidências, e que compreende quase metade dos casos do estado, seguida dos municípios de Feira de Santana com 4,7%, Camaçari com 3,4%, Simões Filho com 2,5% e Lauro de Freitas com 2,2% (RESP/DIVEP/SESAB, 2019).

No Estado, das 554 crianças diagnosticadas, 220 estão atualmente cadastradas em serviços de intervenção precoce, segundo dados do Ministério da Saúde (2018). De acordo com material produzido pela ONG Abraço a Microcefalia e Ministério Público (2018) do Estado da

Bahia, atualmente existem dez unidades que prestam serviço a este público na cidade de Salvador e em sua Região Metropolitana.

O presente estudo se insere em um ambulatório de intervenção precoce, integrante de uma instituição especializada em reabilitação da esfera pública de saúde na cidade de Salvador. Trata-se de um serviço que conta com mais de cem mil usuários cadastrados, provenientes de todo o estado. O ambulatório em questão conta com uma equipe multidisciplinar composta por quinze profissionais, todas do sexo feminino, distribuídas entre as especialidades de fisioterapia, psicologia, terapia ocupacional, serviço social e fonoaudiologia. Neste, são atendidas crianças de zero a três anos incompletos, com impasses no desenvolvimento neuropsicomotor, que envolvem condições como a prematuridade, paralisia cerebral e síndromes diversas.

Perante o surto epidêmico, a instituição reformulou seu fluxo de atendimento para o cumprimento da demanda de atenção a crianças com a SCZV, como orientado pela Portaria Interministerial Nº - 405, de 15 de março de 2016 (Brasil, 2016), a qual determinou o atendimento, no mais curto prazo, das crianças com o diagnóstico confirmado para a síndrome. Por outro lado, esta demanda foi também estabelecida pela mídia, pelas famílias e pela própria população. Para tanto, foi feito um mutirão para o atendimento destas crianças e seus familiares, cujo foco era a admissão no quadro de atendimentos institucional, bem como a realização de exames complementares.

No ano de 2015, foi contratada uma equipe terceirizada para o ambulatório de intervenção precoce, unicamente voltada para o atendimento da demanda de crianças com a SCZV chegadas à instituição. De outra maneira, algumas profissionais integrantes do quadro institucional também tiveram suas atividades dispostas de maneira com que contribuíssem com o acompanhamento das crianças com a SCZV durante os seus três primeiros anos no setor da intervenção precoce. As equipes da intervenção precoce, bem como outros profissionais da instituição, passaram por diversas capacitações e cursos para acompanharem as atualizações, tanto no campo científico quanto das práticas desenvolvidas em outros serviços, voltados para a atenção a este público.

Assim, é importante destacar que a equipe se deparou com a necessidade de lidar com uma demanda de proporções epidêmicas, e ademais, com a oferta de um cuidado a ser feito com cautela, compreendendo a experiência das famílias. Muitas crianças que chegaram ao serviço com encaminhamentos médicos, das maternidades e outros serviços de saúde, sequer possuíam o diagnóstico fechado para a SCZV, continham indicações mais gerais de transtornos globais do desenvolvimento, posteriormente confirmados para a síndrome. Faz-se relevante ter

em vista que o Ministério da Saúde só confirmou a causalidade da “microcefalia” com o Zika vírus no final do ano de 2015 (Brasil, 2015).

No mutirão realizado foram atendidas, em média, cerca de duzentas crianças com o diagnóstico confirmado para a SCZV, das quais permaneceram 126 matriculadas em acompanhamento no serviço. Contudo, atualmente menos de 80 crianças continuam ativamente assistidas no setor. A instituição considera que o decréscimo expressivo da procura pelo ambulatório de intervenção precoce pode ser compreendido a partir de um principal fator, a ampla oferta de atendimentos de intervenção precoce em diversos serviços na cidade. Segundo a instituição, diante disso, as famílias passaram a escolher a frequência em serviços que lhes parecem mais cômodos, seja por conta da proximidade de casa, ou pela oferta de atendimentos semanais, etc.

Isto posto, de acordo com a instituição, embora as famílias tenham migrado para outros serviços, elas organizam as suas idas às instituições de maneira a manter um número mínimo de faltas em cada serviço, quantidade aceitável o bastante para não serem desvinculadas. Dessa maneira, elas conseguem manter o credenciamento dos filhos em mais de uma instituição, o que permite que tenham uma frequência semanal de mais de um atendimento garantido, considerando que os serviços ofertam, em média, um atendimento por semana. Segundo a instituição, este funcionamento não é específico das famílias cujos filhos têm a SCZV, mas diz respeito às famílias de crianças com condições atípicas de desenvolvimento em geral, que, no afã de proporcionarem o melhor aos filhos, procuram diversas opções terapêuticas. Tendo conhecimento disso, o serviço orientou as famílias a evitarem a duplicidade de vinculação, para não ocupar mais de uma vaga em diferentes instituições públicas para um mesmo tipo de atendimento. Assim, as profissionais destacaram aos familiares a consideração ao cansaço das crianças, e que equipes de diferentes serviços atuam com orientações terapêuticas distintas, que podem, inclusive, ser conflitantes entre si.

O fluxo de atendimento de qualquer paciente na instituição segue um “Grupo de Orientação”, fase de admissão que tem como propósito completar um prontuário inicial, e que se segue de encaminhamento para avaliação com a equipe multidisciplinar ou com outras especialidades (médico fisiatra ou ortopedista). Ademais, as famílias admitidas no serviço passam por um atendimento grupal orientado por psicólogas e assistentes sociais, que tem como objetivo informar de maneira mais aprofundada sobre os setores presentes na instituição e o acesso a direitos, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, o passe livre e o Tratamento Fora de Domicílio (TFD).

Tal momento da admissão na instituição foi pensado pela equipe multidisciplinar, tendo em vista que notavam que as famílias chegavam à instituição a partir de encaminhamentos externos, e não sabiam ao certo o que fazer ou esperar deste novo serviço. Durante o período do surto epidêmico, essa modalidade de atendimento teve que abrir um novo horário unicamente para a admissão das famílias das crianças com a SCZV. Esse direcionamento foi pensado para que fosse possível para a equipe compreender, logo na entrada do serviço, as expectativas e vivências dessas famílias.

Após isso, as crianças passam para o atendimento no setor da Intervenção Precoce, que consiste, inicialmente, de uma avaliação multidisciplinar, anamnese e elaboração do projeto terapêutico singular (profissionais responsáveis, frequência, demais encaminhamentos, pedidos de órteses, próteses, etc.). O projeto terapêutico é atualizado periodicamente para dar conta das demandas que vão surgindo no acompanhamento das crianças (vide protocolo de admissão no Anexo A). O espaço destinado à intervenção precoce constitui uma sala ampla e colorida, que conta com brinquedos, bolas suíças, espelho, tatames, acolchoados e demais recursos que dão suporte ao cuidado ao desenvolvimento das crianças atendidas.

Após a completude dos três anos no setor da Intervenção Precoce, as crianças passam para outro setor, o Infantil, que compreende o acompanhamento multidisciplinar dos três anos completos aos dezessete anos. Nesse setor, da mesma forma é elaborado um plano terapêutico. Existe a compreensão na instituição de que as crianças com a SCZV ainda têm algum nível de prioridade no serviço, o que nem sempre pode ser garantido, diante outras demandas que se colocam. De outro lado, a procura de atendimento destas crianças, em específico, tem diminuído por alguns fatores: as crianças estão passando para o setor infantil e deixando a intervenção precoce; as famílias continuam migrando para outros serviços; e menos crianças têm nascido com essa condição. Dessa maneira, atualmente, o atendimento inicial criado especificamente para as famílias com filhos com a SCZV está sendo gradualmente diminuído. De acordo com algumas profissionais, por conta da prioridade de atendimento, bem como a concessão de diversos benefícios às famílias de crianças com SCZV, a instituição vivencia impasses com as famílias de crianças com outras condições atípicas de desenvolvimento. Estas se sentem preteridas e com menor preferência do que as das crianças com a SCZV. O serviço se depara, então, com a necessidade de dar conta do público da SCZV, mas não pode deixar que os demais pacientes acreditem que tenham pouca importância.

Os familiares que acompanham as crianças no cotidiano do serviço se constituem majoritariamente pelas mães, também avós e poucos pais. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (RESP/DIVEP/SESAB, 2019), em 45,5 % dos casos notificados

entre os anos de 2015 e 2018, as mães das crianças com a SCZV no Estado estavam na faixa etária dos 20 aos 29 anos, seguido da faixa dos 30 aos 39 (28,5%) e dos 15 aos 19 anos (16,1%).

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