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3 AS ERVAS MEDICINAIS: SABERES, USOS E PERCURSOS

3.1 Contextualização histórica sobre o uso de plantas medicinais

O costume de recorrer a produtos in natura constitui-se como elemento significativo e perpassa por diversos momentos da história da humanidade. Os conhecimentos sobre os vegetais que curam surgem durante longos processos de experimentação e observação pelos seres humanos. Revelam os processos de buscas da necessidade de sobrevivência e de territorialização, o que levou os seres humanos a aguçarem a percepção sobre o espaço no qual estavam inseridos, especializando-se sobre o saber ambiental do próprio do território. Com o avanço da agricultura, esses conhecimentos e práticas foram se ampliando. Camargo (2014) relata que na Mesopotâmia é onde encontramos as bases de conhecimentos que nos ligam à história das plantas medicinais. Depois de longos processos, chegaram aos portugueses e, em seguida, a vários grupos sociais que se apropriaram desses conhecimentos. Na Antiguidade, as plantas tinham ainda uma importância mágica e vinculada à cura e ao bem-estar.

As plantas medicinais também possuíam um significado místico para diversos povos da Antiguidade. Os gregos utilizavam uma planta denominada

marribiumvulgare (amor–seco) para a quebra de encantamentos; os maias utilizavam PetiveriaAlliacea (ipacina), tanto para medicina, como para os rituais mágicos religiosos; já os guerreiros celtas e soldados romanos utilizavam Boragooffcinalis (borraja) para o preparo de um vinho que seria utilizado para dar coragem nas batalhas.[...]. Para alguns povos, a cura advinda das plantas tinha um caráter mágico e sobrenatural. Muitos povos da antiguidade acreditavam que unguentos, pomadas e poções teriam o poder de atuar sobre o ‘corpo astral’ e de produzir fenômenos fisiológicos a paranormais e da cura de doenças à morte (PEIXOTO NETO; CAETANO, 2005, p. 17).

Dialogando com essa vertente espiritual, os grupos ligados ao xamanismo faziam práticas ritualísticas de cura através de ervas. As práticas xamânicas são consideradas precedentes às religiões organizadas. Muitas das experiências xamânicas, incluindo as da América do Norte e do Sul, assim como a da Europa, se originaram na Sibéria, foram se modificando à medida que se deslocavam para outras partes do mundo (ACHTERBERG, 1996). Ainda hoje a cultura xamânica é difundida em diversos locais e vem ganhando distintos adeptos, visto que está ingressando nas ditas terapias alternativas, que ganham cada vez mais espaço no Ocidente, recebendo novos significados. Em alguns ritos, os xamãs usam ervas para alterar o estado de consciência.

Durante esses processos, eles acessam o espaço cosmo espiritual. Uma característica dessa cultura é a capacidade de cura pela imaginação. Pacientes e xamãs entram em processo coletivo no qual o poder imaginativo-mágico é potencializado. É importante frisar que nem todos os xamãs, seja na Antiguidade ou atualmente, utilizam as plantas de forma psicoativa, mas apenas nos cuidados com a saúde.

No sistema xamânico, o problema básico não é o elemento externo, mas a perda de poder pessoal que permitiu a invasão, seja uma flecha, seja de um mau espirito, [...]. Assim, o tratamento xamânico de todas as enfermidades dá ênfase, em primeiro lugar, ao aumento de poder da pessoa doente, e apenas em segundo lugar se opõe ao poder do agente que produziu a doença. [...] pois as chamadas causas externas primárias das doenças graves – vírus, bactérias e outros elementos invisíveis no meio ambiente – só constituem ameaça à saúde quando a camada protetora natural de uma pessoa desenvolve uma fraqueza (ACHTERBERG,1996, p. 23).

Os processos de cura, a partir de propriedades da natureza, têm por objetivo reestabelecer a conexão do indivíduo com o meio ambiente e com o próprio ser. Para essa cultura, a finalidade é o desenvolvimento espiritual. A saúde integra o campo espiritual aos ambientes naturais, o que significa estar conectado com as energias da natureza.

No período medieval havia a relação da doença ligada ao pecado ou como castigo. Nesse tempo, as práticas terapêuticas se resumiam às orações e ao uso de algumas ervas, sendo que estas práticas foram socializadas até o final da Idade Média por grande parte da população. Por volta do século XVI, as pessoas que detinham esses conhecimentos começaram a serem perseguidas pela Igreja. Eram chamadas de curandeiras e foram julgadas por assombrar as pessoas e por possuir pactos com “espíritos demoníacos”. Muitas destas pessoas, majoritariamente mulheres, foram vítimas da Inquisição.

As curandeiras, seguidoras das práticas pagãs, eram inteiramente xamânicas por acreditarem na unidade e vida de todas as coisas e por suas tentativas de usar as forças da natureza como propósito de cura. [...] elas conheciam os remédios feitos com ervas e encantamentos mágicos, e sua capacidade de aliviar a dor e curar sobreviveram ao longo da Idade Média. O emprego de anestésicos naturais era valioso em uma época em que a maior parte da humanidade era atormentada por vários tipos de dor. Como por exemplo, o uso de raízes da mandrágora (ACHTERBERG, 1996, p. 63).

Camargo (2014) coloca que, nesse período, generalizou-se na Europa forte

Estas eram requeridas para as práticas de feitiçarias referentes às relações amorosas e para restaurar ou destruir a saúde. Elas preparavam poções, faziam feitiçarias, usavam amuletos etc. “Eram mulheres cultivadoras ancestrais de ervas que devolviam a saúde que, na Idade Média, com o saber intensificado, passaram a representar ameaça à classe médica que despontava das universidades feudais” (MURARO, 1991 (apud) CAMARGO, 2014, p.70).

As experiências advindas das práticas preventivas e curativas, bem como os malefícios exercidos pelas mulheres, se colocavam em confronto com a realidade científica que despontavam naquele momento. As mulheres sofreram perseguições e extermínio, pois representavam grande “perigo”, devido aos conhecimentos que possuíam. Nesse período essas mulheres eram curadoras, detentoras de saberes, tinham sensibilidade para observar a natureza e utilizá-la para diversas finalidades.

Em um período histórico próximo a esse, as grandes navegações tinham como investida, dentre os interesses de conquista de território, as trocas de especiarias. Várias rotas foram construídas a fim de realizar um comércio entre Ocidente e Oriente para câmbios de ervas e afins, que seriam utilizadas como temperos, alimentos, remédios e em cultos,contribuindo, assim, para desenvolver o mercado entre lugares considerados longínquos. Desse modo se construiu a história de várias civilizações e impérios, com um significativo trânsito entre Ocidente e Oriente. Há outras formas, mais profundas, de utilização de plantas medicinais, desenvolvidas no Oriente, na África e por povos indígenas do continente americano. Em diversas partes do mundo e diferentes tempos, a relação com plantas medicinais se faz importante e tem um lugar significativo nos processos sócio-históricos da humanidade.

3.2 A influência das matrizes indígenas, africanas e europeias nas práticas de cura