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continuação: a questão do “direito líquido e certo” no mandado de segurança

acórdão recorrido consubstancie juízo conclusivo acerca da matéria sobre a qual delibera, ainda que se trate de decisão interlocutória. Este, aliás, foi o principal fundamento dos precedentes que deram origem ao enunciado sumular 735 do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”. 126 Esse tema, porém, será detalhadamente tratado mais adiante (infra, n. 53).

Por fim, registre-se interessante discussão que veio à tona, com o advento da Constituição Federal de 1988, acerca do cabimento de recurso extraordinário contra decisão irrecorrível por outro meio, proferida em primeiro grau de jurisdição. É que a Carta de 1967 referia-se a “causas decididas, em única ou última instância, por outros tribunais ou juízes” (art. 114, inc. III); entretanto, com o nítido intuito de afastar o cabimento de recurso extraordinário contra decisões proferidas em primeira instância, o Ato Institucional n. 6, de 1º.6.1969, deu nova redação ao dispositivo citado, suprimindo a sua parte final. A Emenda Constitucional n. 1, de 1969, manteve tal exclusão (art. 119, inc. III). A Constituição atualmente em vigor, por sua vez, nem incluiu nem afastou expressamente a hipótese em comento. Nada obstante, o simples cotejo do art. 102, inc. III, com o art. 105, inc. III, é capaz de solucionar a questão. Isso porque, no último dispositivo, o constituinte deixou claro que recorríveis ao Superior Tribunal de Justiça são apenas as causas decididas por tribunais; 127 já no texto do dispositivo que trata do recurso extraordinário, ele não fez constar semelhante cláusula restritiva, razão pela qual não prevalece a limitação para o recurso dirigido ao Supremo Tribunal Federal. 128-129

126 O entendimento consolidado neste enunciado sumular tem sido aplicado também em sede de recurso

especial pelo Superior Tribunal de Justiça (cf. NEGRÃO-GOUVÊA-BONDIOLI, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 41ª ed., nota 4 ao art. 255 do RISTJ – “Tutela antecipada”, p. 2.073-2.074).

127 Mais especificamente, “pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do

Distrito Federal e Territórios” (CF, art. 105, inc. III, in fine). Diante dessa redação, firmou-se a posição de que “não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais” (Súmula 203 do STJ).

128 Cf. B

ARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, V, n. 319, p. 591. Cf. tb.

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de direito processual civil, v. I, n. 572, p. 715.

129 Por isso, “é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas

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10 – O REQUISITO DO PREQUESTIONAMENTO

Inspirada no Judiciary Act de 24 de setembro de 1789, 130 a Constituição brasileira de 1891 empregou o verbo questionar no dispositivo constitucional que previa o recurso de direito estrito para o Supremo Tribunal Federal. Em 1946, o constituinte modificou parcialmente a redação atinente ao recurso extraordinário que, com pequenas variações, vinha predominando nos sucessivos textos constitucionais desde a primeira Carta republicana. 131 Todavia, a partir da Carta de 1967, o verbo questionar deixou de constar nos dispositivos que trataram do recurso extraordinário – e na Constituição de 1988, também no dispositivo que tratou do recurso especial. Diante dessa omissão, parte da doutrina inclusive colocou em xeque a subsistência do requisito do prequestionamento no direito brasileiro, 132

mas essa posição não chegou a influenciar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 133

Com efeito, desde a Carta de 1934 até a atual, todas as Constituições brasileiras determinaram expressamente que o recurso extraordinário e o especial só devem ser admitidos se interpostos contra decisões que configurem “causas decididas” nas instâncias ordinárias. Assim, além de ser da natureza do recurso de direito estrito, 134 o prequestionamento é inerente aos seus

130 V., supra, nota de rodapé 32, que reproduz o Judiciary Act, Section 25. Sobre a exigência, no direito

norte-americano, de a questão federal ter sido efetivamente decidida no pronunciamento judicial recorrido para que este possa ser reformado pela Supreme Court, COOLEY leciona que “but to authorize the removal, it must appear from the record, either expressly or by clear and necessary intendment, that some one of the enumerated questions did arise in the State court, and was there passed upon” (A treatise on the constitutional limitations, p. 13).

131 A Constituição de 1946, em seu art. 101, inc. III, omitiu o verbo questionar na alínea “a”, mas o

manteve na alínea “b”, que versava sobre validade de lei federal em face da Constituição.

132 Cf., por todos, JOSÉ AFONSO DA SILVA, Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro,

n. 77, p. 198-199. Mais recentemente, também considerando inconstitucional o prequestionamento, cf. GALENO

LACERDA, “Críticas ao prequestionamento”, esp. p. 80-81.

133 A respeito da exigência do prequestionamento na Constituição de 1946, asseverou o Supremo

Tribunal Federal que “essa mudança de redação é irrelevante” (STF, Pleno, ED no RE 46.882, rel. Min. VICTOR

NUNES, j. 9.11.62, não conheceram, v.u., DJ 14.12.62; a citação é do voto do relator). Reafirmando, na vigência da Carta de 1967 (com a redação da Emenda de 1969), a subsistência do requisito do prequestionamento: STF, Pleno, ED no RE 96.802-AgRg, rel. Min. ALFREDO BUZAID, j. 12.5.83, negaram provimento, v.u., DJ 4.11.83.

134 “Pode-se dizer que lhe é ínsito. Assim como norte-americanos e argentinos, que a conservam em

pleno vigor, também no Brasil, como foi visto, a exigência do pré-questionamento perdura nos sucessivos preceitos constitucionais que a este aludem, mesmo nos mais recentes, embora não o tenham feito de forma explícita como os anteriores” (EGAS D. MONIZ DE ARAGÃO, “Pré-questionamento”, p. 39). Com razão, TERESA

ARRUDA ALVIM WAMBIER afirma que o requisito do prequestionamento decorre “natural e inexoravelmente do texto da Constituição Federal” (“Distinção entre questão de fato e questão de direito para fins de cabimento de recurso especial”, p. 253). Ainda no mesmo sentido, EDUARDO RIBEIRO consigna que “o prequestionamento, entendido como a necessidade de o tema, objeto do recurso, haver sido examinado pela decisão atacada, constitui

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