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V OS CONTOS MACHADIANOS SOB O JUÍZO DA CRÍTICA ESPECIALIZADA 5.1 – A tríade Romero-Araripe-Veríssimo

A crítica da produção machadiana tem início no final do século XIX, quando o escritor já tinha publicado poesias, contos, crônicas e romances, ou seja, já estava consagrado nos meios editoriais do Rio de Janeiro oitocentista. A atividade crítica, nessa época, estava atrelada ao exame das obras à luz das manifestações externas em uma perspectiva determinista, em que o autor é um produto do meio e, consequentemente, sua obra um reflexo dessas influências; daí haver, nas apreciações da época, a presença da crítica biográfica baseada em Sainte-Beuve (1804-1869)114 e da busca por aspectos nacionalistas, resquícios do Romantismo.

As bases da crítica nacional sobre os escritos literários oitocentistas são constituídas a partir da tríade Silvio Romero (1851-1914), Araripe Júnior (1848-1911) e José Veríssimo (1857-1916), autores que se dedicaram a examinar as produções literárias e teceram suas apreciações muitas vezes opostas entre si, o que resultou em hostis polêmicas por meio de textos críticos, valioso material tanto para se perceber em que se baseava o julgamento daqueles autores quanto para se compreender como se constituiu o canône na nossa história literária.

Silvio Romero foi crítico da obra machadiana por longa data: em 1870, quando escrevia para o jornal A Crença115 já analisava o lirismo e o pessimismo do autor e, em 1878, no prefácio intitulado “A poesia de hoje” do seu livro Cantos do fim do século intensifica o ataque ao escritor, acusando-o de pertencer ao decadente estilo romântico. Como resposta, Machado, publica a crônica A nova geração (1879), em recepção à recente obra do crítico, e declara haver discrepância entre as ideias e o texto poético de Romero, menosprezando a produção deste: “o Sr. Silvio Romero não possui a forma poética” (ASSIS, 1959, p. 47).

Em retaliação, em 1888, Silvio Romero, ao produzir a História da Literatura

Brasileira, apenas citou o nome de Machado de Assis pertencente a um grupo de autores com

escritos importantes para a literatura nacional, sem aprofundar sobre a obra do autor, como

114 Crítico cujo método baseia-se sobre o pressuposto de que a obra de um escritor seria, antes de tudo, o reflexo de sua vida e poderia ser explicada por esta.

115 Nesse jornal, o crítico assinava suas matérias com o nome Silvio Ramos e escrevia alguns de seus textos em colaboração com Araripe Júnior.

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também não se deteve em Macedo e Alencar, também consagrados na época116. No entanto, provavelmente influenciado pela excelente recepção de Quincas Borba (1891) e/ou pela posse do escritor como Presidente da Academia Brasileira de Letras, em 1897, o crítico publica, nesse mesmo ano, Machado de Assis – Estudo comparativo da Literatura Brasileira, em que compara a obra do autor fluminense à de Tobias Barreto117.

Essa publicação consolida Romero como o crítico mais severo de Machado daquele período, julgando a obra do autor como artificial, inadequada à nossa psicologia étnica nacional. Por não ver o nacionalismo presente nos textos machadianos, ele não os considerou como uma produção significativa da literatura nacional. Seguindo uma proposta de crítica biográfica, sua análise quer tratar de Machado “à luz de seu meio social, da influência da sua educação, de sua psicologia, de sua hereditariedade fisiológica e étnica mostrando a formação, a orientação normal de seu talento” (ROMERO, 1897, p. 56). Termos como “malfeito” e “insignificante” transbordam da crítica de Romero. Ao tratar da composição das personagens, o crítico afirma que as obras de Machado

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encerram vários tipos brasileiros, genuinamente brasileiros, e ele não ficou, ao jeito de muitos dos nossos, na decoração exterior do quadro; mais penetrante do que muitos desses, foi além, e chegou até a criação de verdadeiros tipos sociais e psicológicos, que são nossos em carne e osso, e essas são as criações fundamentais de uma literatura (ROMERO, 1897, p. 67)

E adiante cita alguns desses tipos presentes nos contos: “Será preciso lembrar o Diplomático, esse curioso Rangel, que é um modelo do gênero, ou certos tipos de Alienista, e da Galeria póstuma, tão brasileiros em tudo?” (ROMERO,1897, p. 67) Após esses elogios suspeitosos, Romero critica severamente a poesia do autor de Falenas e, em seguida, ao se deter na análise da prosa, comenta sobre o estilo do autor:

Sente-se que o autor não dispõe profusamente, espontaneamente, do vocabulário e da frase. Vê se que ele apalpa e tropeça, que sofre de uma perturbação qualquer nos órgãos da linguagem.

Machado de Assis repisa, repete, torce e retorce tanto suas idéias e as palavras que as vestem, que deixanos a impressão dum tal ou qual tartamudear (ROMERO, 1897, p. 74)

116 Na terceira edição dessa obra, Nelson Romero, filho do autor, complementa o livro acrescentando observações sobre Machado de Assis.

117 Nessa comparação, Silvio Romero julga a obra de Tobias Barreto como superior a de Machado de Assis justamente por reforçar o caráter nacional.

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Para comprovar esses defeitos no estilo, transcreve os parágrafos iniciais do conto

Miss Dólare vocifera:

Percebe-se que não há nativa fluência na língua, nem movimento nas idéias; é alguma cousa que não vem de fonte copiosa e precípite, porém que escorre docemente como um veio pouco abundante, posto que límpido e suave. (...) Com um punhado de idéias pouco extensas, com um vocabulário que não é dos mais ricos, faz muitas e repetidas voltas em torno dos fatos e das noções que eles lhe deixam na inteligência, orientada por um imperturbável bomsenso, que lhe supre a imaginação e ajuda a observação que não deixa de ser notável. O cultivo dos bons mestres da língua forneceu-lhe certas formas de construção e de frase que lhe imprimem ao estilo a graciosidade da correção e apuro gramatical, na falta de outras qualidades mais brilhantes. (ROMERO, 1897, p. 76)

Excetuando o modesto elogio à correção e ao apuro gramatical, sobressaem as hostilidades ao vocabulário, às ideias e às repetições a arrastar a prosa machadiana em um “turbilhão118” procedente, certamente, de desafetos pessoais.

O livro de Romero foi escrito quando Machado de Assis já estava próximo aos 60 anos, consagrado como escritor de romances119 e de contos120; daí seu texto produzir uma forte impressão nos leitores devoradores das narrativas e crônicas machadianas.

Araripe Junior, assim como Romero, escreveu no jornal A Crença destilando críticas a Machado por não perceber aspectos nacionais em seus escritos, ainda obscurecido pela teoria da obnubilação. No entanto, ao longo de sua vida, produziu muitos artigos e ensaios publicados em diversos jornais e revistas, com efetivo exercício de crítico, o que lhe oportunizou acompanhar por muitos anos o desenvolvimento da obra machadiana. Com isso, amadureceu sua pena e, em 1892, quando fez a recepção de Quincas Borba desculpou-se pela crítica feita a Phalenas e Contos Fluminenses:

Os primeiros trabalhos de Machado de Assis que folheei foram as Phalenas e os Contos Fluminenses. (...)

Os dous livros chegavam de Paris, nitidamente editados, se nao me falha a memória, pela casa Garnier.

Sendo-me entregues, para os fins convenientes, atirei-me a eles como gato a bofes, certo de que ali encontraria onde afiar o gume do meu cutelo de crítico incipiente.

118 Termo usado por Antonio Candido para representar a força da crítica de Silvio Romero.

119 Quando o livro de Sílvio Romero foi publicado, em 1897, Machado já havia escrito Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878), Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (1891).

120 Em 1897, apenas as duas primeiras antologias de contos haviam sido impressas, mas repousava nos folhetins mais de cem dessas narrativas, visto que somente no Jornal das Famílias, extinto em 1878, Machado publicou 86 contos.

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Nessa época eu andava muito preocupado com a idéia do romance nacional; sabia de cor o Brasil de Ferdinand Denis e lera pela oitava ou nona vez o Guarani de J. de Alencar. No que respeita à literatura, ignorava completamente a existência de uma cousa chamada proporções; pouco tinha observado, muito menos comparado, de modo que, segundo então pensava, não havia senão uma craveira: – diante d'uma obra d'arte, ou tudo ou nada (ARARIPE apud GUIMARÃES, 2004, p. 128)

O julgamento, revelado pelo próprio crítico, é fruto tanto da imaturidade de Araripe na época, quanto da influência do nacionalismo em moda. No recorte, está destacada a expressão “proporções”, ou seja, a análise das obras machadianas foi construída tomando como base os textos de Ferdinand Denis e José de Alencar, não permitindo ao crítico ver a proposta de nacionalismo desenhada por Machado. Em outro momento do texto a mea culpa do autor ainda se estende: “escrevera as histórias de Luiz Soares, de Miss Dolar e os Segredos

de Antônia, cuja excentricidade punham o meu gôsto artístico, o meu chateaubrianismo

intransigente, em verdadeiro desespêro” (ARARIPE apud GUIMARÃES, 2004, p. 129). Como a crítica é tecida sobre o livro Contos Fluminenses, naturalmente só aparecem referências aos contos nele publicados.

José Veríssimo, o último da tríade a se manifestar, publicou alguns textos em jornais sobre a obra machadiana, ainda no final do século XIX. Entre esses, inicialmente, acusou o romance Ressurreição, e outras obras de diferentes autores, de serem imitação dos modelos estrangeiros. No entanto, em 1902, escreveu no Correio da Manhã um texto opondo- se à análise de Romero e, em 1916, publicou a História da Literatura Brasileira, em que dedica o último capítulo à obra do autor fluminense, não lhe poupando elogios, o que pode ser compreendido como resposta à crítica acirrada tecida por Silvio Romero.121

No capítulo em questão, Veríssimo inicia enaltecendo Machado como “a mais alta expressão do nosso gênio literário, a mais eminente figura da nossa literatura” (VERÍSSIMO, 1916, p. 72), e ainda: “Ninguém na literatura brasileira foi mais, ou sequer tanto como ele, estranho a toda a espécie de cabotinagem, de vaidade, de exibicionismo” (VERÍSSIMO, 1916, p. 72). Após tratar de aspectos biográficos e de comentar os livros de poesias, atenta-se à produção em prosa, quando declara sobre os contos:

121 Essa mudança no julgamento de José Veríssimo não ocorre de forma tão repentina. Em 1883, o crítico convida, por meio de cartas, Machado de Assis para ser colaborador na Revista Amazônia, recém-fundada. Na época, o autor fluminense gozava de boa reputação e a revista do crítico padecia com poucos assinantes. Os textos do autor no periódico eram garantia certa de sucesso. Essa relação se intensifica com a mudança de Veríssimo, em 1891, para o Rio de Janeiro, quando conhece pessoalmente o já célebre autor.

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Como prosador compreende a sua obra, além de numerosos livros de conto, romances, teatro, crítica e crônicas jornalísticas. Do conto foi ele, se não o iniciador, um dos primeiros cultores e porventura o primacial escritor na língua portuguesa. Efetivamente ninguém jamais nesta contou com tão leve graça, tão fino espírito, tamanha naturalidade, tão fértil e graciosa imaginação, psicologia tão arguta, maneira tão interessante e expressão tão cabal, historietas, casos, anedotas de pura fantasia ou de perfeita verossimilhança, tudo recoberto e realçado de emoção muito particular, que varia entre amarga e prazenteira, mas infalivelmente discreta. Histórias de amor, estados d’alma, rasgos de costumes, tipos, ficções da história ou da vida, casos de consciência, caracteres, gente e hábitos de toda a casta, feições do nosso viver, nossos mais íntimos sentimentos e mais peculiares idiossincrasias, acha-se tudo superior e excelentemente representado, por um milagre de transposição artística, nos seus contos. E sem vestígio de esforço, naturalmente, num estilo maravilhoso de vernaculidade, de precisão, de elegância. (VERÍSSIMO, 1916, p. 81)

Há certo exagero na possibilidade do conto machadiano ser introdutor do gênero no Brasil, isto porque despreza os diversos escritores que se proliferaram pelos diversos periódicos existentes no Rio de Janeiro do século XIX, principalmente a partir da segunda metade do século XIX. Essa exaltação multiplica-se, ainda, pelo estilo, pela linguagem e pelo tema das histórias apresentadas como ficções sobre a vida doméstica. Com isso, o ataque feito anteriormente evapora-se diante da mudança de apreciação do crítico que passa a querer corrigir as injúrias destiladas contra a obra Ressurreição:

A sua primeira obra de contador, Histórias da meia-noite (1869), Contos

fluminenses (1873), com os seus primeiros livros de romancista, o já nomeado

Ressurreição, A mão e a luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878), traziam ressaibos românticos, embora atenuados pelo congênito pessimismo e nativa ironia do autor. Ora o Romantismo não comportava nem a ironia nem o pessimismo, na forma desenganada, risonha e resignada de Machado de Assis. Mas os contos que sucederam imediatamente àqueles, Papéis avulsos (1882), Histórias sem data (1884), Várias histórias (1905), muitos deles anteriores a Brás Cubas, trazem já evidente o tom deste. (VERÍSSIMO, 1916, p. 81)

As primeiras produções são reunidas sob o manto do Romantismo e o crítico, na esteira dos elogios, atenua os “ressaibos românticos” com o pessimismo e a ironia, tidos como inatos do autor, isso tudo para minimizar as ofensas feitas ao primeiro romance. Veríssimo desloca as produções iniciais machadianas para além da estética romântica, como a não caber no sentimentalismo açucarado desse estilo.

Vale destacar que foi o crítico quem consolidou a célebre separação da produção machadiana em duas fases, apresentando Memórias Póstumas de Brás Cubas como um divisor de águas. No entanto, para Veríssimo, a análise dos contos não se fixa na célebre divisão, pois o pessimismo e a ironia são aspectos presentes desde os primeiros escritos,

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embora amaneirados pela sentimentalismo romântico, e nos contos publicados muito antes de

Memórias Póstumas de Brás Cubas essas características já se evidenciavam. Apesar das três

últimas antologias, citadas pelo crítico, terem saido após o ano de 1881, ele sabe que muitas das narrativas que compõem as obras tiveram sua publicação anos antes nos folhetins.

Enquanto boa parte da crítica tem se detido a analisar os contos machadianos somente à luz das narrativas publicadas nas antologias, Veríssimo reconhece a importância dos folhetins para o estudo dos contos, portanto não os analisa como um reflexo dos romances, por mais que reconheça, conforme se nota no excerto, a progressão da ironia e do pessimismo nesses textos.

Quando o livro de Veríssimo foi publicado, tanto Silvio Romero quanto Machado de Assis já tinham falecido, e a polêmica, que se concentrou quase toda nos jornais, estava encerrada.

Essas divergências precisam ser entendidas como fruto não de adversários, mas de homens de letras ansiosos com o estabelecimento de uma literatura verdadeiramente nacional, perfeitamente compreensível com o teor de independência política e literária próprio da época, o que talvez tenha obscurecido a pena dos críticos para escritos que não exaltassem as belezas da terra natal. Daí porque as críticas de Romero e até mesmo os textos iniciais de Araripe e Veríssimo tenham se incomodado com os escritos comezinhos do Bruxo do Cosme Velho.

As bases da crítica nacional sobre os escritos oitocentistas se constituíram a partir dos textos dessa tríade que, em suas publicações, foram responsáveis pela consolidação do nosso cânone literário e pela introdução da veia crítica com julgamentos, por mais que ainda incipientes, próprios de quem conhece a produção literária de seu tempo.

5.2 – O que dizem as histórias literárias sobre os contos machadianos?

A partir da base construída pela crítica coetânea ao escritor, todos os autores, ao escreverem suas histórias literárias, expuseram seus juízos críticos sobre a obra machadiana. Com isso, percebe-se que não há como fugir da evidente importância dos escritos de Machado, como fez Veríssimo. No entanto, no que concerne aos contos, as apreciações não legaram a essas histórias o valor merecido; por isso a fortuna crítica dos contos machadianos se consolidou por meio de uma leitura limitada desses escritos.

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Depois da tríade inicial de críticos, somente em 1919 sairia a Pequena História

da Literatura Brasileira, de Ronald de Carvalho122, que, durante pelo menos quatro décadas,

foi utilizada como material para o ensino de literatura nas escolas (MARTINS, 1983). Antonio Candido, no prefácio da Formação da Literatura Brasileira, comenta: “Li também muito a Pequena história, de Ronald de Carvalho, pelos tempos do ginásio, reproduzindo-a abundantemente em provas e exames, de tal modo estava impregnado de suas páginas” (CANDIDO, 1959, p. 3).

A importância dessa história literária vai além das terras brasileiras:

o Itamaraty favoreceu a importação e a difusão da produção intelectual estrangeira no país e vice-versa (da produção brasileira no exterior). Esse duplo papel foi particularmente marcante na vida cultural do Rio de Janeiro – a então capital federal –, em cujos círculos intelectuais Ronald teve atuação central nos anos de 1920. Circunstância que ajuda a entender por que a Pequena história chegou a ser traduzida para o francês, o italiano e o castelhano ainda durante a vida de seu autor, figurando, então, entre os livros do gênero mais conhecidos no exterior e funcionando, ao mesmo tempo, como uma apresentação geral do Brasil, de sua literatura e de seus intelectuais. (BOTELHO, 2011, p. 133)

Ao se referir a Machado de Assis, o crítico assim se refere: “sem contestação, sob variados aspectos, o mais significativo dos escritores de língua portuguesa” (CARVALHO, 1919, p. 333). Parece aqui que a proposta do crítico é fixar a imagem de Machado como símbolo da literatura nacional. Por duas páginas e meia, apresentam-se dados sobre a poesia machadiana e a prosa é relacionada ao naturalismo brasileiro, com a observação de que só está enquadrado ali por um critério temporal, visto o autor ter iniciado seus escritos muitos anos antes dos demais autores naturalistas123. Não há abordagem sobre nenhum dos romances do autor; apenas em nota se aludiu a uma recente tradução de Dom Casmurro para o francês124. Os demais gêneros que o autor escreveu – contos, crônicas e dramas – nem foram sequer mencionados.

Em 1930, a História da Literatura Brasileira, de Artur Mota, e, em 1931, Noções

de História da Literatura Brasileira, de Afrânio Peixoto, repetem o modelo de estrutura

122 Ronald de Carvalho (1893-1935) formou-se em Direito e colaborava como jornalista no Diário de Notícias. Ao morar na Europa, cursou filosofia e sociologia em Paris, o que pode ter influenciado na escrita da sua historia literária. A partir da quinta edição dessa obra, uma biografia de Ronald de Carvalho era apresentada com sua experiência literária na poesia, prosa e crítica e com dados sobre sua formação na área jurídica.

123 Nas páginas dedicadas à poesia, há dois textos do autor: “Círculo vicioso” e “Soneto de Natal”. Na prosa, ele é elencado como naturalista e divide espaço com Raul Pompéia, Aluísio Azevedo e Júlio Ribeiro.

124 O próprio Ronald de Carvalho fez a tradução juntamente com Francis de Miomandre publicado pelo Institut de Cooperation Intellectuelle, de Paris.

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romeriana, apenas alterando os nomes das épocas literárias, e não mencionam os contos machadianos.

Em 1938, Nelson Werneck Sodré125 publica a primeira edição de História da

Literatura Brasileira com o subtítulo “seus fundamentos econômicos”. A obra passaria por

muitas revisões, principalmente porque a proposta de atrelar a literatura às questões econômias foi de encontro às ideias ditadoriais do regime de Getúlio Vargas126. Já a terceira edição, saída em 1960, não só eliminou o subtítulo como também alterou parte do texto, mas manteve a relação da literatura com as questões sociais da comunidade. Daí porque divide sua obra em três partes: “literatura colonial”, “esboço de literatura nacional” e “literatura nacional”. Diferente de Veríssimo, que vê a obra dos autores do século XIX já com marcas de nacionalidade, Sodré afirma haver ainda uma forte herança colonial, repleta de marcas da cultura lusitana, presente nos textos dessa época, que impede um nacionalismo autêntico.

Ao tratar de Machado de Assis, o historiador o trata como a maior figura literária do país e afirma:

Sua carreira literária tem duas fases bem nítidas, a primeira, em que é ainda romântico, embora anunciando, aqui e ali, a posse daquelas virtudes que se engrandecerão na segunda. Depois, e com intervalo curto, evolui para uma posição realista inequívoca, embora não ligada à forma de expressão que o realismo assumiu com a escola naturalista, que teve o senso de desprezar. (SODRÉ, 2002, p. 557) A divisão da obra machadiana em duas fases é mantida, mas cabe perceber como a produção inicial do autor é tratada com inferioridade, principalmente pelo uso de termos como “ainda” e “engradecerão”, usados para transformar os seus primeiros escritos em textos de leitura dispensável após a eclosão da segunda metade. Além disso, deve-se atentar como o