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Figueira (2002, p. 135 e 136) ressalta que Souto de Moura, assim como importantes arquitetos contemporâneos, produz uma arquitetura que utiliza de modelos “distintos da cultura que o formou”. Agora, a arquitetura é tratada como produto cultural e não segue mais uma abordagem específica (Moderno ou outra) e, sim, “basta-se como espetáculo cuja transcendência está por vezes fora dos elementos convencionais do projeto”. O autor afirma que a consistência do arquiteto é produto de um relativo pertencimento ao Moderno: na linguagem estética; aproximação a obra de Mies van der Rohe; na relação com a Escola do Porto; e no percurso diferente (“quase oposto”) de Siza Vieira, porém, próximo de Távora; em outras culturas: utilização de um “falso pragmatismo”, em que a partir de um olhar menos atento, a real complexidade das edificações não são percebidas; e do compartilhamento de experiências com os arquitetos Herzog & De Meuron. Para ele, o produto do embate desses modelos gerou abordagens

73 culturalmente interessantes, por meio das quais Souto de Moura tornou-se referência fora do plano político programático da Escola, devido ao “gosto pela severidade compositiva e uso minimal da forma”, com resultados eficazes, dentro e fora dela.

Porém, entendemos estas diferenças apontadas por Figueira (2002), como uma variação estética na aplicação de abordagens similares. Formalmente, a obra de Eduardo Souto de Moura, por vezes, se aproxima de formas puras com disposições cartesianas, principalmente em casas residenciais. Mas, assim como Álvaro Siza Vieira, a linguagem adotada pelo arquiteto varia de acordo com o programa e condicionantes, de maneira que cada intervenção é a “melhor resposta” para cada caso. Como por exemplo, o Estádio de Braga (2000 / 2002 – 2003), a transformação do Convento de Santa Maria do Bouro em pousada (1989 – 1997), o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais (2002 / 2008).

O estádio da cidade de Braga foi construído no contexto da 12º edição do Campeonato Europeu de Futebol de 2004, e recebeu alguns prêmios como: Secil de Arquitetura (2004), prêmio FAD de Arquitetura (2005), e o prêmio Chicado Athenaeum Museum. Locado no terreno de uma pedreira desativada, a construção de concreto e pedra das arquibancadas é composta por dois volumes inclinados, dispostos frontalmente, que parecem se equilibrar pelos cabos presos entre as coberturas, e estar apoiado na parede de rocha na lateral (MELO, 2018a, p. 68). Dessa forma, visualmente a obra está acomodada em um equilíbrio sutil no terreno, “encostada” nas rochas, porém, com um dos lados da arquibancada livre para a paisagem da cidade.

Imagem 38: Estádio de Braga– Vista externa

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Imagem 39: Estádio de Braga– Vista externa

Fonte: Leonardo Finotti, 2011.

Também percebemos estas variações em obras projetadas em conjunto com Fernando Távora e Álvaro Siza Vieira, ou inseridas dentro de um mesmo contexto, como, por exemplo, as obras inseridas no planejamento urbanístico elaborado por Fernando Távora em Viana do Castelo: com o Pavilhão Multiuso (2000 – 2004 / 2009 - 2013) de Souto de Moura; a Biblioteca municipal, projetada por Siza Viera; e a Praça da Liberdade com os edifícios administrativos, desenvolvidos pelo próprio Távora. (MELO, 2018a, p. 44)

Apesar das diferentes abordagens estéticas: o pavilhão de Souto Moura com aspectos tecnológicos evidentes já na fachada, e a transparência do vidro; a natureza mais “fechada” e opaca, e ao mesmo tempo permeável devido ao volume suspenso da biblioteca de Siza Vieira; e os volumes sóbrios conectados ao chão dos edifícios de Távora; é possível perceber preocupações similares dos arquitetos, como: a escala da edificação na inserção do terreno; a relação do usuário com o seu entorno, como o rio e cidade no pavilhão; entre outros.

Imagem 40 e 41: Viana do Castelo – Pavilhão Multiuso e Biblioteca Municipal

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Imagem 42: Viana do Castelo – Vista da praça e edifício administrativo

Fonte: Sérgio Jatobá, 2014.

Também é possível observar similaridades no tratamento do patrimônio histórico nas obras dos três arquitetos, marcadas pelo reconhecimento do existente e pela afirmação do contemporâneo. Na obra de reconversão do Convento de Santa Maria do Bouro em uma pousada (1989 – 1997), Souto de Moura visitou o local com Fernando Távora para identificar o que era autêntico e o que era apenas pastiche. Uma vez que as ruínas eram compostas por intervenções de diferentes épocas, o arquiteto decidiu estabelecer um “novo tempo”. Assim, um edifício contemporâneo com novas funções foi elaborado a partir da utilização de pedras antigas, “considerando o passado como passado, mas, ao mesmo tempo, como presente. Afinal, pergunta: ‘porque é que não posso escolher o século XX em vez do XIX?’” (MELO, 2018a, p. 56).

Imagem 43 e 44: Convento Santa Maria do Bouro – Vistas externas

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Imagem 45 e 46: Convento Santa Maria do Bouro – Vista do pátio e lateral

Fonte: Luis Alves, 2015.

Esta afirmação do contemporâneo também pode ser observada na intervenção da Casa dos 24, no Centro Histórico do Porto, realizada por Fernando Távora (1995 / 2000 – 2002). Situada na praça da Catedral da Sé, o edifício originalmente serviu como espaço para o Conselho da cidade do Porto, no período da era medieval até o final do século XVIII, e permaneceu em ruínas até o ano 2000. Com exceção de um teto trabalhado em ouro na sala do Senado, da altura total do edifício de “100 palmos de altura” (aproximadamente 22 metros), e as próprias paredes em ruínas ainda existentes, não havia informações seguras da configuração da planta original do edifício (GOMES, 2008, p. 3 e 4).

O arquiteto elaborou uma planta quadrada sobre as paredes existentes, sendo três delas em granito com materialidade próxima ao da Catedral da Sé, e um pano de vidro transparente com perfis e estruturas metálicas (MELO, 2018b, p.62), materiais que criam uma pátina e “envelhecem” ao longo do tempo. O volume sólido da edificação, com “abertura” para a cidade através do pano de vidro, lembra uma torre de vigia medieval, inserida de maneira harmônica, quase discreta, em relação ao imponente edifício histórico da Catedral da Sé.

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Imagem 47: Casa dos 24 – Vista lateral da praça da Sé

Fonte: Acervo do autor, 2018.

Imagem 48: Casa dos 24 – Vista posterior do acesso da praça da Sé

Fonte: Acervo do autor, 2018.

Imagem 49 e 50: Casa dos 24 – Vista frontal e lateral

78 Na análise destas intervenções, no Convento Santa Maria e Casa dos 24, podemos retomar às ideias de “continuidade” e “irreversibilidade” do espaço colocadas por Fernando Távora (2008), apresentadas no primeiro capítulo. Ambas edificações não rivalizam com a monumentalidade das igrejas que estão situadas nas adjacências, a Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Bouro e a Catedral da Sé do Porto, ou com o tecido urbano histórico em que estão inseridas. Há um senso de continuidade histórica com o significado da edificação original e a reorganização do espaço público ao seu redor. Também é possível observar o reconhecimento da impossibilidade de reconstituição exata das ruínas ao seu estado original. Uma vez que ambas edificações foram transformadas ao longo de várias épocas, os arquitetos estabeleceram novas funções e configurações para elas, por meio de técnicas contemporâneas.

É notório o impacto positivo que, nestas abordagens de tratamento do patrimônio no nível da cidade, os espaços subutilizados podem ganhar nova função e ressignificar a dinâmica local, por meio da sua reconstrução ou recuperação. Dentre outras intervenções, podemos citar o Plano de reconstrução do bairro Chiado, Centro Histórico de Lisboa, elaborado por Álvaro Siza Vieira (1988- 1999). Após um incêndio ter atingido diversas edificações de um setor do bairro, no ano de 1988, o arquiteto elaborou um plano voltado para a continuidade e conservação dos elementos existentes. Para ele, a área afetada constituía um tecido urbano coerente. Desta maneira, as edificações foram recuperadas a partir de seu desenho original, com a inserção de elementos modernos apenas quando necessário (MELO, 2018b, p. 190).

Nas áreas públicas, foram realizadas algumas intervenções a fim de melhorar a circulação das pessoas, como, por exemplo, a estação de metrô do Baixa - Chiado (1992 – 1998); e a passagem de pedestres que liga a Baixa - Chiado com o Largo do Convento do Carmo, prevista no plano original mas desenvolvido e construído entre os anos 2008 e 2015 (MELO, 2017, p. 202 e 204). Esta passagem está situada entre dois equipamentos voltados ao turismo da localidade: as ruínas do Convento do Carmo, e o elevador metálico de Santa Justa. Constituída por suaves rampas de circulação, um jardim plano e poucos elementos, a estrutura possui uma linguagem sóbria e austera. Assim como a Casa dos 24 de Fernando Távora, entendemos que o Siza Vieira teve a intenção

79 de não rivalizar com as estruturas existentes monumentais, ou com a paisagem da cidade.

Imagem 51 e 52: Passagem de pedestres – Largo do Convento do Carmo

Fonte: Acervo do autor, 2018.

Imagem 53 e 54: Passagem de pedestres – Largo do Convento do Carmo

Fonte: Acervo do autor, 2018.

Imagem 55 e 56: Passagem de pedestres – Largo do Convento do Carmo

80 Podemos destacar que a austeridade da obra de passagem de pedestres é uma característica que parece se repetir em obras de intervenções no espaço público dos três arquitetos. Dentre outros aspectos, há uma valorização de áreas voltadas para a circulação de pedestres, facilitando que uma relação de contemplação direta entre as pessoas e as obras ou paisagem ali existentes seja estabelecida, a citar: o plano urbanístico para a orla da praia de Leça de Palmeira (1998 – 2006), mesma localidade das Piscinas de Marés; o plano de requalificação urbana do Parque Atlântico em Vila do Conde (2000 – 2003), ambas de Siza Vieira; o plano de reconversão da Marginal de Matosinhos de Souto de Moura (1995 / 2000 – 2002); a intervenção na praça 8 de maio em Coimbra (1993 – 1997), de Fernando Távora em parceria com Pedro Pacheco; e a profunda intervenção urbana na Praça dos Aliados, no Porto, com inserção da estação de metrô dos Aliados (2005 – 2006), elaborada por Siza Vieira e Souto de Moura, que também projetou outras estações de metrô na cidade (MELO, 2017, p. 52, 80 e 128; MELO, 2018a, p. 94; DIOGO PEREIRA, 2016).

Imagem 57 e 58: Orla de Leça da Palmeira

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Imagem 59 e 60: Orla de Leça da Palmeira

Fonte: Fernando Guerra, 2005.

Imagem 61 e 62: Orla de Matosinhos

Fonte: Eduardo Alto, 2011.

Imagem 63 e 64: Orla de Matosinhos

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Imagem 65 e 66: Praça 8 de maio - Coimbra

Fonte: José Veloso, 2010.

Imagem 67 e 68: Orla de Leça da Palmeira

Fonte: porto.pt, 2014. Fonte: Acervo do autor, 2018.

Por fim, destacamos o Pavilhão de Portugal para a Exposição Mundial de 1998, situado no Parque das Nações, de Siza Vieira, considerado Monumento de Interesse Público e ganhador do prêmio Valmor, em 1998. Construído concomitantemente a diversas outras intervenções de grande porte, o edifício possui um volume sólido que serviu de sede da representação portuguesa no evento, e uma praça aberta em uma das laterais. Composta por dois volumes laterais, a cobertura da praça foi elaborada em concreto de 20cm de espessura, presa por cabos fixados nos pórticos laterais, a estrutura cria um arco no sentido do seu vão maior (aproximadamente 60m), lembrando uma folha de papel ou lençol de tecido (MELO, 2017, p. 212).

Nesta obra, a austeridade do espaço público das obras do arquiteto parece atingir o ponto máximo. As estruturas monumentais dos volumes laterais, com pórticos imponentes sustentados por grandes pilares, contrastam com o aspecto de leveza da cobertura que abriga a praça, um grande espaço livre e totalmente permeável. A composição minimalista desta obra chama a atenção

83 do pedestre para as proporção e contrastes: os volumes rígidos dos pilares e cobertura “flutuante”; ou permeabilidade da praça diretamente voltada para o Rio Tejo.

Imagem 69 e 70: Pavilhão de Portugal da Expo 98

Fonte: Acervo do autor, 2018.

Imagem 71 e 72: Pavilhão de Portugal da Expo 98

Fonte: Acervo do autor, 2018.

Assim, a partir desta análise panorâmica a respeito da formação, prática profissional e acadêmica dos arquitetos Fernando Távora; Álvaro Siza Vieira; e Eduardo Souto de Moura, e consciente da possibilidade de aprofundamento teórico na obra de cada um deles, podemos perceber uma continuidade em suas abordagens projetuais. Esta continuidade é perceptível, principalmente, na preocupação com o estudo da localidade, tradições e cultura local, associado à uma linguagem de base moderna, porém, com tecnologias e usos contemporâneos.

Mesmo com as diferentes influências pessoais e externas, os arquitetos apresentam preocupações similares em sua obra, como, por exemplo: a preocupação com a escala humana e da localidade; no tratamento do aspecto

84 histórico das edificações; ainda, na adoção de uma postura de resistência às abordagens externas, e postura ativa na resolução de tensões projetuais e metodológicas. Como produto desta abordagem, de maneira geral, encontramos obras que compõem espaços simultaneamente associados ao seu tempo de construção e consolidados até hoje.

Por fim, reconhecida a relevância e influência deste grupo na produção contemporânea portuguesa, podemos discorrer sobre um segundo grupo de notáveis arquitetos, que apresentam convergências com estes três primeiros. Apesar das mudanças na dinâmica de mercado e do perfil do profissional ao longo do tempo, é possível estabelecer relação nas produções contemporâneas com as abordagens da arquitetura da Escola do Porto.

85 4 UMA OUTRA GERAÇÃO

Como apresentado nos capítulos anteriores, as transformações teóricas e práticas ocorridas no âmbito da Escola do Porto, a partir da década de 1930, influenciaram a produção de diversos profissionais ao longo do tempo. Com destaque para o grupo apresentado: Fernando Távora, Álvaro Siza Vieira, e Eduardo Souto de Moura, o capítulo anterior mostrou as similaridades de abordagens com relevantes impactos no tecido urbano de inserção de suas obras. A produção dos arquitetos é coerente ao longo da carreira que, mesmo após as mudanças na dinâmica do mercado a partir da década de 1980, apontadas no primeiro capítulo, mantiveram evidentes as preocupações metodológicas colocadas desde as décadas de 1950 e 1960.

Para identificarmos a repercussão dos temas e características apresentadas, neste capítulo, apresentaremos o trabalho de um grupo de arquitetos portugueses contemporâneos, com reconhecimento nacional e internacional: João Carrilho da Graça; os irmãos Nuno e José Mateus (escritório ARX); os irmãos Manuel e Francisco Nuno Aires Mateus (escritório Aires Mateus); e Nuno Brandão Costa (escritório Brandão Costa Arquitectos). Estes arquitetos possuem formação acadêmica e trajetórias distintas, porém, suas obras demonstram, ainda que em diferentes níveis, uma continuidade prática e conceitual das apresentadas no capítulo anterior.

Composto por diferentes gerações, não foi tomado como critério de escolha a formação na instituição Faculdade de Arquitetura do Porto (FAUP), mas a influência do tema movimento Escola do Porto sobre suas obras. Para tanto, será apresentada a trajetória profissional de cada profissional e a caracterização de algumas obras, a fim de identificar a presença dos temas projetuais já comentados.

De maneira similar ao capítulo anterior, o objetivo deste capítulo é estabelecer uma análise panorâmica da produção destes arquitetos, a partir de características como: formação profissional; relação de tutoria; perfil do histórico profissional; descrição geral de sua obra; entre outros aspectos. Foram destacadas principalmente obras de acesso público, como: museus, instituições públicas, equipamentos urbanos, etc, e algumas intervenções em edificações de natureza histórica, como equipamentos e casas em ruínas, e citações que se fizeram pertinentes para elucidação do tema.

86 Diante da impossibilidade de elencar toda a produção dos profissionais para uma análise detalhada, foi selecionada uma pequena amostra da extensa gama de obras de cada arquiteto, uma vez que o reconhecimento nacional e internacional advém da qualidade projetual consolidada ao longo do tempo. Assim, este capítulo tentou reunir as intervenções mais significativas elaboradas por cada arquiteto que pudessem contribuir na discussão das temáticas propostas por este trabalho.

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