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Contexto da prática: o habitus dos agentes na atuação das Políticas de

2.1 CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM DO CICLO DE POLÍTICAS

2.1.3 Contexto da prática: o habitus dos agentes na atuação das Políticas de

É no contexto da prática que efetivamente a política se concretiza por intermédio da ação dos agentes sociais que, influenciados por suas histórias de vida, sua realidade

socioeconômica e cultural, suas possibilidades, recursos e condições objetivas, interpretam e recriam a política produzindo efeitos e consequências, portanto:

Políticas serão interpretadas diferentemente uma vez que as histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser superficiais etc. Além disso, interpretação é uma questão de disputa. Interpretações diferentes serão contestadas, uma vez que se relacionam com interesses diversos, uma ou outra interpretação predominará, embora desvios e interpretações minoritárias possam ser importantes. (BOWE; BALL; GOLD, 1992).

A ideia de que as políticas não são meramente implementadas é aqui reiterada, evidenciando que no ciclo de políticas os sujeitos não são silenciados, mas dotados de voz (MAINARDES; GANDIN, 2013).

Na teoria social de Pierre Bourdieu a razão de ser das condutas humanas, aparentemente inconsequentes ou inconscientes, é entendida como resultado da incorporação da realidade objetiva, se tornando habitus (sistema de disposições). Por outro lado, a realidade objetiva é estruturada pela ação dos agentes, daí a característica dualista do habitus de ser estruturado e estruturante ao mesmo tempo. As estratégias dos agentes dão à ação a aparência de ser totalmente racional, embora seja mais mecânica e automática e visa a um senso prático, que é produto da exposição continuada a situações semelhantes. Portanto, ao colocarem em ação as políticas de Educação Especial, no campo educacional, os agentes não são nem totalmente determinados, nem totalmente livres (BOURDIEU, 2001a, 2004a, 2007, BOURDIEU; EAGLETON, 1996).

Ao colocar a política em ação em condições materiais diversas, e a partir de dinâmicas interpretacionais subjetivas, os agentes sociais produzem resultados/efeitos. Esses efeitos precisam ser incluídos na análise do contexto da prática, como uma extensão deste contexto no que se refere à infraestrutura disponível, culturas profissionais, processos de interpretação e tradução, pressões externas etc. (MAINARDES; MARCONDES, 2009).

A distância entre a política e a realidade à qual se destina a torna ideologicamente abstrata e, portanto, mais vulnerável às mediações que se darão no contexto da prática (BALL, 2002). De acordo com Ball, tendemos a pensar no ajustamento dos professores e outros agentes sociais ao contexto e à política, mas não atentamos para o ajustamento da política ao contexto. Nesta pesquisa, analisamos os ajustes secundários, que decorrem do compromisso dos agentes sociais no campo educacional. Os ajustes podem resultar tanto em estratégias de contenção da política, por meio de adaptações que não introduzem pressão para

a mudança radical, como em estratégias de ruptura total com a estrutura vigente (BALL,2002).

As políticas de Educação Especial colocadas em ação no Estado de Alagoas são instrumentos simbólicos, e recebem diversos sentidos ao serem interpretadas na e pelas ações dos agentes do campo educacional. As práticas destes agentes se configuram como estratégias que decorrem do habitus, cujo papel é unificar e homogeneizar as práticas e os julgamentos de agentes da mesma classe social ou pertencentes ao mesmo campo. Isso não significa que há um determinismo absoluto, mas há uma previsibilidade a partir da posição do agente no campo (BOURDIEU, 2001a, 2007).

A materialidade e as particularidades do campo educacional, onde as políticas educacionais são colocadas em ação por meio das estratégias de seus agentes, não vêm sendo consideradas ao se elaborar estas políticas. Ball et al. (2016) afirmam que a política é desmaterializada quando não se leva em conta o ambiente, bem como seus recursos financeiros e humanos, de onde são extraídos os dados para uma pesquisa. Portanto, desenvolveram e aplicaram os conceitos de variáveis contextuais que interferem nas práticas organizacionais, assim denominados: contextos situados, contextos materiais, culturas profissionais e contextos externos.

A relevância da análise que se dá nos contextos sociais particulares está relacionada, principalmente, ao fato de que estes não são levados em conta na formulação das políticas mais amplas. No entanto, estas políticas são interpretadas, traduzidas e colocadas em ação por diferentes indivíduos e grupos de atores em contextos específicos, a partir de recursos disponíveis e em realidades socioculturais e históricas que afetam sua concretização/efetivação (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016).

Para efeitos desta pesquisa, se constituem em contextos da prática, duas escolas públicas vinculadas ao Sistema Estadual de Ensino de Alagoas, sendo uma escola da Rede Municipal de Ensino de Delmiro Gouveia e uma da Rede Estadual de Ensino do mesmo município. Nestes contextos são analisados aspectos relevantes das dimensões contextuais da atuação das políticas de Educação Especial no Estado de Alagoas.

Nas análises destas dimensões contextuais da atuação das políticas educacionais estamos atentos para a falsa aparência de consciência das práticas dos agentes, que acabam se ajustando espontaneamente às necessidades do campo, o que os leva a agir a partir das estruturas incorporadas, de forma mais ou menos automática onde “[...] o agente não é por inteiro o sujeito de suas praticas.” (BOURDIEU, 2001a, p. 169).

Tomamos o sistema de ensino na perspectiva de Bourdieu e Passeron (1975), ou seja, como um dos mecanismos que contribui com a perpetuação das estruturas sociais, que se dá por meio da transmissão de poder e de privilégios ao transformar em mérito escolar a herança cultural familiar.

Desta forma o sistema escolar exerce a violência simbólica ao impor, dissimuladamente, um arbitrário cultural que aumenta, reforça e reproduz a desigualdade entre as classes. Portanto, contribui para a legitimação da ordem estabelecida ao mesmo tempo em que cumpre “[...] sua função social de reprodução das relações de classe, assegurando a transmissão hereditária do capital cultural e sua função ideológica de dissimulação dessa função, inspirando a ilusão de sua autonomia absoluta.” (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 208).

Na teoria de Pierre Bourdieu, a cultura pode ser entendida como uma espécie de moeda, de onde decorre a denominação de capital cultural para reforçar sua característica de troca. As classes que possuem maior capital cultural o utilizam como instrumento de dominação, impondo-o às classes dominadas de maneira arbitrária, ao que Bourdieu e Passeron (1975) chamam de arbitrário cultural. A violência simbólica, exercida pela ação pedagógica escolar, se expressa na imposição legítima e dissimulada da cultura dominante, velada pela aparência de neutralidade e de equidade formal.

A violência simbólica é um fundamento poderoso da ordem social, e seu poder pressupõe a adesão do dominado à legitimidade dos princípios que fundamentam seu estado de dominado. Isso se opera a partir da incorporação das categorias que justificam a dominação como algo inscrito na ordem das coisas, irreversível e natural (doxa), e o sistema de ensino contribui para esta dominação.

A fim de possibilitar melhor compreensão sobre a atuação das políticas de Educação Especial no Estado de Alagoas, levamos em conta o conceito de doxa desenvolvido por Bourdieu para superar o conceito de ideologia. Doxa se refere a tudo que é admitido como óbvio e leva os agentes a aceitarem as coisas como elas são, sem conhecê-las, nem questioná- las, como se fossem leis gerais que governam o campo (BOURDIEU; EAGLETON, 1996; BOURDIEU, 2003).

No entanto, tendo em vista que o homem e a sociedade se constituem reciprocamente de forma integrada, sem voluntarismos ou determinismos, a instituição escolar não pode ser entendida como totalmente reprodutora da ordem social por ser orientada por pressões externas, pois apresenta resistência a partir de sua autonomia relativa. O sistema de ensino só

pode ser compreendido, em sua totalidade, se analisado em sua relação com a estrutura das relações de classe, para fugir à sua aparente neutralidade (BOURDIEU; PASSERON, 1975).

Muitos conceitos e concepções sobre as políticas de Educação Especial, colocadas em ação no contexto da prática, colaboram para uma análise relacional deste objeto, portanto, apresentamos na próxima seção os conceitos e concepções que consideramos imprescindíveis nesta pesquisa.

2.2 CONCEITOS E CONCEPÇÕES QUE PERMEIAM AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO