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Para a compreensão dos motivos que conduziram ao surgimento do Programa “Bolsa M/D”, faz-se necessário um pequeno resgate histórico da Educação no Estado de São Paulo, contextualizando sua origem e analisando seus objetivos.

O Programa “Bolsa M/D” faz parte de ações políticas educacionais que deram sequência ao programa de um partido político, o Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), que cumpre seu quinto mandato consecutivo no governo do Estado de São Paulo. O Programa “Bolsa M/D” foi criado na gestão do governador Geraldo Alckmin (2003-2006), que retornou ao poder nas eleições para 2011.

É necessário que esse Programa seja compreendido a partir da reforma da educação pública estadual paulista iniciada na década de 1990. Essa reforma ocorreu pari passu à reforma da educação nacional em face da coincidência dos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 1998 e 1999 a 2002), no Governo Federal, e de Mario Covas, no Governo do Estado de São Paulo, a partir de 1995. Ambos filiados ao PSDB, desenvolveram políticas públicas de educação pautadas na mesma inspiração político-ideológica e utilizaram as mesmas estratégias para sua implantação e justificativas.

Em São Paulo, a concepção e a implementação da reforma estiveram sob o comando da secretária de Estado da Educação Tereza Roserlei Neubauer da Silva (Rose Neubauer), que permaneceu na função durante o primeiro mandato do Governo Covas (1995-98) e parte do segundo (1999-2000). Rose Neubauer foi substituída por Gabriel Chalita na gestão de Geraldo Alckmin, que assumiu o Governo após o falecimento de Mario Covas.

Segundo Carvalho e Russo (2009, p. 11), “foi nesse período que se implementaram as mudanças mais profundas e que produziram maior impacto sobre a organização e gestão do ensino nas escolas da rede estadual paulista”. Essas mudanças provocaram acalorados debates na sociedade política e na sociedade civil em razão das controvérsias da política educacional implantada.

O governador Geraldo Alckmin (gestão 2003-2006) assumiu o mandato com o objetivo de dar sequência às políticas implementadas anteriormente pela gestão de Mario Covas; no entanto, os baixos índices de rendimentos apresentados no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp)16 exigiam ações diferenciadas. Foi nesse período que se criou o Programa de Formação de Professores “Teia do Saber” e, juntamente com ele, o Programa “Bolsa M/D”.

Em 2006 houve a renúncia do governador Geraldo Alckmin para se candidatar à Presidência do Brasil, sendo substituído pelo vice-governador Cláudio Lembo. A Pasta da Educação teve novo responsável, dessa vez a educadora Maria Lúcia Vasconcelos.

No ano de 2007 é eleito governador do Estado de São Paulo José Serra, que após seis meses de mandato substitui a Secretária da Educação por Maria Helena Guimarães de Castro. Inicia-se uma nova fase de gestão política da educação pública paulista, na qual se implementa uma nova Proposta Curricular. Dentre as ações de reforma do novo Governo, suspende-se o Projeto “Bolsa Mestrado para avaliação no primeiro semestre de 2008, o qual retorna como Programa “Bolsa Bolsa Mestrado”, vinculado a uma série de alterações normativas e não pedagógicas detalhadas adiante, neste trabalho.

A reforma educacional proposta é implementada pela SEE-SP, conforme salientado, pela Secretária de Estado Maria Helena Guimarães de Castro. Trata-se de uma proposta curricular que visa dar suporte às metas do Programa de Açãodenominado “São Paulo Faz Escola”, projeto esse que causou certo desconforto entre os professores, gerando mobilizações e greve.

16 Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) implementado pela SEE-SP

com o objetivo de subsidiar as tomadas de decisões relativas à política educacional. A primeira avaliação por esse sistema ocorreu em 1996 (BITAR et al. apud CONHOLATO; AMARAL, 1998, p. 10-11).

A proposta compreende um conjunto de decisões, estabelecidas por normas legais, na esfera da organização didática das escolas, das atribuições funcionais dos seus trabalhadores e, em especial, no estabelecimento de procedimentos didático-pedagógicos do funcionamento das escolas e do currículo, com a produção de materiais “instrucionais” que orientam o trabalho dos professores, limitando sua autonomia e ignorando a realidade local dos alunos.

Essa Proposta defende a política de bônus, realizada por meio das avaliações externas, que, além de forçar o corpo docente a utilizar o currículo imposto pela SEE-SP, busca apontar culpados perante a sociedade. Nesse caso, diante dos baixos índices de rendimento apresentados, acabam sendo professores e alunos, e nunca as deficiências governamentais. Também se cria uma competitividade entre professores na busca de melhores remunerações, premiando e classificando professores e escolas em condições e realidades diferenciadas.

Em 2009 esse mesmo Governo aprovou na Alesp, a Lei no 1.097 que institui a prova de mérito. Até a aprovação dessa Lei, a evolução funcional dos professores da rede pública estadual paulista acontecia pela via acadêmica (Mestrado e doutorado) e não acadêmica (cursos de capacitação, seminários e congressos), num total de cinco faixas salariais, com aumento de 5% entre elas. Já por meio da prova de mérito, o aumento ocorre conforme Quadro 1.1 a seguir.

Quadro 1.1 – Prova de mérito e porcentagem de aumento no salário-base

NÍVEL SALARIAL PORCENTAGEM DE AUMENTO CONCEDIDA NO

SALÁRIO-BASE

2 25 %

3 20 %

4 16,67%

5 14,28%

A criação dessa lei propiciou a competitividade entre os membros da classe docente, tendo sido cometida uma série de injustiças entre os profissionais diante dos critérios adotados para realização da prova:

• para que o professor possa realizar a primeira prova, deve permanecer um tempo mínimo de quatro anos em uma mesma escola e de três anos para as demais. Com esse

critério, muitos professores temporários são excluídos, em razão da dificuldade de permanecerem por todos esses anos em uma mesma unidade escolar;

• são promovidos até 20% dos candidatos de cada faixa existente, dependendo da disponibilidade orçamentária;

• o critério é inconstitucional, pois fere a isonomia salarial;

• o professor deve ter, no máximo, uma média de quatro faltas por ano, incluindo faltas abonadas, médicas e licença-prêmio, todas elas um direito do professor.

A análise da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em vigor (LDBN no Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) permite-nos constatar que o sistema de ensino deveria garantir a existência de “pluralidade de idéias e de concepções pedagógicas”, “na autonomia da escola” (BRASIL, 1996, p. 1), a quem incumbe a construção de sua proposta pedagógica, na “participação dos professores e demais profissionais na elaboração do projeto pedagógico da escola” e na responsabilidade dos sistemas de ensino de “assegurar progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e financeira às escolas” (BRASIL, 1996, p. 7).

Em abril de 2009, após a mobilização dos professores diante das ações implementadas pela por Maria Helena Guimarães de Castro, e antes da candidatura do governador José Serra à Presidência do Brasil, houve a substituição da então Secretária por Paulo Renato Souza, em razão do pedido de exoneração deito por Maria Helena Guimarães de Castro. Paulo Renato Souza havia ocupado da Pasta da Educação no mandato de Fernando Henrique Cardoso. Essa substituição acalmou os ânimos dos professores que não concordavam com a reforma e o discurso da Secretária. Alguns desses professores consideraram a substituição uma vitória da classe. Com isso, o movimento dos professores enfraqueceu-se e o novo Secretário consolidou a Proposta Curricular.

Em 2011, Geraldo Alckmin retornou ao Governo do Estado, nomeando secretário da Educação Herman Voorwald. Com isso, estamos novamente diante da continuidade da reforma iniciada nos anos 1990.

A criação do Programa de Formação Continuada Teia do Saber, em especial o Programa “Bolsa M/D”, propicia aos educadores a oportunidade de se tornarem também pesquisadores, o que, por consequência, fere a premissa do Programa “São Paulo Faz Escola” de capacitar professores por meio de suas formações, materiais didáticos e currículo.

Segundo entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 1o de março de 2007, também divulgada no site do PSDB17,18 o ex-secretário da Educação, Paulo Renato Souza, apontou certa falta de continuidade das políticas educacionais de São Paulo pelos secretários do governo de Alckmin. Para Arroyo (1999, p. 145):

Não é ingênuo pensar que as atribuições listadas em cada nova lei, nova política, novo parecer, possam, por um passe de mágica, alterar o histórico do ofício de mestre que os professores repetem? É curioso com que facilidade cada lei ou parecer lista novas atribuições com a pretensão de formar um novo perfil, mais moderno e atualizado de professor [...] as políticas de formação não chegam no cerne do oficio de mestres do papel social de educador, do que é a qualidade constitutiva, do que é historicamente identitário do pensar e agir educativo. É isso que deve ser formado e qualificado. Outra concepção e outra prática de formação.

Nesse contexto histórico da Educação paulista, percebemos que a consolidação da Proposta Curricular do Estado de São Paulo está sob o comando de agentes políticos que estiveram no centro do poder direcionando a reforma da educação nacional na década de 1990. Nos últimos 20 anos da gestão do PSDB no Estado, podemos notar a descontinuidade das políticas educacionais com práticas diferenciadas e conflitos entre os próprios membros do partido.