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4. A Constituição do Tribunal Arbitral Deveres de Independência e Imparcialidade dos Árbitros Alocação dos Honorários dos Árbitros

5.3. Os Contratos da Bacia Alentejana

Regra geral, as partes pretendem que o tribunal arbitral decida de acordo com os termos contratuais e com a lei substantiva acordada pelas partes. Contudo, as partes ocasionalmente podem especificar que o tribunal arbitral decida ex aequo et bono, decidindo com base na equidade e no que considera justo de acordo com as circunstâncias do caso em concreto.121

De acordo com a convenção de arbitragem dos Contratos da Bacia Alentejana, eventuais diferendos serão resolvidos segundo a lei portuguesa e o tribunal arbitral julgará segundo a equidade.

O julgamento segundo a equidade integra o conteúdo facultativo das convenções de arbitragem122 (cfr. art.º 39º, nº 1 e 52º, nº 1, ambos da LAV). A opção pela equidade em arbitragens internacionais parece precludir às partes a escolha do direito a aplicar pelos árbitros (cfr. art.º 52º, nº 1, LAV).

A questão está em esclarecer qual o alcance da decisão segundo a equidade. Para uma resposta “clarificadora”, é de referir M. Carneiro de Frada, segundo o qual “A determinação do que seja a decisão segundo equidade é – o que facilmente se intui – dificílima.”123

120 D. Moura Vicente, A determinação do Direito aplicável ao mérito da causa na arbitragem

internacional à luz da nova portuguesa Lei da Arbitragem Voluntária, in “Revista Internacional de

Arbitragem e Conciliação, nº 5, 2012, p. 47

121 Cf. C. Duval et al, op. cit., p. 360

122 Cfr. R. Ventura, Convenção de arbitragem, in “ROA”, 1986, p. 347 123

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Procurando não nos perder na complexidade do tema “julgar segundo a equidade”, iremos procurar sintetizar esta matéria com o auxílio da doutrina e da jurisprudência que nos pareceram mais relevantes.

A. Menezes Cordeiro destaca duas aceções que relacionam a equidade com o Direito124: - A “mais fraca”, segundo a qual se partiria da lei positiva como base, mas, através de uma aplicação ponderada e flexível, se permitiria corrigir as injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstratas, aquando da aplicação concreta;

- A “mais forte”, segundo a qual se prescindiria do Direito estrito e se procurava soluções baseadas na denominada justiça do caso concreto.

Parece-nos que a primeira aceção será a mais correta e a mais defendida no seio da doutrina que associa o papel da equidade à integração de lacunas e também à conciliação de interesses em casos particulares:

 “… haverá que partir do Direito estrito, expurgado de regras formais e limado de aspectos demasiados rígidos; o resultado desse modo obtido poderá ser adaptado, dentro de certos limites, de modo a corresponder ao equilíbrio buscado pelas partes.” (A. Menezes Cordeiro);125

 “Com o abandono de uma esquemática lógica jurídica, com a inclusão dos valores jurídicos materiais na interpretação, desaparece a inflexibilidade ou rigidez jurídicas (…) Por isso, através de uma interpretação melhorada e de um aperfeiçoamento de forma a integrar as lacunas, bem como através da consideração do direito jurisprudencial e dos casos concretos, chegou-se hoje a um estádio em que a solução com base na norma e a resolução do caso segundo a equidade se equivalem amplamente” (Esser);126

“The essential function of equity is ‘rectification’ of law, where the law is defective owing to its universality. ‘Substantive law’ (or positive law) does not always do justice (…) Substantive law does not (simply because it cannot) provide for every situation, and so requires special treatment to suit differing

124 António Menezes Cordeiro, A Decisão Segundo a Equidade, in “O Direito”, 1990, p. 267 125 A. Menezes Cordeiro, op. cit., p. 272

126

46 circumstances. The function of equity when so used is not to destroy law but to

fulfill it.” (F. S. Nariman).127

Também a jurisprudência se encontra em conformidade com a doutrina no que toca ao âmbito da decisão segundo a equidade:

“… it is not a question of applying equity simply as a matter of abstract justice, but of applying a rule of law which itself requires the application of equitable

principles …” (Tribunal Internacional de Justiça);128

 “… «julgar pela equidade» é aplicar os princípios do direito natural, resolver sem observância estrita de formalidades, dentro dos princípios da razão e da justiça, mas sem preterir a lei expressa … e sem alterar ou modificar as convenções que foram livremente estipuladas pelas partes, que formam direito entre elas …” (Supremo Tribunal Administrativo);129

 “… a posição do árbitro autorizado a julgar segundo equidade (…) não estando sujeito à aplicação do direito constituído, o seu objectivo fundamental concentrar-se-á, não na segurança dos contratos, mas na realização da justiça. Por isso, sem esquecer a necessidade de assegurar à vida social um mínimo de segurança, o árbitro, livre da rigidez do texto escrito, procura pesar as circunstâncias especiais que concorrem no caso a decidir, a natureza do contrato, a equivalência das prestações, quando esta seja considerada como elemento necessário dos contratos comutativos (…) Ainda o árbitro não pode deixar de ter em conta, igualmente, o justo equilíbrio de interesses, devendo decidir-se, em caso de dúvida, sendo o contrato oneroso, pelo critério que conduzir ao maior equilíbrio das prestações …” (Tribunal arbitral no caso Governo da República Portuguesa/The Anglo Portuguese Telephone Company).130

No seguimento do entendimento das citações acima enunciadas, resulta, do que parece ser a melhor interpretação do “julgar segundo a equidade”, que os árbitros não poderão decidir discricionariamente com base na sua consciência, subjetivamente, formulando decisões casuais e arbitrárias. Os árbitros terão, pois, de ter em conta não só as diretrizes jurídicas emanadas pelo direito positivo, mas também o equilíbrio entre as partes,

127

F. S. Nariman, op. cit., p. 11

128 Referido por Pieter Sanders, Govt. Of the State of Kuwait v The American Independent Oil Company

(AMINOIL), Award, 24 May 1982, in http://www.kluwerarbitration.com/print.aspx?ids=IPN1880, p. 9

129 Explanado por A. Menezes Cordeiro, op. cit., pp. 277 e 278 130

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através da ponderação dos interesses globais destas e das circunstâncias particulares no caso sub judice.

De forma a satisfazer as exigências de justiça requeridas pelas comunidades, os árbitros que julguem com base na equidade terão de fundamentar as suas decisões demonstrando a razoabilidade e o bom senso das mesmas. O dever de fundamentação é ainda mais fulcral quando a solução se afasta da que decorreria da aplicação do direito constituído, que será um padrão de referência, devido à confiança, certeza e previsibilidade das partes que, usualmente, regem as suas relações por esse direito.131

Como referimos anteriormente, ao submeter a decisão à equidade, parece que as partes deixam de poder escolher qual o direito substantivo aplicável ao mérito da causa (art.º 52º, nº 1, LAV). Assim sendo, qual o Direito que os árbitros deverão ter em conta? M. Galvão Teles defende que a decisão de equidade adote como lei de referência aquela que apresenta, substancialmente, a conexão mais estreita com o caso, sem os constrangimentos do direito de conflitos e de outras normas de direito internacional privado,132 solução que nos parece ser de perfilhar.

A lei de referência será a portuguesa por ser a que apresenta a conexão mais estreita com o objeto dos contratos, constituindo, como já referido no ponto anterior, a melhor salvaguarda da segurança jurídica nas relações das partes.

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