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CONTINUANDO NAS TRILHAS DOS RASTROS DISCURSIVOS

DA PRODUÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS SUJEITOS NO INTERIOR DAS PRÁTICAS DISCURSIVAS E DAS RELAÇÕES DE PODER-SABER

PRESENTES NAS APOEs

Sobre a presença de uma prática de condução nas apoEs

No capítulo anterior, já houve menções sobre a presença de uma certa prática de condução das ações dos sujeitos nas apoEs. Reconhecer e mostrar a presença deste tipo de prática que produz e que faz funcionar certas posições-sujeito – vinculada mais ao propósito subjetivo-posicional – é muito mais difícil do que mostrar a presença de um propósito epistemológico. Este último, geralmente, encontra-se de forma bastante explícita nos trabalhos pedagógicos da Etnomatemática e é considerado/apontado como o principal (ou até mesmo o único) propósito.

Já o propósito subjetivo-posicional, por ser mais sutil e mais “invisível” nos textos e nas práticas discursivas da Etnomatemática – o que não significa que esteja oculto no texto, de modo que precisemos identificar por meio de uma análise fenomenológica a intencionalidade do autor-pesquisador – acaba sendo muito mais difícil de ser reconhecido e mostrado. Tanto que por várias vezes fiquei me indagando se este esforço em mostrar a existência e a relevância deste propósito nas/para as apoEs era válido/legítimo, ou se ele se tratava de apenas um devaneio84. Porém, por meio da leitura do que Foucault (2008b) trata sobre os movimentos identificados, inicialmente, como “revoltas de conduta” – denominados posteriormente pela palavra “contraconduta” –, reconheço que esta insegurança diminuiu bastante.

Em seu estudo sobre o pastorado cristão na sociedade ocidental moderna, ao considerá-lo como um tipo de poder que tem por objetivo a conduta dos homens, Foucault (2008b, p. 256) vai considerar também que

correlativamente a isso, apareceram movimentos tão específicos quanto esse poder pastoral, movimentos específicos que são resistências, insubmissões, algo que poderíamos chamar de revoltas específicas de conduta, aqui também deixando à palavra 'conduta' toda a sua ambiguidade.

84 Mas, mesmo se tratando de uma tentativa devaneante, recorro às palavras de Andrade e Faria (2015, p. 163):

“Nossa tentativa é movimentar os devaneios para possibilitar outros pulsos na escritaleitura, desestabilizando a normalidade, a linearidade, a necessidade de um com-texto”.

Esta ambiguidade da palavra “conduta” refere-se tanto ao sentido de atividade de

condução quanto ao sentido de modo/maneira como uma pessoa se conduz ou como se deixa ser conduzida. De ambos os modos, Foucault diz que estas revoltas de conduta objetivam outra

conduta, ou seja

[...] querer ser conduzido de outro modo, por outros condutores e por outros pastores, para outros objetivos e para outras formas de salvação, por meio de outros procedimentos e de outros métodos. São movimentos que também procuram, eventualmente em todo caso, escapar da conduta dos outros, que procuram definir para cada um a maneira de se conduzir. (FOUCAULT, 2008b, p. 257)

Apesar de se tratar de contracondutas que foram suscitadas, inicialmente, no interior do pastorado, Foucault percebeu em seu estudo que, no fim do século XVII e no início do século XVIII, estas revoltas de ordem religiosa diminuíram de intensidade e de número, passando a serem produzidas muito mais do lado das instituições políticas, pois “muitas das funções pastorais foram retomadas no exercício da governamentalidade, na medida em que o governo pôs-se a também querer se encarregar da conduta dos homens, a querer conduzi-los” (FOUCAULT, 2008b, p. 260).

A afirmação de Foucault sobre esta condução dos homens praticada no pastorado e posteriormente, de outros modos, nas instituições políticas/governamentais, provocou as seguintes indagações: de modo geral, considerando que estas atividades de condução, estas revoltas de conduta, estas contracondutas; enfim, estas distintas práticas de condução estão presentes em múltiplos espaços institucionais/acadêmicos, políticos e sociais, inclusive em ações (pedagógicas) escolares, como elas estariam acontecendo? De modo mais específico e atendendo ao propósito analítico desta pesquisa doutoral, como tais práticas de condução das ações dos sujeitos estariam produzindo e fazendo funcionar discursivamente certas posições-sujeito e certos saberes inerentes às ações pedagógicas orientadas pela Etnomatemática?

Monteiro e Mendes (2015), fundamentadas justamente nesta noção de contraconduta de Foucault, vão apresentar o movimento da Etnomatemática enquanto movimento de contraconduta que emerge do interior do campo do saber da Matemática Acadêmica, mas que, no entanto, não rompe totalmente com este, mantendo o que as autoras consideram como alguns resíduos metanarrativos deste campo; como, por exemplo, a manutenção de questões essencialistas do tipo “O que é Etnomatemática?”. Quanto a isto, as autoras expressam que

O que se destaca do discurso que emerge desse lugar denominado por Etnomatemática é que ele questiona algumas das principais estruturas do campo Matemático, em especial a universalidade e seu poder de verdade única e absoluta. Desse modo, nós entendemos, neste trabalho, que essa outra formação discursiva que emerge desse campo apresenta-se como uma resistência aos modos de governamento (im)posto pelo campo da matemática formal, uma resistência que não nega a matemática, tão pouco pretende instituir uma revolução nesse campo do saber, mas, busca novas formas de pensar esse saber, novas condutas e normas de constituição desse saber, por isso estamos aqui entendendo como um movimento de contra-conduta. (MONTEIRO; MENDES, 2015, p. 05)

Em outras palavras, a Etnomatemática é considerada, pelas autoras, como uma contra-conduta “uma vez que não rompe com a Matemática nem mesmo se coloca contra os princípios de campo do saber, mas, reclama por outra forma de pensar e de se fazer matemática” (ibidem, p. 06).

Esta concepção das autoras se faz importante para uma melhor compreensão dos caminhos trilhados nesta pesquisa. “Como assim?” perguntaria o(a) leitor(a). Primeiramente, gostaria de salientar algumas diferenças observadas quanto ao foco das autoras, ao considerar a Etnomatemática como movimento/ação de contraconduta, e meu foco, ao considerar a presença de uma prática de condução (ou de uma contraconduta?) no interior das apoEs.

Ao defenderem a Etnomatemática como movimento/ação de contraconduta, as autoras dizem que:

Nesse sentido, entendemos o discurso da Etnomatemática como discurso da contra-conduta, pois, ele “luta” no sentido de jogo de forças, contra princípios que legitimam certos procedimentos utilizados na condução da prática e na condução dos sujeitos da prática do saber matemático. Esses outros discursos – advindos da contra-conduta – produz efeitos no campo do saber Matemático, mas, atravessa de forma mais efetiva e questionadora os discursos relacionados às práticas pedagógicas da Matemática. (ibidem, p. 06)

O foco das autoras está centrado na Etnomatemática enquanto contraconduta em relação à matemática acadêmica/escolar. Minha pesquisa não visa mostrar que as apoEs também se constituem como uma prática pedagógica de contraconduta em relação à matemática escolar/acadêmica, mas, busco mostrar como os discursos que mobilizaram e/ou que foram (re)significados nas/pelas apoEs, assim como as relações de poder por eles empreendidas, produzem e fazem funcionar certas posições-sujeito; e, ainda, quais e de que modos (por quais procedimentos) os saberes (inclusive aqueles identificados como matemáticos) são produzidos e mobilizados. Assim, enquanto as autoras buscam perceber os efeitos/questionamentos, produzidos por estes discursos da Etnomatemática, no campo do saber Matemático e principalmente nas práticas pedagógicas da Matemática, em minha pesquisa busco

compreender e mostrar quais são os efeitos/questionamentos, produzidos pelos discursos da Etnomatemática, vinculados às ações pedagógicas orientadas principalmente por ela.

Noutro momento, as autoras apresentam as principais pretensões da Etnomatemática, enquanto uma ação de contra-conduta:

Enquanto uma ação de conta-conduta, a Etnomatemática pretende acima de tudo denunciar e modificar os dispositivos que sustentam as relações que permeiam os processos de validação e legitimação do saber escolar. Procura discutir as possibilidades de articulação entre os conhecimentos produzidos em práticas culturais e o conhecimento escolar, apontando as diferenças de poder existente entre essas formas de conhecimento. (ibidem, p. 08)

De modo geral, reforço que meu foco (geral!) nesta pesquisa doutoral não se concentra nos discursos contra os quais a Etnomatemática luta, nem na compreensão das possibilidades de articulação entre os saberes (escolares e não escolares), mas no próprio movimento de constituição das apoEs, nas relações de poder e nos efeitos produzidos por elas. Ao conceberem a Etnomatemática numa outra perspectiva para além da relação entre matemática escolar e cotidiana, as autoras explicitam qual é seu foco:

Porém, numa outra perspectiva entendemos que a Etnomatemática pode ser pensada para além da relação entre matemática escolar e cotidiana. Ao tomar como foco a mobilização dos saberes dentro de diferentes práticas sociais e culturais o que se busca é trazer para discussão práticas e saberes na perspectiva em que eles são significados e utilizados pelos sujeitos que as realizam e desta forma buscar nas práticas e não nas disciplinas (matemática, historia...) os possíveis sentidos desses saberes. (ibidem, p. 08)

Percebe-se que o foco das autoras está na mobilização dos saberes e fazeres na

perspectiva em que eles são significados e utilizados pelos sujeitos, buscando nas práticas e não nas disciplinas (matemática, história ...) os possíveis sentidos desses saberes. No entanto,

não se faz menção sobre a mobilização (produção e funcionamento) dos sujeitos das práticas. O que busco compreender aqui, por meio de uma analítica discursiva dos trabalhos das autoras- pesquisadoras, é como uma prática de condução das ações dos sujeitos participantes das apoEs contribui para a produção de certas posições-sujeito, e, nesta condução, como estas posições- sujeito funcionam, como operam; e ainda, como os saberes são produzidos e mobilizados. Compreender este como vai no sentido de se compreender estas práticas de condução e esta produção de posições-sujeito mais como tentativas, e não como ações que provoquem uma mudança efetiva e total na vida dos sujeitos.

Apesar destas diferenças de foco, ao se tomar emprestada a noção de contraconduta de Foucault, como conceito referencial para se compreender, de outros modos e com outros olhares, o movimento da Etnomatemática (pelas autoras) e/ou o movimento das ações

pedagógicas orientadas pela Etnomatemática (por mim), esta pesquisa vai ao encontro do que as autoras apresentam como sendo uma necessidade da Etnomatemática, enquanto movimento de contraconduta:

[...] entendemos que a Etnomatemática, é antes de mais nada é um movimento de contraconduta a alguns dispositivos de conduta que sustentam os modos de governo da metanarrativa do campo da Matemática. Desse movimento para uma ação no campo da escolarização, é necessário pensar nos sujeitos e nas formas com que estes se apropriam e significam essa ação discursiva dessa contraconduta. (ibidem, p. 08, grifo meu)

Sendo assim, por meio da possibilidade da criação de outras formas de conduta que perpassam o campo pedagógico e curricular que as autoras defendem, poderia considerar que as ações pedagógicas orientadas pela Etnomatemática possibilitam a existência dessas “outras formas de conduta”, não no sentido estrito de uma condução meramente metodológica das atividades da ação pedagógica. Também não se trata de olhar para uma condução meramente metodológico-epistemológica dessas atividades em sua finalidade de desenvolver ou aplicar/utilizar ou produzir saberes (matemáticos). Trata-se, sim, dos modos de produção e funcionamento de certas posições-sujeito – sendo que as apoEs funcionariam como um tipo de dispositivo discursivo-pedagógico.

Portanto, tomando esta noção de contraconduta de Foucault como um importante conceito referencial para o que estou considerando como prática de condução e, numa direção/foco um pouco diferente daquela tomada por Monteiro e Mendes (2015), buscarei compreender e mostrar como esta prática de condução acontece nas apoEs, discursivamente falando, e como os saberes (matemáticos) são mobilizados – remetendo assim àquela segunda indagação.

ApoEs:da prática de condução das ações dos sujeitos e da produção e funcionamento de certas posições-sujeito e de certos saberes

Neste momento, buscarei descrever e analisar alguns rastros discursivos que poderão contribuir para uma compreensão mais aprofundada, tanto da tese quanto das questões analíticas e daquela segunda indagação apresentada no item anterior. Vejamos.

LUCENA, já no primeiro parágrafo da Introdução de sua Tese, apresenta os seres humanos enquanto construtores de conhecimento, ao considerar que a diversidade cultural

seres humanos, que constroem conhecimento seja pela pulsão do prazer, seja pela luta na sobrevivência material e transcendental” (p. 13).

WANDERER e SILVA também enunciam esta característica intrínseca dos diferentes grupos sociais suscitada pela Etnomatemática:

Se em um primeiro momento o termo etnomatemática pode indicar um campo de estudos que visa associar a Matemática com a cultura de um grupo, um olhar mais denso indica que ela não se limita a esta associação. Ela pretende valorizar a produção de conhecimentos matemáticos praticados por diferentes grupos sociais, considerando que este conhecimento é produzido historicamente. Como afirma Frankenstein (1997a,p.8), “há noções matemáticas das pessoas que a história escrita escondeu, congelou, ou roubou”. (WANDERER, p. 51)

Cabe salientar que estes alunos possuem um conhecimento matemático, assim como os pedreiros, que não é trabalhado no ambiente escolar, conhecimentos estes adquiridos pela sua vivência diária [...] (SILVA, p. 108)

É inegável a afirmação de que a construção de saberes se constitui como característica particular do ser humano. Mas, também, é inegável que esta característica foi tomada como atributo particular, exclusivo e legítimo por determinados povos, que a consideram inexistente ou inferior e incompleta em relação aos demais grupos culturais – exemplo disto é o discurso da ciência moderna difundido por toda a sociedade ocidental. Tanto que, quando adentramos no campo curricular – por exemplo, pelos estudos das teorias de currículo de Lopes e Macedo (2011) e/ou de Silva (2015) –, percebemos uma disputa em relação a quais saberes são válidos para serem ensinados, disputa que, geralmente, remete aos

produtores “legítimos” de conhecimento: os especialistas acadêmicos. Lembremo-nos daquele

primeiro grupo que mencionei no início do texto “Sujeito: uma posição discursiva marcada nas relações de poder-saber” – do qual estes especialistas fazem parte – que, defendendo a existência de uma única cultura, de um único conhecimento verdadeiro, concebe os demais sujeitos sociais como meros aplicadores deste saber.

E, como já mostramos num item anterior, o movimento da Etnomatemática, principalmente em sua dimensão pedagógica, ao buscar resistir a este discurso da ciência moderna, necessitou produzir outros sentidos para o que se entendia por produção de

conhecimento – inclusive, percebemos nos trabalhos etnomatemáticos todo um esforço teórico

de buscar igualar os saberes (matemáticos) dos grupos socioculturais aos saberes (matemáticos) escolares/acadêmicos. As enunciações de WANDERER e de SILVA, apresentadas acima, são

um exemplo deste discurso emergente da Etnomatemática, ao admitir que uma das práticas dos diferentes grupos sociais é a produção de saberes (ou conhecimentos) matemáticos, o que implica, deste modo, reconhecer a existência de um sujeito não acadêmico produtor de saberes

(ou conhecimentos) matemáticos.

O que estou compreendendo e admitindo com isto, é que este sujeito produtor de

saber (ou conhecimento) matemático não se trata exatamente/especificamente de um lugar

empírico/social ou de uma essência epistemológica do sujeito – também não se trata de uma participação enquanto meros informantes –, mas sim, de uma posição produzida nos/pelos discursos e nas/pelas relações de poder-saber que mobilizam/atravessam e que são (re)significados no campo da Etnomatemática.

Estas enunciações sobre esta posição-sujeito, estariam contribuindo para a existência de um enunciado referente a um sujeito que produz/gera um saber (ou

conhecimento)85 matemático. Enunciado que se vincula a outros enunciados, principalmente

àquele analisado no capítulo IV referente a uma ação pedagógica orientada pela

Etnomatemática. Mesmo que o sujeito deste enunciado seja um lugar determinado e vazio que

pode ser ocupado por pessoas diferentes, esta ocupação, como veremos adiante, não é eterna e nem ocorre sempre de um mesmo modo.

Assim, em relação a estes indivíduos não escolares/acadêmicos, ao serem capturados discursivamente pelas ações pedagógicas orientadas pela Etnomatemática, ao participarem de uma ação pedagógica escolar, produziu-se, desde então, esta nova posição

discursiva marcada nas relações de poder-saber. Não vejo, por esta analítica discursiva referente às apoEs, numa perspectiva foucaultiana, que a Etnomatemática, em sua dimensão pedagógica, tenha encontrado uma essência antropológica do sujeito social, enquanto produtor de saber (ou

conhecimento) matemático. Este sujeito, ou melhor, esta posição-sujeito teve que ser produzida.

E a partir do momento em que esta posição-sujeito foi discursivamente produzida, particularmente por seu vínculo com o enunciado referente a uma ação pedagógica orientada

pela Etnomatemática, ela passou a ter uma existência singular.

Os relatos presentes em vários trabalhos de Etnomatemática podem ajudar a compreender este sujeito como uma produção discursiva marcada nas relações de poder-saber,

85 Irei manter, nesta indicação, as expressões “saber matemático” e “conhecimento matemático”, por perceber que, tanto nos trabalhos do corpus de análise quanto nos demais trabalhos apresentados no capítulo III, alguns autores utilizam a primeira, outros a segunda, e outros ainda utilizam ambas sem muita diferenciação entre seus sentidos. Estas expressões, elas próprias podem constituir enunciados, cuja analítica discursiva sobre seu aparecimento, usos e sentidos, apesar de considerar um estudo interessante, não será contemplado nesta Tese.

ao dizerem que as pessoas pertencentes aos grupos/práticas socioculturais, geralmente, não reconhecem em suas atividades práticas e/ou profissionais algo como uma produção de saberes (ou conhecimentos) matemáticos86; geralmente, estes sujeitos não se auto-categorizam como produtores de um saber (ou conhecimento) matemático, mas, no máximo como utilizadores de uma matemática vista como diferente daquela ensinada na escola. MONTEIRO, por exemplo, observou que o sujeito de sua pesquisa “comumente, apresenta-se como um trabalhador rural, com experiências diversas no campo e na cidade” (p. 11). Segundo WANDERER, “os próprios estudantes negam os seus conhecimentos praticados fora do âmbito escolar, pois sabem que eles não são legitimados socialmente” (p. 13). Desta e de outras auto- identidades que são observadas e relatadas em vários trabalhos etnomatemáticos, podemos perceber que os diferentes sujeitos geralmente reconhecem que suas construções/produções estão correlacionadas aos artefatos que constroem/produzem e aos saberes advindos dessa construção/produção, reconhecidos por eles como saberes (ou conhecimentos) práticos/técnicos.

Outro exemplo desta visão é apresentado por Duarte (2003) em sua Dissertação de Mestrado87, ao relatar e analisar uma investigação junto a um grupo de pedreiros e outros profissionais da construção civil. Na fala dos pedreiros (particularmente na fala de seu Aristóteles), esta autora percebeu uma dicotomização entre teoria e prática, ao manifestarem a compreensão de que a teoria pertence, unicamente, aos especialistas da construção civil (arquitetos, engenheiros). Noutro momento, os pedreiros reconhecem que a matemática que eles usam “na obra” é diferente daquela que eles estudavam na escola. Podemos perceber que, em momento algum, aqueles pedreiros mencionam que produzem uma outra matemática; no entanto, reconhecem que o que se produz são outros modos de medir, diferentes daqueles ensinados na escola.

Destas considerações e exemplos, surge o seguinte questionamento: haveria uma grande diferença, discursivamente falando,entre falar/reconhecer que um sujeito ou um grupo sociocultural tem um conhecimento matemático ou que pratica/aplica um conhecimento

matemático e falar/reconhecer que este produz um conhecimento matemático? Parece-me que,

das leituras dos trabalhos aqui considerados, esta questão fica confusa, ou pelo menos inexpressiva, não dita e difusa. Vejamos dois exemplos.

86 Uma exceção são as comunidades indígenas que já tiveram contato com trabalhos etnomatemáticos, como nos

explica Mendes (2004).

87 Este trabalho, apesar de não fazer parte do corpus analítico desta Tese, traz o relato de um episódio que considero

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