• Nenhum resultado encontrado

linguística, a geração e a análise de dados se darão em torno desses registros. Contudo, de acordo com Magalhães (2018), permitirão entender uma experiência cultural a partir da análise e descrição de uma experiência individual. Desta maneira, temos a narrativa autoetnográfica como ponto fundamental para essa pesquisa, que dá a forma descritiva da análise.

Após conhecer a metodologia da pesquisa, a próxima etapa da investigação é a contextualização e após a análise dos dados, construída através da narrativa autoetnográfica. De maneira descritiva, a análise dos registros demonstrará os encaminhamentos previstos nos objetivos de pesquisa. Portanto, os dados oriundos de diversos tipos de registros encontrados na autoetnografia responderão ao problema de pesquisa e aos objetivos da dissertação. Dando sequência, apresento o contexto de ambientação da pesquisa autoetnográfica.

de que a língua espanhola é muito presente nas vidas dos fronteiriços, além de outros fatores culturais, o que não deixa de ser realidade. Porém há outros detalhes que envolvem esses locais que dizem o contrário e que observo nas escolas em que trabalho.

Dessa forma, a proximidade entre as duas cidades é evidente, contudo saliento que essa ligação é mais forte no centro urbano das cidades-gêmeas. Nessa região em que há troca cultural direta, em que o convívio é diário e se torna único, é como se formassem uma única cidade. Mas como foi antecipado, as escolas localizadas na zona rural de Sant’Ana do Livramento não possuem as mesmas vivências culturais.

Ao longo de sete anos como professora na rede municipal de ensino de Sant’Ana do Livramento, trabalhei em escolas localizadas na zona rural do município. O trajeto para chegar nessas escolas envolve grandes distâncias. Já percorri 80 quilômetros, diariamente, para chegar em uma delas, ou seja, 160 quilômetros todos os dias, em transportes escolares (muitas vezes em condições precárias). Cada escola do campo com sua peculiaridade, com sua distância, com sua dinâmica social e cultural – ligadas ao tipo de formação da comunidade.

Assim, há antigas escolas fundadas para atender a um público (filhos de empregados de estancieiros, por exemplo) e que agora possui uma comunidade heterogênea com famílias de quilombolas, famílias assentadas pela Reforma Agrária, agricultores familiares, empresários do agronegócio e imigrantes. Como há, também, várias escolas que foram fundadas em razão e empenho da luta popular ligada ao MST, quando famílias foram assentadas pela Reforma Agrária, a partir da década de 1990, na região e as quais, majoritariamente, são compostas por agricultores familiares.

No município há escolas que atendem em torno de 100, outras têm 50 alunos e todas de ensino fundamental, o que configura, mesmo nas maiores escolas da zona rural em turmas com 10 alunos em média. Há, ainda, aquelas que precisam fazer o que chamam de enturmação, a mescla de duas turmas de anos diferentes em função do baixo número de alunos, formando assim uma sala de aula multisseriada, prática prevista nas diretrizes da educação do campo, mas que deve ser evitada.

Em geral, os alunos das escolas localizadas no campo se deslocam poucas vezes

possuem profunda intimidade com o idioma espanhol como o senso comum imagina muitas vezes por se tratar de Sant’Ana do Livramento/Brasil e Rivera/Uruguai. Há aquelas escolas que estão mais próximas dos municípios vizinhos como Dom Pedrito, Rosário do Sul e Quaraí do que do seu próprio centro urbano em Sant’Ana do Livramento.

Contudo, nessas comunidades todos vivem e sobrevivem em razão do trabalho no campo. Esses alunos, desde muito cedo, trabalham com as suas famílias, são produtores de hortaliças, ou trabalham com a criação de ovelhas e gado, também há representantes de agroindústrias, cultivando, sobretudo, milho e soja, existem famílias cooperativadas para comercialização do leite e seus derivados. Assim, seus filhos, meus alunos, também se deslocam de localidades diferentes e distantes para chegar, através do transporte escolar, até ao prédio das escolas em que estudam.

Outro aspecto importante a ser mencionado é a precariedade das escolas, na maioria não há nem mesmo um bom sinal de telefonia, o que limita o acesso à internet (não apenas nas escolas, mas nas localidades onde vivem os alunos). As estradas vicinais, que sem pavimentação, inviabilizam aulas em dias de chuva, problemas com a distribuição de luz, água (geralmente de poços artesianos sem tratamento adequado da água), falta de materiais escolares, estruturas dos prédios em ruínas (que se mantém em pé pelo empenho do fator humano, pela insistência dos profissionais que trabalham nesses locais e inúmeras vezes realizam as melhorias e solucionam os problemas estruturais com próprio dinheiro).

Em 2020, com o contexto pandêmico, o uso de smartphones era a solução ideal para aulas remotas, porém não para a realidade dessas escolas. Nem todos os alunos têm smartphones ou acesso à internet facilitado. Assim, essa situação limita as possibilidades ao uso de aplicativos como WhatsApp, salientando que o seu alcance não atinge todos os alunos. Em uma das escolas em que trabalhei, em 2020, somente 44%

dos alunos tinham acesso às aulas enviadas pelo WhatsApp, o que forçou uma nova maneira de entregar os materiais de aula aos discentes.

Dessa forma, foi criado um kit pedagógico, no qual as aulas eram impressas (com recursos próprios dos professores) e enviadas com todo material escolar necessário para realização das atividades, os quais foram entregues nas casas de cada aluno ou em plantões na escola com equipe reduzida. Seguindo todos os protocolos de saúde vigentes

na época e sem o suporte da SME-LVTO, o deslocamento e demais gastos envolvidos nessa logística, eram, mais uma vez, ônus para os docentes. Somente em novembro de 2020 ocorre iniciativa do governo municipal a fim de atender as escolas do campo e dar continuidade aquilo que os professores já o faziam, disponibilizando o transporte escolar para entrega dos materiais.

Assim, essa contextualização parte da minha experiência de sete anos de trabalho como professora nessas escolas localizadas na zona rural de Sant’Ana do Livramento, um dos maiores municípios em extensão territorial do estado do Rio Grande do Sul. E, muito do imaginário fronteiriço se dá nos limites geográficos urbanos. Nas áreas rurais, essa proximidade não parece acontecer com tamanha facilidade como na zona urbana das duas cidades.

Por outro lado, a contextualização da pesquisa vem antes dessa ambientação na educação do campo e até mesmo antes da minha formação como professora, pois o meu contato com a língua se deu inicialmente pela posição geográfico-política em que me encontro. Depois, as políticas educacionais e linguísticas foram delineando meu olhar e minha relação com o espanhol e com o ensino de línguas, pois determinaram minha entrada no ensino superior na área de Letras, o qual trazia habilitação em língua espanhola, em uma universidade particular através do PROUNI, seguindo um acordo que vai além da educação, um acordo econômico entre Brasil e Espanha.

Logo, minha relação com a cultura que envolve o espanhol do Uruguai é intrínseca a minha formação como indivíduo, pois nasci e vivo sendo uma fronteiriça. Convivo em dois países como se morasse em um só. As interações sociais envolvem, de forma natural para mim, as duas línguas: português e espanhol, e também o portunhol. Tenho familiares uruguaios, sobrinhas brasileiras que possuem como língua materna o espanhol, livros, as rádios, as notícias, as redes sociais virtuais (e reais, de interação física) que envolvem os dois países, as duas línguas.

Porém, a visão de que a língua é estanque, um código a ser decifrado, de que o ensino deve ser realizado por meio de repetição de exercícios, uso de modelos e exemplos, professor como detentor do saber, enfim, um modelo tradicional de ensino é uma herança vinda da minha forma de ser ensinada desde o Ensino Fundamental, Médio

Documentos relacionados