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O contexto da população negra de Cuiabá (MT): uma discussão introdutória sobre diversidade étnica

2. Cenário discursivo inicial: adentrando mais ao quadro teórico da pesquisa

2.3. O contexto da população negra de Cuiabá (MT): uma discussão introdutória sobre diversidade étnica

Quanto à população negra contida na região metropolitana da Grande Cuiabá, temos, na atualidade, em termos estatísticos (IBGE), uma taxa de 52%. Essa presença é encontrada ao longo de toda história da cidade e da região, ficando também bastante evidente quando examinamos as manifestações culturais do Estado, que em grande proporção são de origem afrodescendentes.

Após uma ampla pesquisa bibliográfica sobre a população negra em Mato Grosso e especificamente em Cuiabá, desde a sua formação, constata Costa a existência de uma grande concentração de negros, conforme citação abaixo:

A data precisa do ingresso de africanos em Mato Grosso é de difícil demarcação, porém sabemos que, nos primeiros tempos da mineração, ainda quando ela se restringia às minas de Cuiabá, o número de escravos já era significativo. (COSTA, 2004 apud SIQUEIRA, 1991, p. 120)

Outro aspecto referente a tal afirmação está relacionado às principais demonstrações culturais incorporadas às tradições mato-grossenses e que tiveram origem africana, como presente nas danças do Rasqueado, do Congo e do Chorado, conforme afirmação de Madureira (1991, p. 80): “Os congos e marujos eram personagens das danças que os africanos trouxeram para o Brasil [...] Manifestavam-se através das festas populares ou religiosas de Cuiabá”.

O que queremos evidenciar com essas afirmações, contudo, é justamente como se deu (e está a se dar) o processo de conquistas sociais significativas para os afrodescendentes, como também desobscurecer os silenciamentos, o racismo e o preconceito, questionando os diálogos travados a esse respeito na educação, em particular na educação física.

Segundo constatamos, existem elementos importantes que justificam este trabalho. Em Mato Grosso, estudos que abordam a questão do negro e das comunidades negras vêm sendo realizados. Destacamos as pesquisas desenvolvidas por Acildo Leite da Silva, que pesquisou o universo negro da cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade; Maria de Lurdes Bandeira, que trabalhou

território negro e espaço branco; Maria Aparecida Matos, que desenvolveu estudos acerca do Grupo de União e Consciência Negra de Cuiabá (GRUCON), que emergiu na década de 1980. Nesse trabalho, Aparecida Matos discutiu a importância do grupo e o seu papel formador da consciência negra de Cuiabá frente à democratização da educação.

Reportamo-nos, também, à profunda historiscização de De la Mônica (2005), que compilou fatos dos trabalhadores negros em Cuiabá, onde destacava sobremaneira que:

A maioria dos lugares onde os trabalhadores executavam os seus afazeres era insalubre, sem iluminação e ventilação. As longas jornadas os obrigavam a ficar longe das famílias por longos períodos; a maioria morria ou ficava inválida em decorrência dos acidentes de trabalho. Eram submetidos a horas exorbitantes de trabalho, submetidos à vigilância dos capangas dos patrões que lhes aplicavam castigos físicos, multas. Apesar de ser difícil acompanhar as condições de vida dos trabalhadores negros, algumas indicações tornam possíveis as incursões em seus ambientes de moradia, como o bairro do Caixão, Bahú, Araés e Lixeira, locais onde foram detectados vários casos de peste varíola nas primeiras décadas do século XX. Segundo o Delegado de Higiene, as habitações eram constituídas por salões divididos em quartos que apenas recebiam uma rede e continham à noite estivadores e carregadores que pagavam 100 réis por dia.

As grandes dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores urbanos, naquele momento, foram críticas, devido às cruéis relações de trabalho, carestia e baixos salários.

Nos anos de 1914 a 1919, a situação se agravou com a rápida expansão de uma epidemia de gripe que se alastrou por toda a cidade, provocando um alto índice de mortalidade, disseminada pelos navios que vinham de Corumbá, levando as mercadorias das casas comerciais.

O censo de 1914 nos permitiu identificar cerca de 30 categorias profissionais diferentes em que se ocupavam os negros: jornaleiros (do mercado, em geral), motorneiros, chofers, marceneiros, plaineiros, pedreiros, trabalhadoras domésticas, costureiras, engomadeiras, padeiros, sapateiros, lancheiros, coletores de garrafas, operários de fábrica, pescadores, peixeiros, cozinheiros, negociantes, vendedores de leite, vendedores de cereais, trabalhadores de dragas, operários das oficinas,

empregados da alfândega, catraieiros, marítimos, policiais, taberneiros, carreteiros, tipógrafos, “mata-mosquitos”.

A percepção do trabalhador negro como ignorante e incapaz condicionou esses personagens urbanos a executarem ocupações depreciativas. Deste modo, a imagem de “trabalho de negro” estigmatizava quem o executava. Conforme DeLamônica (2005), “[...] trabalho e homem passaram a ser vistos como uma unidade socialmente negativa”.

Levando-se em consideração que a educação é um dos principais mecanismos de possibilidades de superação das desigualdades sociais, que aspectos, segundo os docentes, vêm sendo gestados explicitando visões do corpo como um corpo cultural de um sujeito étnico-racial? E, por outro lado, que silenciamentos e aviltamentos acontecem nesse sentido? Como as práticas dos docentes explicitam conflitos dessa ordem e que avanços e recuos trazem ao diálogo com o movimento negro? De que forma se poderia formular ultrapassagens, devendo vislumbrar nas práticas docentes, para enfrentar os desafios existentes dessa condição étnica?

Como os estudiosos do currículo de educação e em particular de educação física têm incorporado em suas pesquisas a temática afrodescendente e como têm se beneficiado do diálogo com grupos que vêm desenvolvendo importantes experiências de educação com jovens e crianças negras?

Para que se possa responder a esses delineamentos, devo nucleá-los na seguinte pergunta de pesquisa: como os currículos de educação física têm sido etnicamente orientados, uma vez que estudos realizados, como por exemplo, de Pinho (2004), dão conta de que professores de educação física têm dificuldades de trabalhar com as diversidades e, sobretudo, com as diversidades étnicas? E mais: como esses professores têm tentado compreender o processo de construção dessas diversidades? Como o fazer docente tem lidado com as diversidades étnicas no âmbito da educação física – que limites e possibilidades têm se aberto nessa discussão que busca o ponto de vista afrodescendente?

Pergunta que problematiza a tese: qual é o papel da educação física nesse contexto relacionado à situação de vida dos afrodescendentes, às demandas do movimento negro e à existência de políticas de ações afirmativas do estado

brasileiro?

A tese defendida é a de que a educação física, para contribuir nessa mudança de paradigma, necessita de um aprofundamento no campo da cultura. O paradigma das culturas regionais de base africana ainda não penetrou profundamente no campo do pensamento teórico sobre a educação física, embora já apresente vários contornos na literatura, várias problemáticas sejam delineadas com rigor e inúmeras esperanças, como veremos.