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A avaliação do ensino secundário em Portugal e do ensino médio no Brasil situa-se em contextos educativos e curriculares que não se distanciam significativamente, “sobretudo se forem analisadas as semelhanças que existem pela via das políticas de partilha de conhecimento e pelo predomínio do modelo pós-burocrático na governação” (PACHECO; GUIMARÃES, 2013, p. 4).

Em Portugal, a avaliação no ensino secundário tem sido realizada com base no currículo nacional, através de dois tipos de exames nacionais: exames para o cálculo da classificação final no ensino secundário e exames para acesso ao Ensino Superior. Nesse processo (sobre)valorizam-se os exames e os resultados obtidos, uma vez que condicionam quer o currículo que se desenvolve nas escolas, quer o prosseguimento de estudos, quer, ainda, a entrada no mercado de trabalho. No primeiro caso, no cálculo da classificação final no ensino secundário, embora existam duas modalidades de avaliação legalmente previstas – a avaliação formativa

assume no final deste nível de ensino. Idealizada como um juízo globalizante, que permite tomar decisões sobre a classificação e aprovação em cada disciplina, área não disciplinar e módulos, interferindo, assim, na progressão em disciplinas não terminais e na transição para os anos de escolaridade subsequentes, a avaliação sumativa é determinante na conclusão e certificação dos alunos que frequentam, e concluem, o ensino secundário.

A preponderância da avaliação sumativa, cujos instrumentos privilegiados são os testes escritos e os exames nacionais, é ainda reforçada pelo fato de ao longo do ensino secundário se sistematizar em avaliação sumativa interna – integrada

no processo de ensino-aprendizagem e formalizada em reuniões do conselho de turma no final dos 1º, 2.º e terceiro períodos letivos ou concretizada através de provas de equivalência à frequência, realizadas no final dos anos terminais (PORTUGAL, 2015) – e avaliação sumativa externa – destinando-se, neste caso, a

aferir o grau de desenvolvimento das aprendizagens dos estudantes, recorrendo, para o efeito, à utilização de instrumentos definidos a nível macro e à realização de exames finais nacionais.

No segundo caso, relativo ao acesso ao Ensino Superior, a candidatura a esse nível de ensino pressupõe a satisfação de duas condições prévias: (i) ser portador de um curso do ensino secundário – ou de habilitação legalmente equivalente; (ii) ter realizado, com êxito, os exames nacionais de ingresso – específicos para diferentes cursos e instituições (PORTUGAL, 2014a). Convém lembrar que existem instituições que, para além dos aspetos referidos, exigem que se cumpram determinados pré-requisitos de natureza física, vocacional ou funcional, sem os quais não permitem a frequência de determinados cursos que integram a sua oferta educativa (idem) – como é o caso dos cursos da área da Educação Física /

Desporto e da Licenciatura em Educação Básica, nomeadamente a variante em Educação Musical.

O regime de acesso ao Ensino Superior prevê, ainda, de acordo com o estipulado no Decreto-Lei nº 393-A/1999, de 2 de outubro2, a existência de

Regimes Especiais de candidaturas para estudantes em condições específicas – como, por exemplo, os estudantes que se encontrem em Missão Diplomática ou Oficial no Estrangeiro, os Oficiais das Forças Armadas, os Bolseiros dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), os Praticantes Desportivos de Alto Rendimento, entre outros – e a existência de Concursos Especiais, regulados pelo Decreto-Lei nº 113/2014, de 16 de julho3, como é o caso do Concurso

2 O Decreto-Lei nº 393-A/99, de 2 de outubro, regula os Regimes Especiais de Acesso e Ingresso no Ensino Superior.

3 O Decreto-Lei nº 113/2014, de 16 de julho, institui e regulamenta os concursos especiais para Acesso e Ingresso no Ensino Superior.

Especial para maiores de 23 anos, o Concurso Especial para titulares de Diploma de Técnico Superior Profissional ou de Diploma de Especialização Tecnológica ou o Concurso Especial para Acesso ao Curso de Medicina por titulares de grau de licenciado, neste caso previsto pelo Decreto-Lei nº 40/2007, de 20 de fevereiro4.

Em qualquer dos casos referidos (sobre)valorizam-se os exames e os resultados obtidos, uma vez que condicionam quer o currículo que se desenvolve nas escolas e que garante o prosseguimento de estudos, quer nos programas de acesso ao Concursos Especiais de Acesso e Ingresso ao Ensino Superior, quer, ainda, na obtenção de habilitações acadêmicas e profissionais necessárias para a consequênte entrada no mercado de trabalho.

Destaca-se o Decreto-Lei nº 17/2016, de 4 de abril, que foi publicado numa lógica de mudança do paradigma avaliativo em Portugal5, levada a efeito

pelo Governo que iniciou funções em 2016, acaba por reafirmar a importância dos exames finais nacionais, ao reiterar que têm como objetivo avaliar o desempenho dos alunos e certificar a conclusão do ensino secundário nas ofertas formativas que prevejam avaliação externa das aprendizagens, podendo ainda ser considerados para efeitos de acesso ao ensino superior. Não suscita dúvidas de que (sobre) valorização dos exames interfere no modo como se concebe e operacionaliza o currículo que se desenvolve nas escolas.

No Brasil, em 1998, o governo federal criou o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como instrumento para avaliar o desempenho dos estudantes ao final da educação básica.

Durante mais de dez anos o ENEM foi utilizado para avaliar as habilidades e competências de concluintes do ensino médio, sem o objetivo de selecionar para o ensino superior. “Os exames de seleção, os concursos vestibular ao ensino superior, eram formulados por equipes locais país afora e formatos diferentes ocorriam nas diversas universidades. Da heterogeneidade entre os distintos concursos decorria certa diversidade cultural e de formação dos ingressantes no ensino superior” (SILVEIRA, BARBOSA; SILVA, 2015, p. 1101-1).

Até 2008, o ENEM era uma prova clássica com 63 questões interdisciplinares e uma redação sem a possibilidade de comparação das notas de um ano para outro. A proposta para 2009 do governo federal apoiada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior

4 O Decreto-lei nº 40/2007, de 20 de fevereiro, institui e regula um concurso especial para acesso ao curso de Medicina por titulares do grau de licenciado.

5 O Decreto-Lei nº 17/2016, de 4 de abril, que estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos dos ensinos básico e secundário, da avaliação dos conhecimentos a adquirir e das capacidades a desenvolver pelos alunos e do processo de desenvolvimento do currículo dos ensinos básico e

(ANDIFES), era reformular o ENEM para que o exame pudesse ser comparável no tempo e abordasse diretamente o currículo do ensino médio.

Em maio de 2009, o Ministério da Educação (MEC) apresentou uma proposta de reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e sua utilização como forma de seleção unificada nos processos seletivos das universidades públicas federais, através do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). O SiSU foi implantado como um sistema informatizado gerenciado pelo MEC, no qual as Instituições Federais de Educação Superior (IFES) oferecem vagas para candidatos participantes do ENEM.

O ENEM associado ao SiSU tem como principais objetivos democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior, possibilitar a mobilidade acadêmica e induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio. Estruturado a partir de uma matriz de habilidades e um conjunto de conteúdos associados a elas, o ENEM passou a ser composto por quatro testes, um por cada área do conhecimento, a saber: (i) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (incluindo redação); (ii) Ciências Humanas e suas Tecnologias; (iii) Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e (iv) Matemática e suas Tecnologias. Cada grupo de testes foi composto por 45 itens de múltipla escolha, aplicados em dois dias.

Esta estrutura aproximou o ENEM das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica e do currículo praticado nas escolas, sem abandonar o modelo de avaliação centrado nas competências e habilidades. Importa, ainda, referir que as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 2/2012, determinam que o currículo do ensino médio deve contemplar as mesmas quatro áreas do conhecimento, ainda que com um tratamento metodológico que incida na contextualização e na interdisciplinaridade (BRASIL, 2012).

Em relação ao conjunto de conteúdo, o exame passou a ser construído em parceria com a comunidade acadêmica das Instituições Federais de Educação Superior (IFES), através de uma Matriz de Referência, “os objetos de conhecimento associados poderão ser aprimorados, nas edições seguintes do ENEM, de modo a consagrar o papel do Exame de orientar a melhoria do Ensino Médio em harmonia com os processos de seleção para o acesso à Educação Superior” (BRASIL, 2009a, p.1).

Destaca-se a participação das IFES como protagonistas no processo de repensar o ensino médio, “discutindo a relação entre conteúdos exigidos para ingresso na educação superior e habilidades que seriam fundamentais, tanto para o desempenho acadêmico futuro, quanto para a formação humana” (BRASIL, 2009b, p. 3)

De acordo com o discurso oficial, diferentemente dos modelos e processos avaliativos tradicionais, a prova do ENEM é interdisciplinar e contextualizada, coloca o estudante diante de situações-problemas, exigindo que mais do que saber conceitos, o estudante saiba aplicá-los.

A partir de 2009, ações governamentais estimularam o uso do ENEM não apenas como um processo de avaliação do ensino médio, mas como forma de acesso ao ensino superior no Brasil, cuja programação inicial de aplicação do exame foi de: inscrições em julho, realização das provas em outubro e divulgação dos resultados em dezembro. O Sistema de Seleção Unificada (SiSU), a partir de sua 1ª Edição em janeiro de 2010, passou a operar em larga escala no processo de alocação dos candidatos às vagas das IFES.

Salienta-se que o ENEM permite ao participante do exame obter o Certificado de Conclusão do Ensino Médio, observando os seguintes requisitos: a) possuir 18 (dezoito) anos completos até a data da realização da primeira prova do ENEM; b) atingir o mínimo de 450 (quatrocentos e cinquenta) pontos em cada uma das áreas do conhecimento; c) atingir o mínimo de 500 (quinhentos) pontos na redação.

O ENEM tem como meta, também, possibilitar a participação em programas governamentais de acesso ao ensino superior, como o Programa Universidade para Todos (ProUni), que utiliza os resultados do exame como pré- requisito para a distribuição de bolsas de estudo a alunos egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas integrais, com renda familiar per capita máxima de três salários mínimos, em instituições ensino superior privadas.

O ENEM, também, permite a participação no Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que é um programa do Ministério da Educação que financia cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES).

Destaca-se que o ENEM, a partir de 2009, possibilitou o estabelecimento de uma relação direta entre o currículo do ensino médio e as habilidades e conteúdos exigidos para ingresso na educação superior, por meio de um debate com a comunidade acadêmica das IFES, focado nas diretrizes da prova.

O ENEM possibilitou, ainda, oferecer uma referência para autoavaliação com vistas a auxiliar nas escolhas futuras dos cidadãos, tanto com relação à continuidade dos estudos quanto à sua inclusão no mundo do trabalho, sendo considerado como complemento do currículo para a seleção de emprego.

Denota-se dessa discussão que tanto em Portugal como no Brasil os exames nacionais, organizados na base de lógicas de estandardização e uniformização e cuja regulação obedece a uma agenda globalizada, têm contribuído para estreitar

o currículo nacional do ensino secundário/médio, confinando-o a uma lista de conteúdos e competências.